Para advogada, “existe um projeto genocida no país” contra a população negra

Haidée Paixão participou do debate “O assassinato da Juventude Brasileira” no último sábado (3), em São Paulo (SP)

Por Camila Rodrigues da Silva, Brasil de Fato

Na última segunda-feira (5), o policial Luciano Pinheiro Bispo foi absolvido pela morte do estudante Douglas Martins Rodrigues, então com 17 anos, ocorrida durante uma abordagem, em 28 de outubro de 2013, no Jardim Brasil, zona norte da capital paulista. Dois dias antes da absolvição, a advogada Haydee Paixão, do movimento Kilombagem, alertava para os outros casos de impunidade de crimes contra pessoas de periferia, principalmente negras, durante o debate “O assassinato da Juventude Brasileira”.

O evento, chamado pela Associação de Amigos da Escola Florestan Fernandes, aconteceu na manhã do último sábado (3), na Editora Expressão Popular, no centro de São Paulo (SP).

Para Paixão, “existe um projeto genocida no país” contra a população negra. “Só não é possível enquadrar o Estado brasileiro no crime de genocídio porque não há ordem expressa, ou seja, uma política nacional explícita que oriente as polícias a matarem negros nas periferias. Mas a ação se enquadra perfeitamente na definição de genocídio do Estatuto de Roma, de 1980”, argumentou.

Segundo o documento, genocídio é tipificado por “atos praticados com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, sendo que os atos são “homicídio de membros do grupo”; “ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo”; “sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial”; “imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo”; “transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo”.

A advogada citou a definição do jurista Abdias Nascimento, que diz que genocídio é “a negação sistemática do desenvolvimento de um povo”, para defender que o genocídio da população negra no Brasil não é apenas físico, mas também simbólico.

“A imagem que se construiu ao longo dos anos é que os jovens negros são todos traficantes, perigosos e que não podem estar em espaços de poder”, definiu.

Ela ainda falou sobre as posições sociais de grupos opostos, que condiciona a situação atual de mortes em massa. “São sempre os mesmos que estão morrendo, e os mesmos que estão julgando, geralmente de classes opostas”.

Racismo institucionalizado

Essa lógica, segundo Paixão, é construída a partir de desigualdades impostas historicamente e apropriadas pelo capitalismo e suas instituições. Para isso, ela citou o livro “Dignos de Vida”, de Orlando Zacconi, que defende que é o Judiciário que permite que se legitime a impunidade da polícia.

“De um lado, vemos o arquivamento do caso do assassinato do menino Eduardo, de 10 anos, no Rio de Janeiro. O arquivamento do caso Cláudia, que foi arrastada por um carro da polícia após ser baleada pela PM. (…) Acontecem assassinatos e, quando a gente recorre à Justiça, não tem justiça”, exemplifica.

O escritor Paulo Lins, que participou do evento brevemente por conta de um roteiro a ser entregue no mesmo dia, corroborou a tese de Paixão de que o racismo e o genocídio são causados pela estrutura da sociedade brasileira.

“A elite é racista, a polícia é racista, a mídia é racista. Não sei o que podemos fazer”, afirmou Lins, em tom de perplexidade.

Ainda sobre a violência simbólica, Lins apontou que a deslegitimação da arte e da religião de africanos que chegaram ao Brasil escravizados nos quatro primeiros séculos de colonização foram parte fundamental da destruição do povo negro.

“[O poeta] Otávio Paz separava as criações humanas entre o substituível e o insubstituível. A faca foi substituída pelo revólver. O lápis pelo computador. As ferramentas são substituíveis. Mas a arte e a religião são insubstituíveis, e é o que fortalece um povo. Mas o negro ainda tem sua arte diminuída e é atacado por sua religião, que é algo que nos fortalece, que nos liga aos nossos antepassados”, refletiu.

Brancos

“Hoje, a população branca não se constrange com o genocídio da população negra”, afirmou Paixão quando questionada sobre a posição da esquerda brasileira em relação ao assunto.

Para ela, ainda falta o diálogo na maioria dos espaços da chamada “esquerda branca burguesa”. “Para haver diálogo, é preciso o lugar da escuta. Na academia, por exemplo, é comum que, após falar de genocídio, as pessoas que estão no espaço continuem repetindo as mesmas análises, como se não tivessem escutado ou levado em consideração outro ponto de vista”, argumentou.

Homenagem

Ao final do evento, Paixão dedicou sua fala à mãe de Eduardo, Joselita de Souza, que morreu de depressão por não conseguir que a morte de seu filho fosse sequer investigada.

Após ficar quatro meses tomando apenas sopa, Joselita foi levada a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas não resistiu e morreu oito meses depois do crime.

Assista ao debate na íntegra:

Edição: José Eduardo Bernardes

Imagem: Advogada Haidée Paixão no debate “O assassinato da Juventude Brasileira”, que aconteceu em 3 de dezembro de 2016 / Marcelo Cruz

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