O desafio da escola no enfrentamento ao racismo é olhar para si mesma

Por Viviana Santiago, no Palavra de Preta

A escola é um importante espaço de socialização. Crianças e adolescentes estão na escola durante parte considerável de seu dia, e muitas vezes as pessoas da escola são aquelas com quem vão estar em relação próxima por mais tempo durante a semana;  na escola são construídas relações, acessadas noções e desenvolvem-se conceitos e auto-conceitos, é um dos espaços mais importantes da vida de crianças e adolescentes. Reconhecendo a  importância desse espaço para a constituição de cada menina e menino nos propomos aqui a pensar em como essa escola pode sim estar alinhada com a luta anti-racista.

É preciso ter a noção que todas as dinâmicas do ambiente escolar são educativas. Têm a capacidade de mediar a relação entre as crianças e adolescentes e o mundo.  Aqui não estamos falando apenas da sala de aula, falamos do momento do recreio, de quem pode caminhar livremente durante o intervalo, quem utiliza a quadra de esportes, quem frequenta a sala da coordenação ouvindo reclamações? A escola é um tempo-espaço composto por uma multiplicidade de atrizes num tempo-espaço-relações que preenchem a vida e percepções de todas as crianças e adolescentes ali presentes.

Uma dinâmica escolar baseada em práticas discriminatórias, na intolerância à diversidade racial e étnica,  na continuidade de divulgação de rótulos discriminatórios expõe educandos/as negras/os a um permanente conflito entre assumir e negar sua identidade negra.

Desafia-se então a cada profissional que atua na escola se revisite e busque identificar que expectativas têm em relação as/aos estudantes?? Esperam o mesmo desempenho e se importam da mesa forma com a aprendizagem de crianças e adolescentes  brancas e negras? Expressam seu afeto da mesma forma? Para quem são oferecidas as oportunidades de aprimoramento escolar?

Os relatórios de análise dos fatores associados ao desempenho em língua portuguesa e matemática apresentam  a cor/raça de estudantes como um dos fatores que influenciam o desempenho escolar,  sintetiza experiências de vida que impactam o desempenho dos alunos.

Precisamos então que se possa identificar as  percepções étnico-raciais apresentada por cada atriz e ator da dinâmica escolar e a partir daí buscar a construção de uma representação plural, diversa que reitere a singularidade e o valor de cada segmento étnico-racial presente na escola atuando assim nas concepções de crianças e adolescentes negras/os e não-negras/os.

O currículo escolar anti-racista é aquele que indo para além do eurocentrismo apresenta uma história humana que não posiciona apenas  Europa como centro do conhecimento, fazendo um epistemicídio com toda a contribuição dos povos negros e indígenas na história; mas que respeita o desenvolvimento de todos os povos e aponta para um conhecimento de África que possibilite as crianças entender que África não nasce com a escravidão nem ali se encerra, mas sim perceber uma África positiva, viva e com uma história interligada a própria história da Humanidade.

E o que dizer dos livros didáticos e na maneira como a população negra está representada? Que lugares essas pessoas ocupam? Como estão as representações? As imagens reiteram um padrão de representação animalizado e/ou chamam a atenção para um comportamento insolente, irreverente ou diabólico? Ou traduzem pessoas negras ocupando todos os espaços da sociedade, representadas em humanidade e dignidade?

Como a prática pedagógica representa atos heroicos? Quem os pratica? Homens? Brancos?

A beleza também é ensinada na escola, quando escolhemos os elementos da ambiência, quando a presença negra aparece? Somente no 20 de novembro e as vezes nem isso? Quem são as mulheres e homens que utilizamos para representar a beleza do dia das mães? Como representamos as/os profissionais nas/os quais as crianças devem se inspirar? Quem são os modelos de carreira?

O racismo presente na escola impacta a construção da subjetividade de todas as crianças e adolescentes, é profundamente perverso para todas as crianças negras  crescer acreditando-se inferior, e a certeza da superioridade sobra a outra e sobre o outro, estabelecida para as crianças brancas,  também é uma percepção de si mesmo problemática e que orienta a  constituição de modos de se relacionar pautador em exercício de dominação.

O engajamento da escola na luta antirracista é possível, e exige a revisita de todos os seus espaços, dinâmicas e processos, exige que educadoras e educadores reconheçam o impacto da socialização racista na vida de crianças brancas e negras e que atuem de maneira a promover o afastamento dos estereótipos raciais incidindo para uma vivência de cidadania plena que permita a todas as pessoas na escola viverem plenamente sua humanidade e desenvolverem completamente seus potenciais.

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