Mulheres negras nos espaços de liderança: o racismo que ninguém quer ver

Por Viviana Santiago para o Palavra de Preta

“Macaca fedorenta, volta pra senzala, seu lugar não é ai”, essas palavras de ódio fora enviadas anonimamente há alguns anos atrás a uma mulher negra brasileira , na época ocupando um cargo de superintendência num governo municipal;

‘Na sociedade machista mulheres enfrentarão toda a sorte de barreiras para exercerem o poder, numa sociedade machista e racista mulheres negras serão fortemente impedidas: humilhadas,ridicularizadas, violentadas ao tentar fazê-lo.

A discussão acerca do empoderamento de mulheres não pode se furtar a uma análise interseccional, que possibilitará o reconhecimento de que numa sociedade racista , mulheres negras enfrentarão dificuldades inomináveis somente pelo fato de serem negras.

O Brasil é um país racista, com longo período de escravidão, um processo abolicionista perverso que se constituiu na verdade de descarte de mão de obra e não elevou a população negra ao status de cidadania. com severas dificuldades de reconhecer os impactos do racismo , mascara a perversidade da escravidão no mito da democracia racial,  mas na prática “demoniza” os saberes tradicionais e invisibiliza a contribuição africana para a construção do país.

Na população os efeitos são de um racismo que se pensa velado, mas que explicitamente impõe uma subcidadania e existência como regra para a população negra; precisamos ser realistas e admitir  que embora quase ninguém nesse país se reconheça racista, a maioria fica muito feliz quando o bebê que chega é clarinho, quando o genro ou a nora não tem a pele escura e quando se pode falar livremente pro filho tomar banho porque tá com cheiro de nêgo. Dificilmente reconhecemos a capacidade produtiva de pessoas negras, e para sermos francas a maioria espera que aquela moça negra na sala de reunião, seja a tia do café

O últimos anos foram pródigos em exemplos de como a sociedade racista trata as mulheres negras em espaços de liderança e poder. Ouvimos as duras vivências de mulheres negras ministras, senadoras, deputadas, secretárias políticas, se analisarmos os estudos acerca de racismo institucional, veremos que não importa o posto de trabalho: mulheres negras enfrentaram e enfrentarão uma violenta resistência à sua presença em espaços de liderança, por serem mulheres e principalmente por sere negras.

Quando vamos começar a falar sobre isso?

Pensar um mundo melhor para as mulheres,  não será possível sem pensarmos no Brasil racista na questão racial, mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres ciganas, todas nós somos cotidianamente violentadas e o lugar da liderança não aceita e se debate contra a nossa presença.

As mulheres negras em espaços e cargos de liderança nos governos escutam ameaças, são ridicularizadas e explicitamente afrontadas por serem negras;  companheiras dos setores privados têm diariamente suas idéias roubadas, sua presença invisibilizada e transformada em algo desnecessário, seu saber é colocado no lugar-comum superfçuo e descrtado, e isso por serem negras. E como sabemos que a questão racial é o que está pesando?

Pelo silêncio.

As mulheres negras nos lugares de liderança estão adoecendo e estão literalmente morrendo. assim mesmo as suas histórias com a violência não ressoam, são descredibilizadas, retiradas do lugar da importância e silenciadas. responda sinceramente: Quem se importa quando uma mulher negra é violentada?

Ninguém se importa.

Pelo fato de serem negras, essas mulheres tem sua vozes e histórias de violência silenciadas, têm uma existência regida pela lógica do “pelo menos” e da esperada “gratidão”: Para as mulheres negras, as coisas sempre chegam pela metade e ainda assim elas tem o dever de abaixar a cabeça e agradecer: Não recebem o mesmo salário nem do homem branco nem da mulher branca que esteve antes dela, mas pelo menos estão no cargo, deviam ser gratas por isso! Não recebem o suporte necessário para desenvolverem suas práticas e a seu fazer não é tão levado a sério, mas pelo menos estão trabalhando né? deviam agradecer por isso. 

Lidam com uma descredibilidade intencionalmente construída por quem se recusa a lidar com sua autoridade e capacidade de liderar, todos os dias se deparam  uma terceirização infantilizada de suas falas e um apagamento de sua contribuição, quantas mulheres negras foram responsáveis por projetos e práticas hoje institucionalizadas nos mais diversos setores e cuja autoria lhes foi negada?

A trajetória das mulheres não é única e precisamos evidenciar a violência racial que acompanha as mulheres negras nos espaços de poder, identificar as especificidades vivenciadas pelas mulheres possibilita sua emancipação, o contrário garante o agravamento das desigualdades. O problema do poder no Brasil e no mundo não é um problema apenas de gênero, somos uma sociedade de múltiplas formas de discriminar, e aqui estou me detendo a uma causa raiz da desigualdade no Brasil, a racial, sem o  enfrentamento do racismo em suas mais variadas expressões e principalmente do racismo institucional.

Para nós mulheres negras nesses espaços o desafio é o do auto cuidado e compaixão. É entendermos que apesar da sociedade racista nos dizer que não importamos, nós temos valor, somos competentes, somos capazes, que nossas vidas de mulheres negras  sim importam. Precisamos  aprender a respirar, a sobretudo expirar lentamente, regulando nossas emoções, Que tenhamos renovada a capacidade de  encontrar  espaços seguros onde possamos chorar nossas dores e também celebrar e ter celebrados nossos triunfos, é tentar entender que lutamos todos os dias, mas para continuarmos vivas,precisamos cuidar de nós mesmas,  e assim dia a dia, nessa mistura de luta e autocuidado, construiremos e reconstruiremos nossa existência em espaços de poder e teremos mais perto de nós mesmas o nosso bem-viver,  sobrevivendo e aprendo a viver melhor

Não existe a possibilidade de  construção de um mundo justo para as mulheres, sem considerar o impacto do racismo que nos mata a nós mulheres negras dia à dia,  Ao deixar de lado a análise da dimensão racial estaremos deixando mais uma vez todas as mulheres negras para trás, e até quando se fecharão os olhos para isso?

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