A cultura cercada pela farsa

A direita cerca a cultura por saber que dela podem surgir valentes gritos de contestação

Por Guilherme Daldin, no Brasil de Fato

Em visita à Curitiba, o artista plástico pernambucano Paulo Bruscky disse que a utopia, para ele, seria “quando as pessoas não precisassem mais do artista para identificar a arte ao seu redor”, essa ideia poderosa dita por um artista preso três vezes pela ditadura militar nos provoca neste incerto 2017.

Se a infindável polêmica de “o que é arte?“ permanece insuperável para muitos de nós, para o comando da ascensão de direita no Brasil já há resposta e também já se aponta o fim do artista. Não como a utopia de Bruscky, pelo contrário, como uma “antiutopia” recorrente nos períodos sombrios da história. Temer (PMDB), Dória (PSDB) e Greca (PMN)  já deram o recado de que não precisamos de artistas. Na mídia convencional, a Gazeta do Povo por exemplo, chegou ao ponto de dizer aos seus leitores para ignorarem a opinião dos artistas brasileiros (estampando Chico Buarque na matéria) e com cinismo determinam as nossas prioridades.

Hegel dizia que a história se repete duas vezes, “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa” acrescentou Marx. Se a ditadura militar precisou do AI-5 pra caçar a cultura, o que vivemos hoje é a coroação farsesca de todo o pensamento retrógrado que o ódio da polarização política produziu. Quando Michel Temer tomou o poder por assalto, logo anunciou a extinção do Ministério da Cultura. Nascendo da ocupação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em Curitiba, todas as capitais brasileiras tiveram sedes do Ministério da Cultura (MinC) ocupadas num levante nacional que chegou até ao tapete vermelho de Cannes e cravou a primeira derrota do governo. Temer recuou da decisão, mas a direita brasileira viu que, surpreendentemente, ali renascia uma resistência.

Diferente do que declaram, não se tratam de medidas administrativas, mas sim de um cerco à cultura. Uma caçada que arbitrariamente perseguiu a equipe do filme Aquarius e tirou a oportunidade do Brasil disputar, como declarou o New York Times, três categorias no Oscar de 2017. Em Curitiba, Rafael Greca assumiu cancelando a tradicional Oficina de Música da cidade, cortando a estrutura do carnaval e sendo aplaudido por um discurso tão falso quanto aquele “quadro de Renoir” apreendido pela Lava Jato. Com o mote de economizar para a saúde, o discurso em voga (dentro e fora do poder público) ignora o fato da cultura movimentar entre 2,5% e 5% do PIB brasileiro. Ignora que o filme curitibano ‘Para Minha Amada Morta’, premiado no Brasil e no mundo, custou metade do que Michel Temer gasta em suas comidinhas no avião presidencial. Ignora as receitas mal aplicadas e faz propaganda com o 0,006% do orçamento que seria destinado ao carnaval. Ignora que Chico do Uberaba que, quando vereador, dizia que “pagava para trabalhar”, agora nomeado assessor de Greca, receberá nos quatro anos de mandato quase o dobro da verba que seria destinada ao carnaval da cidade.

Um discurso medíocre, mas não menos violento. Discurso que legitima e comemora a invasão da polícia na Casa Selvática em Curitiba, uma peça de teatro interrompida pela PM em Santos, artistas hostilizados e o cinza de Dória cobrindo o grafite nas ruas de São Paulo.

Elitizando, restringindo e emburrecendo a cultura, os tratores da imbecilidade pairam vitoriosos. Cercam a cultura por saber que dela podem surgir valentes gritos de contestação.

O compositor chileno Victor Jara teve as mãos esmagadas por coronhadas antes de ser assassinado pelos soldados de Pinochet. Não se tratava, como hoje também não se trata, de calar os dissidentes, mas sim de destruir uma ideia que foge ao controle dessa imbecilidade. Hoje no Brasil vivemos num círculo vicioso em que medidas imbecis buscam acabar com as saídas da imbecilidade. Afinal, dormimos distraídos sem perceber que somos subtraídos por tenebrosas transações.

*Guilherme Daldin é militante do PSOL e integrante do Movimento Cultura Resiste.

Imagem: Temer, Dória e Greca já deram o recado de que não precisamos de artistas / Dayana Luiza.

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