7 Mentiras sobre Porto no Cajueiro: Prefeitura de São Luís se junta à WPR contra população

Prefeitura de São Luís, a exemplo dos governos estadual e federal, baseia-se deliberadamente em informações não comprovadas para dizer sim ao Porto e à morte da comunidade de Cajueiro

No Cajueiro Resiste

A edição do Jornal Pequeno desta sexta-feira, 29 de janeiro de 2015, traz publicada uma Ata controversa sobre reunião em que, a portas fechadas no gabinete da Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação (Semurh) representantes da Prefeitura de São Luís tiveram para tratar com representantes da WPR/WTorre sobre a liberação do alvará para dar sequência à construção do Porto no local onde está assentada a comunidade do Cajueiro.

A Ata publicada na imprensa, um primor de contradições, serve para exprimir uma gestão antidemocrática e suspeita à frente do município, além de revelar o que o Governo do Estado se nega a responder: em sendo verdadeiras as afirmações feitas pelos ditos representantes da empresa durante esse encontro em que os principais interessados no tema (os moradores do Cajueiro) não foram convidados a participar e muito menos a opinar, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) concedeu a Licença Prévia do Porto, mesmo contra tudo o que se aponta contra ele, inclusive nos próprios relatórios emitidos pela empresa sobre os graves impactos socioambientais em São Luís, e contra a declaração do governador, que no início do ano passado anunciou ter suspendido a concessão de terras à empresa feita pelo seu antecessor, Arnaldo Melo, do grupo Sarney (aqui cabe uma pergunta: por que a empresa precisaria de doação das terras que hoje alega ser proprietária? já não eram suas?) e da Licença Previa concedida pela Sema durante o governo Roseana Sarney (a suspensão foi anunciada pelo atual secretário durante reunião com a comunidade, no início do governo).

Sobre essa licença, o governo se dignou a anunciar sua suspensão (enquanto a comunidade exigia revogação total e imediata), mas não anunciou até hoje, embora cobrado, essa nova concessão. O que resultou desses estudos para fazer com que o atual governo mudasse de posição? Os impactos permanecem, o desaparecimento da comunidade do Cajueiro também, tudo como dantes, mudando apenas a posição do governo sobre o empreendimento. Daí que perguntar o porquê de agora se apoiar esse ataque ao meio ambiente e às comunidades da cidade não ser apenas um questionamento legítimo, como também se exige respostas contundentes, até agora não apresentadas pelas autoridades, que baixam a cabeça ante o poder do dinheiro.

Voltando à reunião da prefeitura e ao documento mal elaborado e divulgado dias depois, além do secretário de Urbanismo, estiveram representantes das secretarias municipais de Meio Ambiente (Semam), Trânsito e Transportes (SMTT), Obras e Serviços Públicos (Semosp), e o Incid (Instituto das Cidades). A ata leva a crer que o resultado da reunião, com a liberação do alvará, já era algo dado como certo desde o início do encontro, com agentes públicos respondendo pela empresa e saudando suas ações sobre o que consideram mitigação dos impactos, ainda que as contradições constem no próprio documento. Vejamos algumas delas:

1ª MENTIRA: A ATA DÁ O PORTO DA WPR COMO UMA REALIDADE, CITANDO INCLUSIVE SUA LOCALIZAÇÃO EM ENDEREÇO INEXISTENTE.

Em vez de construção do porto, o documento fala em “ampliação”, como se esse já existisse no Cajueiro e estivesse localizado na Praia de Parnauaçu. Fala ainda na implantação de “quatro NOVOS píeres”, como se lá já existisse algum.

Uma ida à Praia de Parnauaçu serviria para constatar que, felizmente, isso não passa de uma mentira grotesca, podendo-se ainda ter uma vista maravilhosa do local, já que lá não há nenhum porto como o citado na Ata.

Para se chegar a Parnauaçu, basta tomar o ônibus que faz linha para o Cajueiro, no Terminal da Praia Grande, centro de São Luís.

2ª MENTIRA: INCREMENTO DA ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS

São deixados de lado na propaganda que afirma a geração de tributos os fortes incentivos fiscais que desde a década de 1970 atraem para a Ilha de São Luís empreendimentos que até hoje não se mostraram eficientes na contribuição da melhora de vida da população, como citado pelo próprio Estudo de Impactos Ambientais apresentado pela WPR.

O Governo do Estado tem um programa que concede redução de ICMS a novas instalações industriais e agroindustriais no Estado (entre 75% e 95%). O Programa Maranhão Mais Empresas é a versão do governo Dino para o Programa Pró-Maranhão, de Roseana Sarney, que concedia benefícios semelhantes a esses empreendimentos. Durante a campanha, o atual governador prometeu não apenas manter o programa, como ampliá-lo. Esse programa desobriga as empresas de recolherem grande parte de seus impostos (especialmente ICMS), necessários para manter os serviços públicos e dar-lhes qualidade. Funciona como se tirasse de quem tem menos (a população que necessita desses serviços) para dar para quem tem mais (grandes conglomerados empresariais milionários livres de impostos), para quem chega detonando comunidades e meio ambiente e é livre de ser taxado. A WPR abriria mão de fazer uso de programa que lhe seja tão benevolente? É certo que pode até ocorrer incremento com de arrecadação da atividade portuária, mas não no nível em que é alardeado pela empresa, ainda mais com programas tão dóceis como esses.

Uma reflexão que parece ser evitada o tempo todo pelo empreendimento e seus defensores é: justifica a construção um porto que já começa com uma história marcada por um acirramento tão grande com maranhenses dignos? O que se põe na balança, ao final, é prejudicial ou favorável ao Maranhão? Se favorável, por que é tão difícil apontar esses benefícios? Por que não se discute abertamente essa questão???

3ª MENTIRA: GERAÇÃO DE QUATRO MIL EMPREGOS DIRETOS

Tal como na questão tributária, essa declaração de geração de empregos soa como mera especulação, dado que não apresenta, ou pelo menos a ata não registra, detalhamentos disso. Aliás, limita-se a dizer que os maranhenses não ficarão com os cargos de direção, para os quais seriam trazidas pessoas “de outras localidades”. Além disso, é mais uma peça de propaganda, tal como se viu no anúncio do porto feito dias atrás na reunião junto ao secretário de portos do governo federal, quando anunciou que geraria cinco mil empregos (nem entre os defesnores do empreendimento essa informação ‘bate’).

Além disso, uma conversa de gabinete que reafirma a propaganda da geração de emprego não diz a qualidade desse emprego. Para a fase de implantação do porto, por exemplo, está prevista, no Estudo de Impacto produzido para a WPR, a criação de 820 vagas, sendo que 750 são para nível operacional cuja exigência escolar é de Nível Fundamental. Após a construção do porto, esses trabalhadores, subcontratados (terceirizados) e temporários, estarão no olho da rua, como atesta o próprio Estudo da WPR. A peça esclarece ainda que, após essa fase, a desmobilização da mão-de-obra acarretará a perda de rendimento das pessoas envolvidas com as obras. Já quando estiver operando, a empresa apenas diz que serão gerados empregos diretos e indiretos, mas não quantos. Daí que não se tem clareza sobre esses números apresentados nas casas dos milhares, aceitos pelas autoridades estaduais, municipais e federais.

4ª MENTIRA: PORTO NÃO GERARÁ GRANDE IMPACTO NA MALHA VIÁRIA POR SE UTILIZAR DO SISTEMA FERROVIÁRIO

Primeiro o documento registra que não haverá grande impacto à malha viária. Mais à frente, é dito que a empresa (ainda) apresentará projetos de redução de impactos sobre a malha viária, demonstrando clara contradição, e mesmo assim, não é registrada grande contestação a isso.

O próprio Estudo de Impacto elaborado para a empresa diz que a demanda por serviços públicos, entre estes o de transporte, advinda da promessa de emprego, gerará sobrecarga ao já combalido sistema, afetando a qualidade de vida da população.

cajueiro eia

5ª MENTIRA: NEGOCIAÇÃO COM MORADORES QUE SERÃO EXPULSOS ESTÁ PRATICAMENTE CONCLUÍDA

O que vimos dia após dia é a comunidade dizer justamente o contrário. Casas derrubadas à revelia dos moradores. Pressão para que estes vendam suas moradias, como já denunciado várias vezes à Promotoria Agrária do Ministério Público, cerceamento da atividade dos pescadores. Tudo isso desmente essa versão apresentada pela empresa e aceita com facilidade pelas autoridades.

Além disso, as próprias ditas negociações para indenização de moradores atestadas pela empresa, feita de maneira individual, nada mais são que a prova de que se, ao final dessa luta, a resistência com a qual tem se movido bravamente a Comunidade do Cajueiro sucumbir, ela terá desaparecido por completo. Ninguém fala em reassentamento da comunidade, mas em indenização parca e individual, que contribui para desintegrar por completo toda a comunidade. O Cajueiro simplesmente deixaria de existir, e, com ele, parte importante da História da Cidade de São Luís:

cajueiro 1

Se a WPR/WTorre tiver sucesso em seus intentos com o extermínio e pulverização do Cajueiro, com seus comunitários sendo removidos cada um Deus-sabe-pra-onde, o processo de morte de comunidades terá, ao fim disso, dado mais um passo, entre os muitos que tem dado desde que, violentamente, desde os anos 1970, várias delas têm sido destruídas pelo poder público para dar lugar a empreendimentos semelhantes sem que isso representante qualquer ganho para o povo do Maranhão, muito pelo contrário.

Resta saber se é esse o tipo de enredo triste que se quer continuar no Estado. Resta saber se a população vai continuar permitindo que a História seja contada dessa forma, ou se vai resistir e ousar pressionar para fazer diferente.

6ª MENTIRA: O PORTO NÃO TRARÁ GRANDES IMPACTOS AMBIENTAIS

O mais assustador no tocante a esse tema na Ata publicada na última sexta-feira é o nível de comprometimento de quem deveria fiscalizar esse processo. O representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente chega a falar pela empresa, dizendo-se satisfeito com a “redução de impacto sócio-ambiental feita pela realocação prévia dos moradores”. Isso nada mais significa que concordar com a morte da comunidade do Cajueiro, boa parte dela forçada a se retirar da área mediante um processo de assédio para que aceitasse a remoção.

Aos que resistem em não abrir mão de sua história e de seu lugar, fica a violência representada, por exemplo, pelos jagunços que desde o início a WPR/WTorre colocou na área. Não pode ser esquecida a forma como essa empresa chegou no Maranhão, com esse tipo de violência. Nada mudou em seu trajeto para que agora o poder público se junte a ela e assim passe a considerá-la parceira do desenvolvimento do Estado, justamente aqueles a quem foram feitas denúncias desse tipo de atuação.

As ações judiciais que questionam esse processo excludente são simplesmente desconsideradas por aqueles que são obrigados por lei, no exercício de suas funções, a zelar pelo bem da comunidade.
Também são desconsiderados os fortes impactos descritos nos Estudos obrigatoriamente apresentados pelo empreendimento, tais como:

– alteração da qualidade da água, através do vazamento ou do resto de óleo e outras substâncias, podendo contaminar a água do mar; aumento dos níveis de ruídos; aumento da emissão de poeiras; contaminação dos recursos hídricos e do solo; supressão de vegetação; pressão em áreas de preservação permanentes; perda e degradação de habitat para aves, quelônios e mamíferos marinhos; alteração na comunidade de plânctons; pressão sobre áreas de valor ecológico para anfíbios e répteis; transmissão de doenças; interferência nas áreas de pesca; alteração do cotidiano da população (inclusive com remoções); redução da riqueza da biodiversidade; acidentes com materiais contaminantes; riscos de acidentes; influência na infraestrutura de serviços; pressão imobiliária; desmobilização da mão-de-obra após o término das obras; enfim, uma série de impactos, graves e em vários níveis, considerados “satisfatórios” pelo poder público.

Esse é o preço que a cidade está disposta a pagar? Não aprendemos nada com a recente fumaça tóxica no Porto de Santos/SP? Nem com o pó preto no Porto de Tubarão, na Ilha de Vitória, capital do Espírito Santo? É isso que querem nos ofertar como sendo algo bom para São Luís?

Além disso, embora o que se depreenda da leitura da Ata seja que a área diretamente afetada não é tão grande (estaria limitada à “poligonal do porto”), toda a zona rural seria impactada com a instalação do porto. A criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, demanda de várias comunidades rurais da Ilha, fica ameaçada com mais esse ataque.

Fica claro ainda um dos motivos da pressa da atual gestão da Prefeitura para alterar o Macrozoneamento Ambiental da cidade e a Lei de Zoneamento, o que permitiria reclassificar a área para portuária e permitir a instalação da WPR/WTorre. Atualmente, o Cajueiro, embora classificado como área industrial, é reconhecido pela própria empresa em seus estudos como uma comunidade rural, composta por pescadores e pequenos agricultores, o que é fácil de se perceber bastando visitar a comunidade. Alterando o zoneamento para área portuária, a prefeitura estaria atendendo uma demanda da empresa, entre outros interesses que defendeu na farsa que tenta promover quando fala em alterar o Plano Diretor sem discutir sem discussão ampla e sem alterá-lo efetivamente. Se a intenção fosse beneficiar a população, uma das medidas a ser tomada seria justamente reconhecer a comunidade como de fato ela é, devolvendo seu status de zona rural.

7ª MENTIRA: O TERREIRO DO EGITO NÃO SERÁ IMPACTADO PELO PORTO

Quanto a essa mentira, é escandaloso não apenas que a empresa ache que está habilitada a dizer que um local sagrado para um conjunto de religiões não será afetado, mas também que as autoridades públicas aceitem sem mais questionamentos essa afirmação, a partir de uma reunião dentro de um gabinete. O Terreiro do Egito é de fundamental importância para as religiões de matriz africana no Maranhão. Contribuir para seu desaparecimento, para quem professa esta fé, equivale a destruir a Praça de São Pedro, no Vaticano; a rasgar uma Bíblia em praça pública; a jogar uma bomba em Meca, cidade Sagrada para o Islã, ou mesmo em Jerusalém.

A WPR não pode e não está autorizada a dizer que o Terreiro do Egito não será impactado justamente por não compreender sua importância. Ao Estado Laico, cabe assegurar que um local de culto, seja ele qual for, não seja afetado por outrem, e o Terreiro do Egito será diretamente impactado com a construção desse porto. Isso porque a visão que ele oferece do mar a partir de sua localização é essencial nos ritos sagrados para quem comunga de sua História, o que é atingido diretamente com a construção do Porto. Alterar esse elemento significa destruir o Terreiro do Egito e o que ele representa para quem professa a fé que nasceu a partir dali. Inaceitável, portanto, que uma empresa se ache no direito de medir esse impacto. Mais inaceitável ainda é o poder público não apenas concordar com isso, mas ajudar a promover a destruição dessa História.

Por todos os elementos levantados a partir dos Estudos apresentados pela própria empresa, resta a conclusão acerca do verdadeiro ataque que mais uma vez sofre o povo de Cajueiro com a reunião promovida pela WPR/WTorre em conluio, desta vez, com representantes da Prefeitura de São Luís. Fica como prova dessa farsa a edição desta sexta-feira, em que foi estampada, nas páginas do Jornal Pequeno, a Ata desse encontro, digno de nota apenas como testemunha de quem verdadeiramente representam aqueles que estão hoje assentados nos palácios de governo, e de que lado eles estão realmente. Agentes públicos que se negam a sair dos seus gabinetes para conhecer a realidade, que se negam a ouvir aqueles que dizem representar e pelos quais deveriam trabalhar. Agentes públicos que acham que a partir de seus gabinetes podem decidir alterações profundas que prejudicam a vida de toda uma cidade.

Fica essa Ata como o registro do tamanho dessa luta, e da urgência que é este momento, no qual é necessário que toda a São Luís também decida de que lado quer ficar: se de quem quer empurrar, na base da mentira, um projeto que lhe diminui ambientalmente, que corta parte de sua História, que lhe adoece, ou de quem, com as forças que tem, está a lutar contra os poderosos para defender não apenas seu território, mas, com ele, toda a cidade frente a impactos que podem atingir a todos.

#CajueiroResiste!

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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Cláudio Castro.

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