Especial: Há luta pela vida na Aldeia Taquara, por Rui Neto

14 anos de luto pelo assassinato do Cacique Marcos Veron, Guarani e Kaiowá resistem ao genocídio, ao desmatamento e exigem a homologação de seu Território Indígena, no sul do Mato Grosso do Sul.

Por Rui Fernando da Silva Neto, no Indigenista

No Tekoha Takuara, Curuguasu, janeiro de 2017 – O suicídio do neto por enforcamento foi a gota d’água para o Cacique Marcos Veron e seu povo retomarem a Aldeia Takuara, no Município de Juti, em 2003. Havia dois anos estavam despejados de sua própria terra e sobrevivendo às margens da rodovia. Neste período -que é na história recente o de maior sofrimento para os Guarani e Kaiowá de Takuara – também morreram duas crianças.

“Não tem mais jeito de nós sobrevivermos aqui. Vamos retomar nosso Tekoha (aldeia), o Marcos me disse”, lembra a viúva Júlia Veron. Retomaram e resistem em parte do Tekoha Takuara, onde a anciã vive com muitos dos seus 16 filhos e dezenas de netos e bisnetos. O Estado brasileiro reconheceu o Território Indígena Takuara em 2009, faltam apenas a homologação e a retirada do intruso filho de coronel que invadiu o território no final dos anos 50.

O Cacique Marcos Veron foi assassinado em 13 de janeiro de 2003, durante a retomada. Ele liderou desde os anos 80 junto de Marçal Tupã de Souza (assassinado em 83) e milhares de guerreiros(as) a retomada de 48 Territórios Indígenas que lhes são roubados nos últimos séculos. Seu assassinato foi denunciado a plenos pulmões pela nação Guarani e Kaiowá e por defensores(as) dos direitos humanos no mundo.

Tornou-se o primeiro crime contra “indígena” julgado no Brasil! Os acusados foram absolvidos do assassinato e de outros horrores que praticaram naquele 13 de janeiro de 2003, e condenados por lesão corporal e formação de quadrilha. O mandante e seu aliado fundamental, o Agronegócio, não foram julgados.

Resiste aos séculos

“Nos chamavam e chamam de selvagens. Mas desde que o Estado chegou aqui e trouxe os fazendeiros já mataram quase 300 lideranças do nosso povo. E nós, quantos fazendeiros nós matamos? Nenhum. Então, quem são os selvagens”, indaga Júlia Veron.

Com um sorriso de esperança, entre um tereré e outro, ela mostra as plantações que cultiva ao redor de casa. Batata-doce, mandioca, milho, feijão e capim cidreira. “Salada eu tiro do mato e ainda tem alguns peixes no rio Takuara”, conta. Cria galinhas e mantêm o fogão em brasas, transformado-as em chamas a qualquer momento.

Pela necessidade de defesa e pelo direito à Comunicação, dona Júlia Veron possui, além do celular, que tem área na aldeia, um carregador à energia solar. “Funciona. Um dia nós fomos atacados por policiais da fronteira aqui e nos escondemos no mato. Meu neto Fred foi muito corajoso, ele pegou o celular foi até a estrada e fotografou os agressores”, o que possibilitou imediato envio da denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados e espantou as diligências ilegais pelo resto do ano de 2016, na Aldeia Takuara.

Na mata alta repleta de Perobas, Ipês e Canelas nasceu a menina em tempos de paz. Nos anos 40 não tinham chegado ainda os, na época, barões do café, hoje da soja, ao sul do rio Dourados até o rio Paraná. Pelo menos não tinham alcançado o Tekoha Takuara e tantos outros localizados nas bacias dos rios Dourados, Amambaí e Iguatemi. Região denominada Curuguasu pelos povos originários.

“No Tekoha Takuara chegaram em 1955 homens de roupas verdes e botas de borracha até o joelho”, conta dona Júlia. Nesta infeliz ocasião, ela, seus pais, avós, irmãos e amigos foram amarrados e arrastados e dispersos em oito campos, que o Estado denominou reservas para confinar os Guarani e Kaiowá. Nas reservas não há rios, por exemplo, e os “índios” eram obrigados a trabalharem para os padres e coronéis.

“Uma vez, na reserva, o Marcos e outros preparam um churrasco de nove bois que seriam para o nosso povo”, conta dona Júlia. Mas na hora servir havia apenas os amigos dos padres e dos coronéis ao redor, os Guarani e Kaiowá ficaram do lado de fora da festa. “O Marcos abriu os portões e serviu nosso povo. Por isso foi preso já por muito tempo nos anos 60”, lembra.

O ASSASSINO

O agronegócio invade 9200 hectares da Aldeia Takuara com plantação de soja. O povo, enquanto não é realizada a homologação, fica com 600 hectares e tem acesso ao rio Takuara, mas não está livre da violência e da injustiça até hoje. Em janeiro de 2016, quando aumentavam a área retomada foram atacados mais uma vez por pistoleiros.

Honório Jacinto da Silva Filho é herdeiro de coronel que iniciou em grilagens de terras nas Minas Gerais. Seu pai foi aliado do Imperialismo norte-americano, desde a época do ouro verde. Durante a era nacionalista de Getúlio Vargas chegou a perder poder, mas em 1954 voltou com força total. Tanto que foram grilar mais terras no Mato Grosso. Rebatizou o território indígena como Fazenda Brasília do Sul. Sempre desmatava e aumentava o rebanho bovino. A partir do momento em os patrões norte-americanos decidiram que era pra plantar soja, assim o fizeram e fazem.

A soja é o projeto mortal. Os inseticidas, herbicidas e fertilizantes químicos são lançados de avião ou por modernos tratores. Estes venenos matam o povo Guarani e Kaiowá, os rios, a terra, os animais e a floresta.

Jacinto é o mandante do massacre que assassinou Marcos Veron em 2003. Hoje acamado, sua filha e filho recorrem a juízes parciais para invalidarem o processo de homologação ou mesmo despejar os índios. Ainda mantém uma patrulha de segurança privada, conhecida como os “pistoleiros da priva” rondando a área.

A família Jacinto jamais residiu no Mato Grosso do Sul. Nem às audiências comparecem. Tinham uma pista de pouso para pequenos aviões oriundos de Paraguai e Bolívia ali, mas foi denunciada e desativada.

Cientes dos avanços das retomadas Guarani e Kaiowá e dos processos de homologação, os latifundiários aliados aos banqueiros, que têm a rede Globo e outras TVs como porta-vozes, deram um golpe de Estado no Brasil em 2016. Entre muitas emendas à Constituição que retiram direitos da Classe Trabalhadora está a Proposta de Emenda à Constituição 215. Ou PEC 215, que pretende dar fim às demarcações dos territórios indígenas. A bancada da bala, como são conhecidos internacionalmente os fazendeiros deputados, pretende também por lei criminalizar defensores de direitos humanos e promoverem a mineração por companhias estrangeiras em territórios indígenas já homologados.

O GUERREIRO

Téo é o neto maior que mora com a Vó Júlia. Guerreiro, maneja facão, tacape, arco e flecha e outras. Prepara a própria erva mate. Na mata, logo aponta o rastro de um mamífero. Avista também a maior ave das américas, a Ema, que tenta sobreviver comendo soja. “Aquela é pequena. Numa grande eu posso montar”, afirma.

Enquanto pesca no rio Takuara, o trator da Fazenda Brasília do Sul faz questão de despejar o veneno bem próximo do jovem. “Por isso não tem muita minhoca e os peixes estão pequenos”, justifica.

Seus priminhos e priminhas têm enjoos e dores de cabeça com frequência. “Este cheiro é muito tóxico. Nos países fabricantes o uso é proibido. E aqui no Brasil eles despejam assim, em cima da gente, das matas e dos rios. Um absurdo”, desabafa.

Téo Veron, 17 anos, fala guarani, português e espanhol. Está concluindo o ensino médio. Conta orgulhoso que hoje a aldeia tem escola primária e os menores não precisam sair para estudar na cidade.

Téo é sobrevivente do massacre de 2003. Foi sequestrado com sua família naquele maldito dia em que o Avô morreu, seus tios foram espancados e as esposas foram estupradas. Um dos agressores é o “administrador” da fazenda até hoje, seu nome é Ramon.

Téo tem força e esperança. Luta pela homologação do Tekoha Takuara como primeiro e fundamental passo na luta contra as injustiças.

 

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