Construir a norma interna para o bem viver da comunidade indígena, esse é o desafio da comunidade Serra do Truaru, região do Murupu

Por Ascom/CIR

Construir a norma, lei, ou regimento interno para o bem viver das comunidades indígenas, fortalecendo a autonomia, organização social, política, cultural e protegendo os territórios, meio ambiente e os recursos naturais, essas práticas que são tradicionais na vida dos povos indígenas, tem sido um dos desafios das comunidades indígenas de Roraima, em especial, as comunidades que iniciaram o processo de construção da norma interna.  

Encarando esse desafio, tendo a clareza de que seja uma alternativa de melhorar o convívio interno, longe de ameaças, invasões e outros problemas enfrentados no cotidiano, a comunidade indígena Serra do Truaru, na Terra Indígena Serra da Moça, região do Murupu, realizou nos dias, 12, 13 e 14, mais uma atividade de elaboração da norma interna, conforme definido pela comunidade. O processo iniciou no mês de Maio, quando houve a primeira atividade na comunidade indígena.

Para essa etapa, a comunidade indígena Serra do Truaru contou com a presença de lideranças indígenas de outras regiões que participaram da atividade trocando experiência sobre a elaboração do regimento e conhecendo a realidade local. Estiveram na atividade, lideranças das comunidades indígenas Manoá e Pium, da Terra Indígena Manoá-Pium e da comunidade indígena Novo Paraíso, região do Surumu, Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

No primeiro dia, pela manhã, a atividade iniciou com a troca de experiência da elaboração da norma interna das comunidades indígenas Pium, Manoá e das comunidades indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, especificamente, das comunidades da região Surumu.

A terra indígena Raposa Serra do Sol, homologada em 2005 com 1.744 milhões de hectares, é resultado de uma longa caminhada que durou mais de 30 anos de invasão, violência, destruição e até morte de lideranças indígenas por causa do conflito territorial e hoje, vive um processo de gestão da terra indígena, seja na área produtiva, na fiscalização, vigilância e monitoramento da terra, ou na organização social, política e cultural. Para concretizar esse processo também iniciou a elaboração do regimento envolvendo as quatro regiões, Surumu, Serras, Baixo Cotingo e Raposa.

A coordenadora regional do Surumu, Francinete Fernandes Garcia, contou um pouco sobre a experiência destacando o desafio da construção que, segundo ela, antes as comunidades indígenas já tinham esse regimento, mas não escrito e agora o desafio é registrar no papel e fazer funcionar. “Já tínhamos o nosso regimento, mas não escrito, então os Tuxauas se reuniram e decidiram construir o regimento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol devido às invasões que ainda continuam nas regiões e o nosso ponto principal é a fiscalização”, destacou Francinete.

A implantação da segurança indígena existe em 23 comunidades indígenas em Roraima, segundo o Grupo de Apoio e Proteção aos Indígenas do Estado de Roraima (GAPI), entre as comunidades, existe na comunidade indígena Pium, região da Serra da Lua. O coordenador do Grupo de Segurança Indígena, Jacy Barreto, socializou que um dos resultados da construção da norma interna na comunidade, há três anos, é a segurança, uma ação que fortaleceu a organização social da comunidade indígena.

comunidade serra truruaru 2

Um dos pontos na atividade foi o direito à consulta, prévia, livre e informada. Para esse debate, logo no primeiro dia, foram criados quatro grupos, onde debateram sobre os procedimentos de Consulta, por que, o quê, como e quando Consultar, conforme garantido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Também foram discutidos os painéis sobre fiscalização e vigilância da terra indígena, assim como crimes e punições. Esse painel sobre crimes e punições foi orientado pelo assistente jurídico e estudante de Direito, Junior Nicacio.

As lideranças indígenas apresentaram os motivos de fiscalizar e monitorar o território: para proteger os recursos naturais; a terra é sagrada aos povos indígenas; garantir a sobrevivência das gerações futuras; e a produção na comunidade indígena é mais saudável. Entre os problemas destacaram a entrada de pessoas não autorizadas na terra indígena, diminuição da caça e pesca, furto de animais, falta de medicamento, merenda escolar e material didático.

O Tuxaua da comunidade indígena Serra do Truaru, Leôncio Lourenço da Silva, falou da importância de continuar a construção e destacou a troca de experiência como fortalecimento para a comunidade. “Foi muito importante a troca de experiência e isso fortaleceu a nossa comunidade indígena de continuar construindo a norma interna da comunidade”.

A construção dos regimentos, ou norma interna, é uma atividade acompanhada e orientada pelo departamento Jurídico do CIR há mais de quatro anos, a partir dos pedidos das próprias comunidades indígenas. Durante a atividade, a coordenadora do departamento Jurídico, a advogada indígena Joenia Wapichana, destacou como ponto inicial o direito à Consulta prévia, livre e informada.

Refletindo sobre o processo histórico da conquista de direitos tanto na Constituição Federal de 1988 quanto nas instâncias internacionais, como na Convenção 169 da OIT, Organização das Nações Unidas (ONU), passando pelo período da ditadura militar no Brasil e até as ameaças atuais contra os direitos indígenas conquistados, Joenia Wapichana, pontou os processos de consulta, considerando que a decisão final de qualquer projeto, iniciativa destinada à comunidade, é da própria comunidade indígena e seus membros. Uma decisão coletiva que deve ser respeitada pelo Estado brasileiro, através dos Poderes constituintes, executivo, legislativo e judiciário.

O último dia encerrou com a dramatização da atuação das lideranças indígenas na fiscalização de entrada e venda de bebida alcoólica e violência contra mulher. Em seguida, o planejamento da comunidade indígena que assumiu o compromisso de continuar com a elaboração da norma interna.

Fotos: Mayra Wapichana

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