O silêncio das panelas

Por J. P. Cuenca, no The Intercept Brasil

Paneleiros, por onde andam? Seu cúmplice silêncio não é de hoje, mas depois que as tratativas evocadas por Romero Jucá para melar a Lava Jato naquele célebre telefonema começaram a materializar-se como um joguinho perfeito de Tetris, onde tudo se encaixa no timing exato – até a morte do relator do processo no supremo –, era de se esperar o retorno da sua fúria estridente.

Ainda mais com o douto (só que ao contrário) Alexandre de Moraes no STF, uma nomeação cujas nefastas consequências ultrapassam simplesmente pôr em risco o resultado da operação tão querida pelo brasileiro “de bem”. Ainda mais com Edison Lobão, investigado em dois inquéritos da Lava Jato, presidindo a sabatina de Moraes no Senado. Ainda mais com a tentativa de foro privilegiado para Moreira Franco – sem direito a chilique da grande imprensa e áudio vazado por Sérgio Moro, como quando da quase nomeação de Lula na Casa Civil, em março passado, supostamente pelo mesmo motivo. Ainda mais com a ventilada nomeação de um Ministro da Justiça crítico à Lava Jato. Ainda mais…

A lista de motivos para que os amarelinhos voltassem a marchar pelas ruas contra a corrupção só faz crescer. O Vem pra Rua “discute convocar atos”, mas sabemos que o brasileiro “de bem” não sabe pensar sozinho e costuma apenas sair à rua quando a Globonews ajuda na chamada. Sua indignação seletiva é um traço de falta de caráter. Ou isso, ou não foi exatamente contra a corrupção que bateram panelas no ano passado.

Voltemos a fita: a oposição derrubou uma presidente eleita, cuja única e exclusiva qualidade para o cargo era justamente a de ser honesta – ainda que num partido manchado pela corrupção, como todos os outros –, para tentar “estancar a sangria” da operação conduzida por Sérgio Moro. O mesmo juiz, no meio do caminho, ofereceu vastas evidências de que poupava tucanos enquanto seus procuradores investiam na tese delirante de que Lula, montado em pedalinhos de ouro, seria o solitário líder máximo da “organização criminosa”, com grande estardalhaço na imprensa. Ao contrário do que acontece quando Eduardo Cunha coloca Temer no núcleo do Petrolão.

A cena é complexa, algo sai de controle todos os dias e os atores estão errados pelos motivos certos – e vice-versa. Por isso, a dicotomia empurrada pela grande imprensa goela abaixo dos brasileiros – de bem ou não – é insuficiente para completar o quadro. Mas bastante útil para convocá-los para a rua quando conveniente. Não é exatamente uma novidade.

Há pouco mais de um século, Lima Barreto publicou “Memórias do escrivão Isaías Caminha”, seu primeiro romance. Desde então, o retrato da corrupta elite e corrupta imprensa carioca presente no livro merece poucos retoques. Lendo o Lima, a impressão que temos é a de que o tempo não passa no Rio de Janeiro – e no Brasil.

“Isaías Caminha” é baseado nas suas experiências no Correio da Manhã. No entanto, como trata-se de um “roman à clef”, onde todos os nomes são trocados, o escritor profeticamente chama o jornal onde seu narrador auto-ficcional trabalha de O Globo. Sobre as revoltas que incendiaram as ruas na primeira década do século passado, ele escreve:

“As vociferações da minha gazeta tinham produzido o necessário resultado. Aquele repetir diário em longos artigos solenes de que o governo era desonesto e desejava oprimir o povo, que aquele projeto visava enriquecer um sindicato de fabricantes de calçado, que atentava contra a liberdade individual, que se devia correr a chicote tais administradores, tinha-se incrustado nos espíritos e a irritação alastrava com a violência de uma epidemia.”

Em condições normais de temperatura e pressão no Brasil o povo só vai pra rua se Sinhô mandar. Pelo que lemos pelos seus arautos e ideólogos, Sinhô ainda não parece muito animado nesse momento. Mas dá sinais de mudança. Esperemos.

 

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