Levy Fidelix multado por homofobia: liberdade de expressão não é brinquedo, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo confirmou uma multa no valor de R$ 25.070,00 a Levy Fidelix por declarações homofóbicas durante a campanha para Presidência da República em 2014. Ele tem 15 dias para pagar após notificado.

Um dos pontos mais baixos da campanha presidencial de 2014 (e olha que o pessoal se esforçou para produzir vários) foi protagonizado por ele, na madrugada de 29 de setembro, durante um debate na TV Record.

Questionado por Luciana Genro (PSOL) sobre direitos homoafetivos, ele soltou um rosário de impropérios que fariam corar até os mais fundamentalistas dos parlamentares religiosos. Afirmou que “aparelho excretor não reproduz”, comparou homossexuais a quem pratica o crime de pedofilia e, ao final, conclamou: “Vamos ter coragem! Nós somos maioria! Vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los”. A fala de Levy provocou reações de indignação, da Procuradoria Geral da República aos movimentos sociais.

A Lei Estadual paulista 10.948/2001 autoriza a Secretaria da Justiça a promover processos administrativos em casos de discriminação motivados por orientação sexual e identidade de gênero. O Homem do Aerotrem afirmou, em sua defesa que apenas manifestou seu pensamento no debate, sem incitar ódio. Mas, para a Comissão Especial de Discriminação Homofóbica, ele passou dos limites, incentivando a agressão, a violência e a segregação desse grupo.

A decisão é importante pois vai preparando a sociedade e calibrando as instituições para o que serão as eleições de 2018. Por conta da possível presença de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que faz Levy Fidelix parecer mirim, na campanha presidencial, teme-se que a defesa da homofobia e da misoginia tornem-se elementos de discussão de projeto de país.

Mas também é importante porque, até agora, a Justiça não conseguiu dar uma resposta ao caso. Condenado, em 2015, a pagar R$ 1 milhão em danos morais, ele conseguiu, no início deste mês, que o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendesse a decisão que obrigava o pagamento. A Defensoria Pública, responsável pela ação, afirmou que vai recorrer. De certa forma, a multa do governo de São Paulo é uma resposta à decisão do TJ-SP.

O Poder Executivo não se sobrepôs ao Judiciário na decisão, os casos estão em esferas diferentes, cada uma com sua competência, judicial ou administrativa. Isso é bom para lembrar que os três poderes têm (ou deveriam ter) o dever de defender a dignidade humana, lembrando à sociedade que – conforme está claro na Constituição Federal – nenhum direito é absoluto quando o usufruto desse incitar violência a outras pessoas.

Após a confirmação da multa contra Levy, o embate entre fãs e críticos do político do PRTB tomaram as redes sociais. Houve até gente que não o suporta saiu em sua defesa, afirmando que o que está em jogo é o direito humano à liberdade de expressão. O que é uma interpretação superficial dos direitos humanos – coisa que, no Brasil, se faz a rodo. Confunde-se na internet opinião com discurso de ódio. É um erro bem comum quando não se está acostumado às regras do debate público de ideias.

O direito ao livre exercício de pensamento e o direito à liberdade de expressão são garantidos pela Constituição e pelos tratados internacionais que o país assinou. E, da mesma forma, as pessoas também são livres para ter sua orientação sexual. Isso sem contar o direito de ver preservada a sua integridade física e psicológica. Ou seja, o mesmo direito que Levy Fidelix tem de ter suas opiniões, as pessoas também têm de ver garantida sua dignidade.

Contudo, a liberdade de expressão não é um direito fundamental absoluto. Porque não há direitos fundamentais absolutos. Nem o direito à vida é. Prova disso é o direito à legítima defesa. Pois a partir do momento em que alguém abusa de sua liberdade de expressão, indo além de expor a sua opinião, espalhando o ódio e incitando à violência, isso pode trazer consequências mais graves à vida de outras pessoas.

Pessoas como Levy Fidelix dizem que não incitam a violência. Não é a mão delas que segura a faca ou o revólver, mas é a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna o ato de esfaquear, atirar e atacar banais. Ou, melhor dizendo, “necessários”, quase um pedido do céu. São pessoas como ele que alimentam lentamente a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo.

E o candidato foi bem claro em sua argumentação: ”Vamos ter coragem! Nós somos maioria! Vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los”. Caberia bem em um filme sobre as Cruzadas ou a Inquisição, mas não em um debate presidencial, transmitido por uma rede de TV, que é uma concessão pública.

O ideal seria ir além da tolerância, com as pessoas enxergando essas diferenças como uma coisa boa para termos uma sociedade mais plural e interessante. Porém, na atual impossibilidade disso, a tolerância já está de bom tamanho.

Mas, aí, temos uma informação importante: a liberdade de expressão não admite censura prévia. Ou seja, apesar de alguns juízes não entenderem isso e darem sentenças aqui e ali para calar de antemão biografias, reportagens, propagandas, movimentos sociais, a lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam.

E foi isso o que aconteceu. Levy quis falar, Levy falou. A Record, acertadamente, não cortou seu microfone.

Há o outro lado da moeda: as pessoas são sim responsáveis pelo impacto que a divulgação de suas opiniões causa. Como foi o caso de dirigir a um grupo específico (homossexuais) um sentimento de ódio, propondo a restrição de seus direitos e até sua extirpação social. E toda pessoa que emitir um discurso de ódio, está sujeita a sofrer as consequências: pagar uma indenização, ir para a cadeia, perder o emprego, ter sua candidatura cassada.

Afinal, o exercício das liberdades pressupõe responsabilidade. Quem não consegue conviver com isso, não deveria nem fazer parte do debate público, recolhendo-se junto com sua raiva e ódio ao seu cantinho.

Por fim, a responsabilidade por uma declaração é diretamente proporcional ao poder de difusão dessa mensagem. Quanto mais pública a figura, mais responsável ela deve ser. Quanto maior o megafone (no caso de Levy, foi a segunda maior emissora de TV do país), mais responsável ela deve ser.

Certamente há outros candidatos e candidatas que não concordam com a justa equidade de direitos entre heterossexuais e homossexuais. Mas, apesar disso, nenhum deles descarregou essa opinião para o telespectador. Não dessa forma. Isso não é sinal de covardia dos outros. É sinal de estupidez de Levy.

Ou seja, o problema não é ter opinião. Muito menos declará-la. E sim como você faz isso.

De forma respeitosa ou agressiva? Privilegiando o diálogo de diferentes e buscando uma convivência pacífica, ou conclamando as pessoas para desrespeitar ainda mais aqueles vistos como diferentes por medo ou desconhecimento?

Discordo de quem afirma que é melhor que a homofobia seja proferida abertamente para mostrar o que ocorre no subterrâneo da sociedade. Porque isso não está no subterrâneo. Esse esgoto corre a céu aberto, dia a pós dia, dito e repetido exaustivamente, justificando atos de violência. Vocês acham que as pessoas que ficaram indignadas com a ceninha feita por Levy no debate são a maioria da população?

Muita gente achou graça no que ele falou ou mesmo concordou com ele, tal como a plateia que riu quando Alexandre Frota contou uma narrativa de violência sexual em um programa de TV. Ou quando surgem as estripulias preconceituosas de Bolsonaro.

Revelar o quê, portanto? O espelho no qual nós já nos vemos diariamente?

Um sorridente Levy (Foto: Fábio Tito/G1)

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