O novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil e a Saúde Indígena

Por Paulo Daniel Moraes

A Lei 13.204 sancionada em 14 de dezembro de 2015, conhecida como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (OSC), representa na opinião da maioria das entidades envolvidas no movimento pela regulamentação das relações entre o estado e a sociedade civil um significativo avanço no reconhecimento da importância desta forma de atuação da sociedade organizada. Muitos outros passos ainda precisam ser dados, e para isto existe a Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, que reúne entidades como a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), Movimento dos Sem Terra (MST) e Rede Cáritas Brasileira, entre outros.

Em relação ao processo de construção da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), o novo Marco Regulatório passou a ser a alternativa preferencial de boa parte do movimento indígena para a questão do novo modelo de contratação dos recursos humanos para a Saúde indígena, no atual contexto político do país. O Ministério da Saúde constituiu por meio da Portaria 2.445 de novembro de 2016 um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de apresentar propostas de modelo de contração da força de trabalho e melhoria da atenção à saúde indígena, o qual encaminhou uma consulta pública às comunidades indígenas por meio dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI).

As demais alternativas apresentadas pelo Grupo de Trabalho incluem a realização de Concurso Público e contratação pelo Regime Jurídico Único do Servidor Público (RJU), que não permite a necessária flexibilidade no vínculo trabalhista dos profissionais de saúde que atuam diretamente nas comunidades indígenas; a realização de Contrato Temporário da União (CTU), que provoca a descontinuidade da assistência e a impossibilidade de recontratação dos profissionais após quatro anos; os convênios com Organizações Sociais (OS) de direito privado ligadas a Universidades Federais, que não permitem o adequado exercício do controle social pelos CONDISI e a fiscalização pelo Ministério Público Federal (MPF); e a criação de um Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI) de direito privado, que enfraquece a autonomia dos DSEI e da SESAI e retira o poder de atuação das instâncias de controle social.

O modelo de contratação dos Recursos Humanos por meio dos convênios tem sido a principal forma adotada pelos sucessivos governos desde a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS) no ano de 1999. Desde o início, as entidades envolvidas, que incluíam um grande número de Organizações Indígenas nos primeiros anos de implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), cobraram do governo federal a criação de um marco regulatório adequado para o funcionamento destas parcerias, que pudesse resguardar os princípios da transparência e da moralidade, e assegurar os direitos e um tratamento justo para as organizações parceiras.

A Lei 13.204 foi sancionada pela Presidente Dilma em 14 de dezembro de 2015, após vários anos de discussão envolvendo representantes do estado e da sociedade civil, e deve entrar em vigor em meados do ano de 2017. Este novo marco legal propicia uma maior estabilidade e uma definição mais clara das responsabilidades nas parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, que tem a obrigatoriedade de comprovar um tempo mínimo de existência, experiência prévia na área, capacidade técnica e operacional, e regularidade jurídica e fiscal, entre vários outros requisitos.

Apesar de ser muitas vezes designado com o mesmo rótulo de ‘terceirização’, o novo Marco Regulatório é uma iniciativa completamente diferente do modelo de terceirização adotado para a contratação de empresas privadas, que se regem por uma lei distinta. As leis de direito privado também abrigam os serviços sociais autônomos e as organizações sociais privadas, de difícil controle e fiscalização, e são totalmente alheias aos princípios da gestão participativa e democrática previstos no modelo de parcerias com organizações legítimas da sociedade civil, e aos princípios da autonomia e do controle social que fundamentam o modelo de atenção à Saúde Indígena.

O novo Marco Regulatório traz entre seus princípios fundamentais a promoção, fortalecimento institucional, capacitação e incentivo às organizações da sociedade civil para a cooperação com o poder público, assim como a valorização dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, visando uma gestão pública democrática, participação social, fortalecimento da sociedade civil, e a transparência na aplicação dos recursos públicos. Oxalá estes princípios possam um dia se tornar realmente efetivos na sociedade brasileira e na política de atenção à saúde indígena no país.

Boa Vista, Roraima, 25.03.2017.

Sérgio Vale /Secom – Agência de Notícias do Acre

 

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