Mesmo com “surpresinha” de relator, trabalhador rural pode não se aposentar, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

O relator da Reforma da Previdência, Arthur Maia (PPS-BA), amenizou a proposta do governo federal para a aposentadoria rural em seu relatório, apresentado nesta quarta (19). Mas as mudanças não beneficiam os trabalhadores do campo como está sendo alardeado por parlamentares – temerosos com as eleições do ano que vem.

O governo federal colocou um bode na sala chamado ”65 anos de idade mínima para ambos os gêneros e 25 anos de contribuição” e afirmou que isso valeria para trabalhadores da cidade e do campo – quando, hoje, são necessários 60 anos (homens) e 55 (mulheres) para a aposentadoria rural.

Arthur Maia chamou de ”surpresinha” de seu relatório a manutenção da idade de 60 anos para homens e o aumento para 57 para mulheres. E sugeriu 15 anos de contribuição para alcançar a aposentadoria.

Mas 15 anos de comprovação de trabalho (regra que vale hoje) não são 15 anos de contribuição.

É necessário que você demonstre, atualmente, que trabalhou durante esse período em atividades da economia familiar rural através de uma série de documentos que servem de início de prova material. Hoje, o trabalhador rural contribui com a Previdência através de uma alíquota de 2,1% recolhida no momento da venda de sua produção. Ou seja, ao final da pesca, da safra, da coleta. E quando todos os adultos de uma família trabalham juntos em sua produção, todos podem pleitear a aposentadoria.

Se aprovada a proposta do relator, será necessário contribuir por 15 anos ininterruptos. Isso significa 180 pagamentos mensais para uma categoria de trabalhador que muitas vezes não tem renda mensal, depende da imprevisibilidade do clima, para garantir seu sustento, e da natureza, para que a plantação termine em lucro e não em prejuízo. Além disso, os pagamentos terão que ser individuais – ou seja, cada membro adulto da família pagando sua contribuição.

Enquadram-se nessa categoria pequenos produtores rurais, seringueiros, pequenos extrativistas vegetais (como catadoras de babaçu), pescadores artesanais, marisqueiros, entre outros. Ou seja, o pessoal que bota a comida em nossa mesa ou garante, através de seu suor a produção de commodities utilizadas para a produção de alimentos industrializados, vestuário, energia, veículos.

Flavio Tonelli Vaz, assessor técnico da Câmara dos Deputados, explica que o relatório manteve os 25 anos de contribuição para os trabalhadores assalariados rurais. Ou seja, cortadores de cana, produtores de carvão, colhedores, limpadores de pasto, que prestam serviço em produções que não são suas.

Esse grupo, vulnerável, terá mais dificuldade de se aposentar considerando que não permanecem tempo suficiente em um emprego para garantir 12 contribuições mensais por ano.

De acordo com cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) feitos em cima de dados do IBGE, o Brasil contava com cerca de 14 milhões de trabalhadores no campo em 2013, sendo 4 milhões trabalhando por conta própria, 4,2 milhões para consumo próprio, 1,6 milhão de empregados com carteira assinada e 2,4 milhão de empregados sem carteira assinada.

Os assalariados que são empurrados de emprego em emprego, muitos sem carteira assinada, levarão mais tempo que os 25 anos para se aposentar. O mesmo Dieese afirma que, em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano, considerando a somatória dos universos urbano e rural. Porque a rotatividade do mercado de trabalho e a informalidade são grandes. Ou seja, para cumprir 15 anos, considerando essa média de nove meses de contribuição a cada 12, uma pessoa precisa, na prática, de 19,8 anos para se aposentar. Subindo para 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo terá que ser de 33 anos.

Considerando que muitas dos trabalhadores rurais começam a trabalhar antes mesmo da idade mínima de 14 anos prevista por lei (como aprendiz) e, aos 18, já estavam sob trabalho braçal pesado. Quando chegam aos 60, portanto, sobra deles apenas o bagaço. Bagaço que pode ter dificuldade de parar de trabalhar nessa idade, por não ter contribuído o suficiente – verdadeira ”surpresinha” do relator.

Regra de transição – A regra de transição também complica a vida do trabalhador rural da economia familiar (15 anos de contribuição) e do trabalhador rural assalariado (25 anos de contribuição).

Para a economia familiar, será contado o tempo comprovado de trabalho até a aprovação da lei – sob as mesmas regras antigas. A partir da aprovação da emenda constitucional e de sua regulamentação, o trabalhador terá que contribuir mensalmente até requerer seu benefício aos 60/57 anos. Sendo que ele ou ela terá que provar que estava trabalhando no campo nos três anos anteriores à solicitação da aposentadoria.

Nesse sentido, a proposta entregue pelo relator afirma que o Congresso Nacional tem dois anos para aprovar uma regra regulamentando a aposentadoria rural. Caso contrário, passa a valer a cobrança de contribuição equivalente a 5% do salário mínimo por pessoa na família.

Já para o trabalhador assalariado, de acordo com as regras propostas, se faltar três anos para ele alcançar os 15 anos de contribuição após a aprovação da Reforma da Previdência, ele poderá se aposentar com esse tempo. Se demandar mais que isso, verá aumentado seis meses de contribuição a cada ano que faltar para se aposentar. Tempo que vai aumentando até chegar aos 25 anos de mínimo.

”A forma de contribuição é o fator determinante de inclusão ou a exclusão social do trabalhador rural na Reforma da Previdência”, afirma Evandro José Morello, assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). ”Agricultor familiar não tem salário, não tem renda mensal, depende de sazonalidade.” Ele defende que o tempo de trabalho continue contando e que os recolhimento continue sendo feito na venda da produção. Para tanto, o governo deveria fortalecer o mercado formal de produtos agropecuários e extrativistas da economia familiar.

Mas há muitos buracos possíveis. Há pequenos produtores que ficam anos sem vender produção ou mesmo sem conseguir produzir por conta dos ciclos de seca do Semi-árido. Dependendo de quanto tempo ficar fora, ele pode prejudicar a contagem de tempo para a aposentadoria.

Na prática, muitos trabalhadores terão que esperar até os 68 anos de idade mínima para pedir o Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido a pessoas idosas de baixa renda. Lembrando que essa idade é a sugestão do relator – o governo federal sugeriu subir de 65 (idade atual para pedir o BPC) para 70 anos.

De acordo com Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador da rede Plataforma Política Social, a proposta de aumentar a idade do acesso ao BPC  é uma confissão do governo federal de que a Reforma da Previdência é excludente.  Segundo ele, sabendo que milhões não conseguirão se aposentar e terão que pedir o benefício assistencial para idosos pobres, o governo aumenta a idade para evitar um colapso do sistema.

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