Vila Autódromo está realizando sua vocação como modelo de resistência

No dia 14 de março, o RioOnWatch visitou a Vila Autódromo, comunidade que ficou conhecida em toda a cidade e ao redor do mundo durante a sua luta determinada contra as remoções supostamente devidas à sua proximidade ao Parque Olímpico Rio 2016. Os moradores que lutaram até o fim foram finalmente autorizados a estabelecer-se em novas moradias construídas no local, e continuam bem organizados, agora prontos para receber–e inspirar–visitantes

Phie van Rompu – RioOnWatch

Após anos de luta comunitária contra as remoções, uma rua larga de asfalto com moradias brancas idênticas, construídas pelo governo para abrigar 20 famílias, é o que resta na terra antes ocupada pela comunidade vibrante da Vila Autódromo, originalmente com 700 famílias.

A primeira casa na rua, agora chamada Rua Vila Autódromo, é onde mora Sueli, que imediatamente contou que as remoções lhe afetaram financeiramente, bem como socialmente: “Eu morava em uma casa duas vezes maior do que esta, onde também funcionava o meu restaurante e serviço de bufê”. Com um espírito resiliente, ela e seus vizinhos estão adaptando as suas unidades idênticas fornecidas pelo governo para atender às suas necessidades e gostos. A parte da frente da sua casa servirá como um novo restaurante.

Sandra Maria, moradora e ativista, guia o grupo pela rua e aponta a má qualidade de construção do governo: “esperávamos que ao ter ruas pavimentadas, não teríamos poças d’água durante a chuva”, que são locais de reprodução de mosquitos, aumentando assim os riscos de infecção.

Apontando para o estacionamento de cascalho sem uso ao redor da Rua Vila Autódromo, onde casas foram removidas para “dar lugar” ao Parque Olímpico, Sandra explica que a área abandonada “ilustra o mecanismo do governo de expulsar moradores e depois abandonar os lugares, finalmente transferindo as áreas para o capital“. Uma das alegações feitas historicamente pela prefeitura para remover os moradores da comunidade está arraigada no discurso ambiental, embora “as árvores tenham sido as primeiras coisas derrubadas [pela prefeitura] durante as remoções”. A prefeitura efetivamente converteu uma comunidade com muitas árvores e moradia para mais de 3000 pessoas em um estacionamento abandonado.

Como resultado, um dos principais esforços atuais da comunidade é reflorestar a Vila Autódromo. Sandra explica que quando as Olimpíadas vieram “tudo era uma selva de concreto: ruas pavimentadas e algumas casas brancas”. Como consequência, os membros da comunidade têm trabalhado muito para plantar árvores e abrir um pequeno parque infantil no terreno de cascalho.

Preservando Memórias

Após visitar as casas e virar a única esquina da rua, chegamos à Igreja São José Operário, a única construção original autorizada a permanecer, graças aos esforços da comunidade. Como a igreja era uma estrutura estabelecida ao lado da rua onde as casas foram reconstruídas, não seria difícil mantê-la.  Isto, juntamente com os dois murais afrescos, recentemente pintados graças a uma iniciativa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ajudou a fortalecer a reivindicação dos moradores de manter a igreja.

A igreja teve um papel crucial no movimento de resistência da Vila Autódromo e continua tendo, proporcionando aos moradores remanescentes um ponto de referência para ligar o espaço atual com o local original. A igreja, construída pelos moradores, sempre manteve as suas portas abertas, mantendo-se firme durante as remoções, sediando reuniões comunitárias e até oferecendo abrigo temporário para a ativista comunitária Maria da Penha, quando foi retirada da sua casa devido ao decreto de desapropriação, mas que apesar disso recusou-se a negociar indenização.

De acordo com Penha, a igreja continua a permitir que recebam grupos, incluindo universidades, ativistas, jornalistas e ONGs que vem aprender com os membros da comunidade sobre os seus esforços de resistência.

Estes esforços de resistência se uniram e contribuíram para a criação do Museu das Remoções no último mês de maio. O Museu das Remoções tornou-se a ferramenta de organização pós-Olímpica primária da Vila Autódromo. Embora toda a terra original da comunidade esteja contemplada neste museu ao ar livre, ele também inclui inúmeros arquivos que guardam a memória da comunidade sob diversas formas. Atualmente, a casa da Penha foi convertida em um espaço temporário de exposição com fotografias e outros materiais.

Modelo em Uma Luta Global

Aquelas vinte famílias que resistiram às provações e tribulações do processo de remoções pré-Olímpicas acreditam que agora estão livres de ameaças futuras. Continuam enfatizando que a área foi decretada uma Área de Especial Interesse Social para Habitação (AEIS) de acordo com a Lei Municipal 74/2005, e que receberam titulação por 99 anos do governo estadual. No entanto, a prefeitura ainda não forneceu os papeis formais prometidos reconhecendo a propriedade das novas casas. Nem completou a infraestrutura restante prometida à comunidade.

Dito isso, ainda mais enfatizada por Penha e Sandra é a natureza global da sua luta, e a sua disponibilidade para apoiar ativistas em outros lugares. De acordo com a Penha, “não acabou… é uma luta contínua no mundo inteiro, e através das redes globais e usando as mídias sociais podemos levar a história para os outros”. Sandra foi convidada a participar da Conferência Habitat no Equador, enquanto Penha viajou com a Anistia Internacional para Washington e às Nações Unidas na Suíça para prestar depoimentos.

Usando as mídias sociais e o seu conhecimento íntimo das estratégias de resistência, e com a ajuda da rede de outras comunidades, os moradores remanescentes da Vila Autódromo procuram mobilizar os outros: “recebemos e-mails, vídeos e visitas de comunidades ao redor do mundo… Com o nosso conhecimento agora podemos ajudar aos outros… Agora estamos compartilhando materiais com Tóquio onde as próximas Olimpíadas acontecerão”, Penha explica.

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