Terceirização vai agravar problemas da Previdência Social

Projeto aprovado na Câmara dos Deputados afeta diretamente a arrecadação previdenciária, já que categorias terceirizadas têm menores salários. Confira entrevista com Patrícia Pelatieri, coordenadora de pesquisa do Dieese, sobre o tema

Por Patrícia Cornils, no Outras Palavras

Qual é a relação entre a terceirização e a Previdência Social? A economista Laura Carvalho publicou, na manhã desta quinta-feira (23), uma observação aguda a respeito do Projeto de Lei 4.302, aprovado na noite de ontem pela Câmara dos Deputados, liberando a terceirização geral de postos de trabalho no setor privado e em parte do setor público. “Sustentar a Previdência passa necessariamente por manter altos níveis de emprego e formalização. A prioridade parece não ser nenhuma das duas coisas. Aprovaram agora o PL da terceirização: imaginem um mundo de trabalhadores contratados como Empreendedores Individuais, contribuindo apenas 5% sobre o salário mínimo para a Previdência. E o empregador, nada. Em meio a todo esse debate, um PL que pode reduzir a base de arrecadação do sistema e elevar o tal rombo na Previdência no curto prazo.”

Também a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) criticou a medida, em nota divulgada ontem. Para a entidade, “a aprovação do PL agravará problemas como a alta rotatividade dos terceirizados, o elevado número de acidentes, além de gerar prejuízos para a saúde pública e a Previdência Social”.

O trajeto da proposta de terceirização teve cenas surreais. E, como é regra no governo Temer, não faltou uma declaração machista na defesa do projeto. O deputado federal Laércio Oliveira (SD-SE), relator do projeto, disse em um debate na Confederação Nacional da Indústria (CNI) que “ninguém faz limpeza melhor que a mulher”, ao se referir a um dos segmentos mais terceirizados — e portanto mais precários — do mercado de trabalho.

O PL aprovado ontem é de 1988 e já havia passado pelo Senado em 2002. Agora, irá à sanção de Temer. Tem três eixos principais: admite a terceirização em qualquer atividade, determina que empregados de uma empresa terceirizada que não receberem os direitos trabalhistas possam apenas em último caso cobrar a dívida da empresa contratante e amplia o tempo máximo de duração dos contratos temporários para seis meses.

Patrícia Pelatieri, coordenadora de pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), explica por que a terceirização generalizada vai, provavelmente, reduzir as contribuições ao INSS, afetando uma de suas principais fontes de financiamento.

Previdência, Mitos e Verdades — Como a terceirização afeta a arrecadação da Previdência?

Patrícia Pelatieri — A contribuição previdenciária está diretamente ligada à qualidade do posto de trabalho. A questão do mercado de trabalho tem relação com a arrecadação da Previdência e com as condições de vida do futuro beneficiário, do futuro aposentado, porque a contribuição é feita sobre a folha de pagamento, tanto a do empregador quanto a do empregado. Quando o posto de trabalho é melhor estruturado, tem melhores condições, salários mais altos, a contribuição para a o INSS é maior, porque ela é um percentual sobre o salário.

Há dados concretos sobre os efeitos da terceirização no mercado de trabalho?

A terceirização não é uma novidade no mercado de trabalho brasileiro, ela existe há décadas. Assim, já temos um histórico do que acontece com os postos terceirizados e reunimos esses dados em um estudo feito pelo Dieese com a CUT em 2011 e atualizado em 2015. Lá atrás, a terceirização foi defendida com a mesma conversa de hoje: geraria postos de trabalho, era uma questão de especialização das funções, aumentaria produtividade. Mas o que aconteceu no Brasil — e os dados do estudo mostram isso — é que todos os setores que foram terceirizados, os setores-meio (alimentação, segurança, asseio), têm baixos salários e piores condições de trabalho. Dentro de uma mesma empresa, o trabalhador primeirizado tem melhores condições do que o terceirizado, na comparação entre todos os postos de trabalho em uma ou outra condição. Quando a gente compara o mesmo posto, primeirizado e terceirizado, aí as diferenças são ainda maiores.

As categorias majoritariamente terceirizadas ganham menos, têm jornadas maiores e piores condições. Então, olhando nosso processo, o que a gente pode inferir é que a possibilidade de terceirização sem fronteiras, aprovada ontem (22), vai levar a uma precarização dos postos de trabalho. E isso afeta diretamente a arrecadação previdenciária porque significa menores salários, menores contribuições e, portanto, menor arrecadação. E maior dificuldade de se aposentar, porque a taxa de rotatividade do trabalhador terceirizado também é mais alta do que a do primeirizado, que já é alta.

A terceirização reduz, também, o poder de negociação dos trabalhadores…

Se a gente olhar do ponto de vista da representação sindical, uma terceirização sem limites significa uma fragmentação ainda mais severa da representação sindical. A consequência disso é enfraquecer o poder de negociação. Na relação capital-trabalho, o capital já está em uma posição privilegiada, de maior força. A força que tem o trabalho é a força de sua organização. Quando se fragmenta essa organização, perde-se força e condições de negociar em termos menos desiguais. Associa-se a terceirização à proposta de reforma trabalhista, que vai privilegiar o negociado sobre o legislado… O que nós teremos é uma terra arrasada em termos de estruturação do mercado de trabalho. E este retrocesso muito forte, quando há retrocessos fortes assim, pela nossa experiência, a retomada leva muito tempo. Não que ela não possa vir, mas leva muito tempo. Teremos gerações pela frente que vão viver essas consequências.

Comments (1)

  1. Senhores,
    Mesmo com as alegadas boas intenções politicas e apesar das observações mais otimistas… O jogo entre as equipes da TERCEIRIZAÇÃO X PREVIDÊNCIA SOCIAL, não vai trazer nem produzir beneficio nesse país…
    – É apenas um jogo pra cumprir tabela… Vamos perder mais uma vez… Só não ver quem não quer.

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