Protesto contra a Reforma da Previdência foi maior que o anticorrupção, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

As manifestações contra corrupção e de apoio à Operação Lava Jato, deste domingo (26), convocadas pelos movimentos que defenderam o impeachment foram menores que os protestos contra a Reforma da Previdência, ocorridos no dia 15 de março. A Polícia Militar e institutos de pesquisa não fizeram estimativas em ambos, mas jornalistas e pesquisadores que estiveram nas duas ressaltam a diferença. E a menos que apareça um fato novo, a tendência é que essa diferença aumente ainda mais.

O combate à corrupção segue sendo fundamental. Talvez mais do que nunca, uma vez que as cúpulas do governo federal e do Congresso Nacional (envolvidas até o pescoço em denúncias e delações) oferecem a redução de direitos trabalhistas e previdenciários em troca de apoio de parte da elite econômica para a sua permanência no poder.

Com a sensação de dever cumprido, muita gente voltou à sua vida normal porque comprou o discurso de que bastava derrubar uma presidente ruim que o resto se ajeitava sozinho. Mas não se ajeita tão simplesmente, porque o problema não são os atores, mas o sistema. E o sistema, que já é velho, segue livre para cometer barbaridades, muitas das quais só se farão sentir daqui a alguns anos.

A PEC do Teto, que congela novos investimentos em áreas como educação e saúde públicas pelos próximo 20 anos, passou com certa facilidade. Afinal, era um tema complexo e com impactos no longo prazo. A aprovação da ampliação da terceirização legal contou com mais reclamações por parte da população que teme ver seu emprego precarizado e direitos subtraídos. Já a Reforma da Previdência tem acendido a luz amarela de muita gente. Afinal, todo mundo sabe o que é uma aposentadoria.

A situação mudou. Parte da classe média e dos mais pobres perceberam que a fatura da crise vai cair, prioritariamente, em seu colo. Em páginas dos movimentos que se destacaram no impeachment, seguidores pertencentes criticam seus líderes por defenderem a Reforma da Previdência da forma como está no Congresso Nacional.

Ao mesmo tempo, trabalhadores rurais do interior do país – que, hoje, se aposentam com 60 anos (homens) e 55 anos (mulheres) e 15 anos de comprovação de trabalho e passarão, de acordo com a proposta de Temer, a 65 anos (para ambos) e 25 anos de contribuição –  passaram a reclamar com seus deputados federais e senadores.

Havia cartazes na avenida Paulista contra a Reforma da Previdência neste domingo (26). E o protesto do dia 15 de março teve um caráter diferente dos convocados contra o impeachment ou o governo Michel Temer.

Lula estava por lá, mas nem todos estavam lá para ouvi-lo ou mesmo prestaram atenção a seu discurso. De professores das redes pública e privada, passando por estudantes do ensino médio e universitários, grupos e coletivos feministas, representantes do movimento negro, defensores da mobilidade urbana, famílias que lutam por terra e moradia até pessoas que estiveram nos protestos pela queda de Dilma e são abertamente antipetistas, a diversidade mostrava que uma parcela mais ampla da sociedade começou a entender que será diretamente afetada.

À medida em que informação flui, as pessoas estão mais preocupadas com seu futuro. Sabem que reformas precisam ser feitas, mas discordam da forma como a proposta está sendo discutida, ou do prazo de transição de modelo, ou da intensidade da mudança, ou das categorias privilegiadas e imunes, ou da diferença do sacrifício de pobres e ricos para manter o sistema de Seguridade Social funcionando.

Por que uma Reforma da Previdência antes de uma Reforma Tributária (que combata injustiças sociais)? Ou uma Reforma Trabalhista antes de uma Reforma Sindical? Ou qualquer coisa antes de uma Reforma Política de verdade?

Discordo das análises que afirmam que a participação reduzida deste domingo mostra que os movimentos pró-impeachment agora vão desaparecer. Pelo contrário, derrubada a presidente, eles devem continuar a representar grupos à direita. Em número bem menor do que a catarse do impeachment – momento que não foi produzido por eles, mas para o qual colaboraram.

Cabe agora a outros movimentos sociais, tradicionais ou novos, que possuem entre suas pautas a crítica a um Estado mínimo, que continue indo às ruas e dê visibilidade à voz dos milhões de descontentes, de diferentes matizes políticos, ideológicos e partidários. Muita gente quer um Brasil que garanta bem-estar social e priorize os mais vulneráveis. Resta saber se atenderão ao chamado das mobilizações contra as reformas da forma que estão sendo colocadas. Ou, pelo menos, demonstrarão seu descontentamento via redes sociais e em pesquisas de opinião.

Há quem diga que o Brasil não aguenta outra convulsão e é melhor deixar tudo como está. Prefiro acreditar que, pelo contrário, não são convulsões. São ensaios. E, um dia, o povo – aquele que não foi às ruas nem pró, nem contra o impeachment, e assistiu a tudo pela TV, bestializado, decidirá ser protagonista de sua própria história.

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