Expedição revela avanços e desafios do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais

As inúmeras riquezas e resistências revelam uma região que vai além do estigma da pobreza

Por Bráulio Siffert, no Brasil de Fato

O Vale do Jequitinhonha, no Nordeste de Minas Gerais, ficou nacionalmente estigmatizado como o vale da miséria e da seca, de uma população esfomeada, isolada e incapaz de reformular seu próprio destino.

Na realidade do passado e para os que querem se aproveitar das dificuldades do presente, este discurso se encaixa perfeitamente, mas uma visita cuidadosa aos cantinhos e às pessoas do Vale é suficiente para ver que, apesar dos problemas, há muita riqueza humana, cultural e natural.

Embora ainda sejam relativamente altos os índices de pobreza, analfabetismo e violência, a situação social da região melhorou significativamente nos últimos 20 anos, conforme mostram os índices e os moradores da região. Dona Zezinha, conhecida artesã de Campo Buriti, distrito de Turmalina, não passou a viver da venda de suas bonecas de barro da noite para o dia. Sua infância e adolescência na zona rural foram de muito sofrimento. “Melhorou bastante de 20 anos para cá, pelo menos aqui na minha comunidade. Todo mundo da roça acabou podendo experimentar o outro lado da vida. De ter uma cama para dormir, um suco gelado para tomar, uma casa iluminada de noite”, relata Zezinha, que lamenta o fato de agora o país estar correndo o risco de pôr tudo isso a perder.

Semelhante percepção é ressaltada por Toinzin, presidente da Associação dos Quilombolas do Barreiro, no município de Cristália. Segundo ele, antes dos anos 2000 a situação era tão precária que em virtude da doença de chagas poucos eram os moradores que passavam dos 30 anos de idade. Hoje, além da cesta básica e do Bolsa Família recebidos pelos moradores, as condições são infinitamente melhores, embora ainda haja muito preconceito por parte de alguns governos e instituições com relação aos remanescentes de quilombos.

Riquezas conhecidas e outras escondidas

Diante de um histórico marcado por dificuldades e superações, muitos moradores do Vale encontraram na arte uma autêntica forma de resistir, garantir renda ou de se expressar. A região presenteou o mundo com formatos diferenciados, como bonecas de barro e objetos de decoração de sempre-vivas, e artistas amplamente conhecidos, como os músicos Paulinho Pedra Azul, Saulo Laranjeira e Rubinho do Vale, os corais Trovadores do Vale, Meninos de Araçuaí e Lavadeiras de Almenara e as artesãs Zefa, Lira, Zezinha e Dona Izabel.

Para além desses nomes, e muitas vezes sem o mesmo reconhecimento e sucesso, caminham uma infinidade de artistas, famílias, associações e comunidades que seguem a tradição ou a necessidade de suas realidades, guardando um saber que encanta e inspira. Muito do artesanato é feito a partir de matéria-prima encontrada nas próprias localidades, como barro, madeira, pedras e plantas.

Algumas famílias, como as de Pasmado, entre Itinga e Itaobim, vivem exclusivamente da venda de suas panelas, esculturas e objetos de barro, que comercializam em tendas às margens da BR-367. Artesãos mais conhecidos também conseguem tirar todo seu sustento da arte. Mas, segundo os relatos dos artesãos, dos vendedores e dos moradores, esses casos são raros. A maior parte precisa ter outras formas de dedicação para complementar a renda familiar, muito em virtude da falta de apoio dos governos, das empresas e da população das próprias cidades.

Concomitante a estas produções tradicionais, novas tecnologias também vêm sendo experimentadas. Em Araçuaí, o Projeto Arasempre, do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), além de ter o famoso coral Meninos de Araçuaí, engloba também grupos que produzem softwares digitais, arte e vídeos, inclusive um programa semanal veiculado na TV local.

E os formatos não se encerram. O Vale é também de poesia, de pintura, de teatro e de música, com inúmeros grupos e artistas que, espalhados e muitas vezes escondidos, frequentemente carecem de mais visibilidade e apoio, visto que fé já possuem por demais. Aliás, até a religiosidade, tão marcante na região, é acentuadamente expressa através da arte, nas folias de reis, nas festas do divino, nos grupos de pastorinhas, nos presépios, nas esculturas e nas músicas.

Aprendizado e resistência

A história do desenvolvimento socioeconômico do Vale do Jequitinhonha é marcada pela ausência de políticas públicas sérias e pela presença constante de ações e personagens demagógicos e aproveitadores.

Aparentemente, após anos de tanto abandono e exploração, grande parte da população aprendeu a não mais se iludir com promessas, projetos e discursos de políticos e empresários cujos enunciados de “desenvolvimento” historicamente se revelaram em seu oposto, deixando, em geral, pouco mais que degradação, ilusão e abandono, a exemplo das devastadoras experiências do eucalipto, da mineração e, em certo sentido, das barragens.

Aprendendo e resistindo, esse povo por conta própria passou a buscar suas próprias formas de sobrevivência e de expressão, com muita arte, luta e criatividade. Associações de artesãos, cooperativas de produtores rurais, acampamentos sem-terra, sindicatos de trabalhadores, colônias de pescadores, grupos de jovens e alguns bons políticos e instituições públicas e privadas revelam a resistência e a capacidade própria de busca de alternativas para o desenvolvimento coletivo.

Expedição Vale do Jequitinhonha

Os textos e fotos desta matéria foram produzidos após seus autores terem realizado, de 27 de dezembro de 2016 a 15 de janeiro de 2017, uma expedição que percorreu as estradas que vão da nascente do Rio Jequitinhonha, próxima a Serro, em Minas Gerais, até Belmonte, na Bahia. No total, foram visitadas 15 cidades do Vale.

Imagem destacada: Moradores do Novo Peixe Cru, comunidade construída após a construção da barragem de Irapé / Fotos: Maria Fernanda Paulino

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