Pará: Comunidades de Barcarena irão à justiça contra empresa de alumínio Hydro

Empresa é acusada de crime ambiental; MP já solicitou ao governo paraense fornecimento de água limpa às comunidades

Por Lilian Campelo, Brasil de Fato

Em direção à Barcarena a lancha percorre o rio Guamá. Margeado por uma mata densa é a palmeira do açaí que se destaca, mas os cachos vazios sinalizam a entressafra, época de pouca produção do fruto e alta no preço do líquido mais requisitado na mesa do paraense. 

Algumas cenas exibem disputa: igrejas evangélicas e católicas concorrem pela fé dos moradores da beira do rio, os ribeirinhos. Ao longo da travessia a paisagem vai mostrando o modo de vida do amazônida: casas feitas de madeira, canoa e rede atada na margem do rio. Saindo do rio Guamá, a lancha vira à esquerda e entra no rio Carapijó, assim explicou o comandante da lancha. Os rios são as ruas da região.

Muitas famílias ribeirinhas vivem da pesca e da roça. São moradores ancestrais daquelas beiradas. Sem o título da posse da terra para comprovar que são donos daquele pedaço de chão ficam vulneráveis para serem expulsos. São vários os relatos de famílias expropriadas do local onde nasceram, criaram seus filhos, enterraram seus parentes. Comunidades que passam a não existir mais. A viagem até Barcarena se encerra no porto São Francisco. Desembarcando, ouvimos a história das famílias da comunidade de Jesus de Nazaré, que sem papel, não possuem mais uma comunidade como morada.

Sem papel

As famílias de Jesus de Nazaré foram expulsas do território onde viviam em 2010 por meio de um mandado de reintegração de posse, solicitado pela empresa Albrás – Alumínio Brasileiro S/A. A acionista majoritária da empresa é a Norsk Hydro, que detém 51% das ações. À época, a Albrás informou, como consta na liminar, que era “proprietária e possuidora de uma área de preservação ambiental”. Atualmente, está em construção na área a segunda bacia de rejeitos da empresa.

Quem relata o que aconteceu à comunidade de Jesus de Nazaré é Bosco Oliveira, liderança comunitária e um dos coordenadores na Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF). Ele conta que, após a expulsão, as 750 famílias tiveram que se arranjar como podiam. Algumas tiveram que se alojar em casas de parentes, outras foram morar em pequenas áreas, na época cedidas pela empresa, para amparar pelos menos 10% daqueles que estavam morando à beira da estrada.

No mandado de reintegração de posse, a empresa informa que a área foi ocupada “por um grupo de marginais que se intitulam ‘sem terra’”. Oliveira ainda guarda, além de vários outros documentos, um ofício enviado da FETRAF para o secretario de Meio Ambiente, em 2016, solicitando a realização de audiência pública sobre a construção da bacia de rejeitos.

Sem respostas do governo e assistindo ao desmatamento do território, a comunidade Jesus de Nazaré e as demais que vivem no polo industrial das empresas Alunorte e Albrás, como a São Sebastião de Burajuba, Água Verde e Jardim Canaã, entrarão na justiça contra a empresa por danos ambientais.

Oliveira conta que a comunidade, na época, ainda lutava para readquirir a terra. Contudo, após o desmatamento, ninguém nutre o sonho de voltar, pois no lugar da mata restou um campo vazio, cheio de enormes buracos, onde serão depositados rejeitos de lama de bauxita. O objetivo hoje é que as famílias possam ser ressarcidas através de projetos sociais.

“Nosso sonho não é mais morar aí em virtude do crime que ela [empresa] cometeu, então, creio eu, que pelo menos ela venha ressarcir em projetos sociais o que ela causou de danos para a comunidade, para as famílias, não só as famílias que moravam aí, mas as comunidades remanescestes que moravam ao lado e foram prejudicados pelo desmatamento, de todos os igarapés atingidos, todas as nascentes atingidos”, declara Oliveira.

Além de entrar com ação na justiça contra a Hydro, as lideranças comunitárias pretendem denunciar a empresa à Organização das Nações Unidas (ONU) e demais organismos internacionais de defesa do meio ambiente e direitos humanos.

Impactos

Barcarena está localizado na região nordeste do Pará e é considerado o maior polo industrial de alumínio da América Latina, segundo artigo publicado no site do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A cidade está próxima de Belém e há acessos pela Alça Viária. Contudo, a viagem pela estrada não é aconselhável. O fluxo intenso de carretas e caminhões, que na maioria dos casos têm como destino o porto de Vila do Conde, torna a viagem perigosa. Vila do Conde tem recebido investimentos para se tornar o novo porto de saída de grãos e minérios do país.

Integrando essa logística de infraestrutura, há também o projeto de construção da ferrovia Norte-sul, que levará commodities para o porto de Vila do Conde, local que também foi cenário de grave crime ambiental, quando em 2015 um navio naufragou com quase 700 toneladas de óleo e causou a morte de cinco mil bois vivos.

Crime ambientais já ocorreram por diversas vezes em Barcarena. Vazamentos de produtos químicos em rios e igarapés são corriqueiros e as consequências atingem, até hoje, a população do município. Em 2004, a Universidade Federal do Pará (UFPA) realizou uma pesquisa que concluiu que a água consumida pela população da cidade e de 26 localidades estava contaminada por metais pesados causados pelas indústrias. Em 2016 o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Pará (MPPA) entraram na justiça contra o estado paraense e o município de Barcarena exigindo fornecimento de água limpa para a população.

O MPF, através da pesquisa, destacou que a contaminação da água por metais pesados pode provocar distúrbios no sistema nervoso, anemia, doença cardiovascular, câncer, degeneração dos ossos, distúrbios na função renal e de reprodução.

A presidente da Associação Indígena e Quilombola da Amazônia (Caiqama), Maria do Socorro Costa da Silva, moradora da comunidade quilombola de São Sebastião de Burajuba, conta sobre os impactos causado nas comunidades pelos metais pesados na água e ressalta que não deseja que os netos e bisnetos tenham de herança a luta contra a empresa.

“A gente está afetada? Está, diretamente. Está afetado pela falta de respeito, pelos impactos sociais, na saúde, território. (…) parece que onde tem família ela [empresa] faz questão de mexer. Nós estamos unidos cada vez mês. É difícil? É porque ela é poderosa, tem dinheiro para comprar tudo, mas o dinheiro dela não vai calar a nossa boca. Eu não quero ver meus netos, meus bisnetos com essa luta travada que nós pegamos. A contaminação do ar, da água e do solo, isso está mais que comprovado e não é eles da comunidade, é o órgão cientifico que está dando laudo”.

Norsk Hydro Brasil

A empresa declarou que a área onde está sendo construída a bacia de rejeitos é de propriedade da Hydro Alunorte, refinaria de alumina da Hydro, e que não há qualquer lei que tenha designado a área como Área de Proteção Ambiental (APA). Ela explica que se trata de uma zona industrial, conforme a lei do Plano Diretor de Barcarena. O empreendimento possui licença ambiental emitida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e declara não ter conhecimento que as atividades da empresa estejam causando danos às comunidades vizinhas.

A Hydro Alunorte afirma ainda ter um “canal aberto com os seus principais ‘stakeholders’ [entes com participação acionária na empresa], por meio de programas de Diálogos Comunitários, onde representantes das comunidades, sindicatos e poder público têm a oportunidade de conhecer as nossas instalações e discutir suas preocupações; outra forma de diálogo é o Diálogo Itinerante, onde representantes da Hydro visitam as comunidades para conhecer e discutir os seus problemas ‘in loco’”.

A assessoria de comunicação afirma que a empresa possui os “empreendimentos devidamente licenciados e documentados junto aos órgãos competentes, inclusive seus depósitos de resíduos. A empresa segue a legislação brasileira e, em suas operações, trabalha dentro dos mais rigorosos padrões exigidos pelas autoridades do país”.

Edição: José Eduardo Bernardes.

Imagem: Depósito de rejeito de bauxita da Norsk Hydro / Lilian Campelo/ Brasil de Fato

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