Para juristas, condução coercitiva de jornalista para que revele fontes fere a Constituição

No Justificando

Eduardo Guimarães, responsável pelo Blog da Cidadania, um site que dentre outras pautas é crítico à operação Lava Jato, foi conduzido coercitivamente por policiais para prestar depoimento na Superintendência da Polícia Federal na Zona Oeste de São Paulo. Informações preliminares dão conta que a condução foi uma ordem do Juiz Federal da 13ª Vara de Curitiba Sérgio Moro para que Guimarães revelasse sua fonte no andamento da Operação.

Além disso, de acordo com a revista jurídica Conjur, Moro também teria determinado “a apreensão de quaisquer documentos, mídias, HDs, laptops, pen drives, arquivos eletrônicos de qualquer espécie, arquivos eletrônicos pertencentes aos sistemas e endereços eletrônicos utilizados pelos investigados, agendas manuscritas ou eletrônicas, aparelhos celulares, bem como outras provas encontradas  relacionadas aos crimes de violação de sigilo funcional e obstrução à investigação policial”. (aqui)

A condução movimentou o meio jurídico. A Professora e Coordenadora do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV/SP), Eloísa Machado, explicou que “a condução coercitiva, em si, é uma medida com constitucionalidade questionável, tanto que já há ações no STF sobre o tema. Mas, além disso, é preciso que se defenda a liberdade de expressão e de imprensa, como medidas essenciais à manutenção de nosso Estado de Direito”.

Eloísa ressaltou que são poucas as informações disponíveis, mas caso o jornalista tenha sido conduzido coercitivamente para depor sobre como conseguiu informações sobre operações da PF, trataria-se de uma decisão ilegal do magistrado. “Os constantes vazamentos de informações sobre operações da polícia precisam ser investigados, mas não se pode pretender punir um jornalista que divulgou informação verídica sobre a qual não tinha nenhum dever de sigilo” – afirmou.

Em contato com o Juiz Federal, o Deputado Federal Paulo Teixeira (PT-SP) afirmou que o magistrado teria dito a ele que Eduardo não era jornalista e, portanto, não estaria resguardado pelas garantias inerentes à imprensa. A justificativa não foi suficiente para o Professor de Direito Constitucional da PUC/SP, Pedro Estevam Serrano, o qual entende que houve uma “inobservância do direito de fonte garantido ao exercício do jornalismo, o que implica também agressão ao princípio democrático”.

O registro de jornalista tem sentido trabalhista, apenas. O STF já decidiu em plenário que jornalismo é de exercício livre, sem requisitos como diploma, registro, etc” – explicou Serrano.

No entanto, ainda que Guimarães não fosse jornalista, isso sequer seria argumento para conduzi-lo coercitivamente a fim de que revelasse quem passou a informação sobre a operação Lava Jato. De acordo com o advogado Márcio Augusto Paixão, “ainda que a esse suspeito não socorresse o direito de resguardar a fonte da informação, o fato de recebê-la e divulgá-la ao público não o transforma em criminoso”.

Juridicamente, explica Paixão, não faz sentido acusar ou apurar a conduta do jornalista – “A prática do delito previsto no art. 325 do Código Penal – violação de sigilo funcional – se exaure completamente quando o funcionário público, provavelmente agente policial, divulga a informação sigilosa a um terceiro; este, ao saber do segredo, não está obrigado a manter sigilo sobre ela. A cláusula de confidencialidade não acompanha a informação sigilosa que circula, como se todos aqueles que têm contato com ela estivessem obrigados a guardá-la a sete chaves”.

Patrick Mariano, colunista no Justificando, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares lembrou problemas de Sérgio Moro com a liberdade de imprensa – “Tempos atrás, repreendeu o jornal Folha de São Paulo por ter publicado um artigo do renomado físico Rogério Cerqueira Leite em que o comparava a Savonarola. Agora, sem jamais ter convidado o blogueiro para prestar depoimento, se valeu das chamadas conduções sequestros. Modalidade criada pela lava jato, muito usada em épocas de regimes autoritários”.

“A ação de Modo contra o blogueiro fere a liberdade de expressão. Falam tanto de Trump, mas nem mesmo ele mandou o FBI fazer isto com jornalistas ou comunicadores de imprensa” – afirmou Mariano.

Não é a primeira vez que o magistrado e o jornalista se envolvem em processos judiciais. Em fevereiro, após um twitter de Guimarães afirmar que os “delírios de um psicopata investido de um poder discricionário como Sergio Moro vão custar seu cargo, sua vida”, Moro decidiu representá-lo na Polícia Federal por ameaça. De outro lado, o jornalista é autor de uma representação contra Moro, na Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ).

 

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