Deixem de ser odiosos e cruéis, negros racistas!

Por Nêggo Tom, no Brasil 247

O sistema é mesmo perverso e suas técnicas de manipulação são, digamos, diabólicas. E ele consegue cooptar, facilmente, missionários, voluntários e adeptos, ávidos por notoriedade e por realização pessoal, e que se dispõe a reverberar as suas mensagens e a disseminar as suas intenções. Que, normalmente, não são nada boas e muito menos tem um sentimento humano e socialmente igualitário.

Quantas vezes já ouvimos muitas mulheres dizerem, quando outra mulher foi estuprada ou sofreu abuso sexual, que a mesma facilitou, que não tinha nada que passar por ali sozinha, ou estava com uma roupa curta demais ou que se ela estivesse indo para a Igreja, nada teria acontecido. Qual o efeito desse tipo de discurso? Ele minimiza e relativiza o crime de estupro e ainda atribui à vítima, a motivação e até mesmo a culpa por ter sido estuprada. Com isso, toda a luta e toda mobilização para que as mulheres sejam respeitadas e para que esse tipo de crime seja punido com rigor, acaba sendo minada. Usei o exemplo do estupro para introduzir o meu desabafo e manifestar a minha indignação com o discurso que alguns pretos, muitos deles cooptados pela casa grande, que vem de encontro a toda luta por igualdade racial e aos poucos avanços obtidos através dela. Já conhecemos Fernando Holliday, o ativista do MBL que se elegeu vereador, com o financiamento e com as bênçãos da direita golpista, que o escolheu como o capitão do mato do neoliberalismo.

Mas vendo que o homem não podia ficar só, os deuses, digo, os golpistas, resolveram dar-lhe uma companheira. Talvez ela nem seja filiada ao movimento, mas o seu discurso é o mesmo e foi compartilhado com muito gosto pelo time de juniores do golpe. Trata-se de uma missionária angolana, chamada Ruth Catala. Me deparei com um vídeo seu rolando na rede, que por sinal estava sendo muito festejado por adeptos da direita e por fãs do Bolsonaro, e tive a curiosidade de assistir. O que vi e ouvi me deixou preocupado e indignado. Não pela contraposição ao que eu penso, mas pela oposição ao bom senso. A missionária angolana usa a famigerada história do turbante, que a jovem branca de Curitiba usava e que deu o que falar, para minimizar, distorcer e até ridicularizar todo um movimento e toda uma história de luta contra o racismo.

O desserviço prestado pela Missionária angolana é um up grade no discurso da direita escravocrata, em toda a sua essência fascista. Tanto é que o MBL postou o vídeo com a sua logomarca e o intitulou de: “Angolana destrói movimento negro vitimista”. A casa grande está em festa. A missionária chama os pretos de egoístas que precisam aprender a compartilhar os seus brinquedos com os colegas brancos e insinuou que a luta por igualdade racial desenvolvida no Brasil não carrega igualdade e honra e fere o direito e a liberdade de outros seres humanos. No caso os brancos. Se eu fechasse os olhos eu poderia jurar que não era uma mulher preta falando. A missionária também disse que é preciso reavaliar a nossa estratégia de combater o racismo, porque além de se valerem do vitimismo, os pretos estão querendo mostrar que também podem escravizar os brancos. Assistam ao vídeo.

É preciso levar em consideração a falta de conhecimento da tal missionária, com relação ao racismo praticado à moda da casa e avaliar cuidadosamente as suas reais intenções com a publicação do vídeo. Usar o nome de Jesus para defender os seus interesses pessoais e financeiros, nós já sabemos que é uma prática muito utilizada por aqui. Agora usar o nome de Jesus para contribuir com a perpetuação do racismo e da desigualdade, é uma nova tendência. O seu perfil é quase irresistível de tão crível e pode levar a muitos, a caírem na armadilha. Uma mulher preta, angolana, missionária cristã, falando em nome de Deus, mas se comportando como a casa grande gosta. Bingo! Quem será o publicitário por trás dessas campanhas? O cara é fera! Conseguiu tran sformar um jovem preto, pobre e gay, no queridinho da elite escravocrata e símbolo de ética, boa conduta e meritocracia. E ainda o elegeu vereador.

Não devemos permitir que a luta por igualdade e contra qualquer outro tipo de preconceito ou violência seja diminuída ou menosprezada. Usar o membro de um grupo oprimido para legitimar a covardia do opressor é uma tática antiga, mas que ainda funciona. Aliás, a opressão só se mantém, graças aos cúmplices que os opressores conquistam entre os próprios oprimidos. Quando a missionária angolana diz que os pretos estão sendo cruéis e odiosos em sua estratégia de luta contra o preconceito, ela faz inverter a falta de valores que motiva o racismo e tenta atribuir o ódio e a crueldade contidos no mesmo, a reação é ao posicionamento de quem luta contra a segregação. Assim como no caso de estupro que citei mais acima, a vítima é transformada em culpada e condenadas, muitas vezes, por suas iguais de gênero.

Além de falar, sem muita propriedade, sobre apropriação cultural, encontramos muitos outros equívocos no discurso da missionária. Talvez pelo fato de não conhecer bem a história do negro no país e as mazelas locais. O principal equívoco cometido por ela foi ter usado a história (ou a pseudo história) de um simples turbante para contextualizar dentro de um tema tão sério e importante, que é o racismo e a luta por igualdade racial no Brasil. A missionária foi ainda mais infeliz ao dizer que os pretos brasileiros estão criando grupinhos e recriando a segregação. Assim, mais uma vez, ela torna o cachorro vítima da linguiça. Falando em cachorro, ela também recomenda a quem se sentir solitário e isolado por causa de preconceito, citando grupos como os gordos, as mulheres pretas, os gays, os índios, entre outros, que comprem um cachorro para lhes fazer companhia.

Apesar de usar argumentos primários, frágeis e de fácil desconstrução, o que nos permite, com toda razão, associá-la ao MBL, a missionária, assim como Fernando Holliday, cumpre muito bem a missão de transformar todas as queixas de racismo, em puro mi mi mi, induzindo as pessoas, e até mesmo outros pretos mais distraídos, a entenderem que lutar por igualdade e respeito é uma grande bobagem e que devemos fazer cara de paisagem e deixar as coisas como estão. Afinal, todos sofrem preconceito por algum motivo ou condição, e ficar tentando conscientizar as pessoas de que é errado discriminar ou se apropriar da cultura alheia, apenas fomenta mais ódio e mais divisão entre as pessoas.

Deixem de ser odiosos e cruéis, negros racistas!

 

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