Após 24 horas de denúncias, Ministério da Justiça substitui Portaria sobre terras indígenas. Mas mantém inconstitucionalidade

Tania Pacheco

Após 24 horas de protestos e denúncias de inconstitucionalidade, das quais participaram a APIB, índígenas, indigenistas e até o coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, o  Ministério da Justiça decidiu revogar a Portaria 68/2017, sobre demarcação de terras indígenas. No seu lugar, foi hoje publicada no Diário Oficial a Portaria nº 80, datada de ontem, 19 de janeiro.

A questão se mantém, entretanto. Ontem, ao anunciar para hoje a alteração na Portaria, o Ministério afirmou em nota que “o propósito da sua criação é auxiliar o ministro da Justiça e Cidadania nas suas competências legais. O grupo torna mais ágil a análise dos processos de demarcação”. E acrescentou: “Para evitar, porém, qualquer interpretação errônea quanto aos propósitos e atribuições deste Grupo Técnico Especializado, a portaria que o criou será revogada e será publicada nesta sexta-feira (20) uma nova portaria, cuja íntegra segue abaixo”.

A realidade é que os ocupantes desse desgoverno continuam a pensar que somos todos patos idiotas, capazes de aceitar o simulacro de um corte aqui ou um adendo acolá. O ocupante do Ministério da Justiça não entende – ou finge não entender – que a própria constituição desse Grupo Técnico é inaceitável. A Portaria (na íntegra abaixo) acaba de esvaziar a Funai, de fato tirando dela a palavra final como órgão ao qual cabe, dentro do Ministério da Justiça, a palavra especializada sobre a questão indígena, incluindo os estudos para a identificação e demarcação (ou não) de suas terras.

Sob um pretexto de democratização das decisões, o MJ rebaixa a Funai ao fazê-la sentar a uma mesa em falsa igualdade com representantes de outros órgãos, sem os mesmos conhecimentos e prerrogativas legais. Mas vai mais longe ao dar a esses representantes poderes para propor até mesmo a desaprovação da identificação de terras indígenas já realizada pela Funai. Sumariamente retira dela suas atribuições constitucionais. (Seria esse um prenúncio de seu fechamento?)

De fato, a única alteração real da Portaria 68 para a Portaria 80 é a inexistência explícita da menção ao que chamava equivocadamente na primeira versão de “jurisprudência do STF sobre a demarcação de Terras Indígenas”, sugerindo o futuro uso do “marco temporal”. Mas isso absolutamente nada garante!

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Abaixo, a íntegra da Portaria tal como publicada no D.O.U. de hoje:

PORTARIA Nº 80, DE 19 DE JANEIRO DE 2017

Cria Grupo Técnico Especializado – GTE, para auxílio em assuntos relacionados a Terras Indígenas.

O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA E CIDADANIA, no uso de suas atribuições e tendo em vista o disposto no Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996, resolve:

Art. 1º Fica criado, no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania, o Grupo Técnico Especializado – GTE, com o objetivo de auxiliar o Ministro de Estado da Justiça e Cidadania, que no exercício de sua competência prevista no § 10, do art. 2º, do Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996, deverá decidir pela:
I – declaração, mediante portaria, dos limites da terra indígena e determinar a sua demarcação;
II – prescrição de diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias; e
III – desaprovação da identificação e retorno dos autos ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.
Parágrafo único. O GTE será composto por representantes da:
I – Fundação Nacional do Índio – Funai;
II – Consultoria Jurídica;
III- Secretaria Especial de Direitos Humanos; e
IV – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Art. 2º Fica revogada a Portaria nº 68, de 14 de janeiro de 2017.
Art. 3º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

ALEXANDRE DE MORAES

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