Sexta de crônicas: Cerrado, Morte anunciada

Mais uma vez, um alerta vermelho dos cientistas: estamos cometendo um crime, levando nosso cerrado à extinção. Destruindo o chão de nossos netos e bisnetos.

Maria José Silveira*, Opera Mundi

Ainda existem saídas, mas se não mudarmos alguma coisa, em breve elas se fecharão. A morte do cerrado será irreversível.

Dessa vez, o alerta veio de um grupo de pesquisadores, coordenados por Bernardo Strassburg, do Centro de Ciências de Conservação e Sustentabilidade, da PUC-Rio.

Vejam agora a responsabilidade que nós, goianos, querendo ou não, temos: nossa morada, o imenso planalto central no coração do país, assenta-se sobre uma das rochas mais antigas do planeta. Nossa vegetação, a mais antiga do mundo, tem 4, 8 mil espécies de plantas e vertebrados, e abriga três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul. Mas se a taxa de desmatamento atual continuar, cerca de 480 espécies de planta podem desaparecer até 2050, o que seria, segundo os especialistas, “mais de três vezes todas as extinções de plantas documentadas desde 1500.” E se as plantas desaparecerem, desaparecerão também animais e, pior, a produção das bacias hidrográficas ficará comprometida.

O biólogo Rafael Loyola, da Universidade Federal de Goiás, avisa: “É muito mais do que só perder planta, é perder água, agravar crises hídricas como a que hoje atinge o Distrito Federal”. Sim, já começou a acontecer, já está acontecendo. Logo mais, pode começar a prejudicar diretamente (ó ironia!) nosso famoso agronegócio, responsável pela maior parte do desmatamento. É o chamado círculo vicioso: o desmatamento acaba comprometendo a própria atividade produtiva que o motivou.

Esse, o miserável cenário que estamos em vias de legar para os que estarão vivos em 2050.

Mas ainda pode ter uma saída. Logo mais, não vai ter. É o que o estudo mostra, fazendo propostas concretas de políticas públicas mais inteligentes e possíveis para evitar a destruição, mesmo sem prejudicar a expansão do agronegócio (podem respirar aliviados!).

Será que nossas autoridades tomarão conhecimento desse estudo, publicado recentemente na revista Nature and Evolution? Darão atenção às sugestões dos que estudam o assunto? Mudarão o rumo da destruição antes que ela seja irreversível, e hoje ainda está em suas mãos?  (Atentaram para a urgência do “hoje ainda”?)

No meu romance, “Guerra no coração do cerrado”, sobre as jornadas da índia Damiana da Cunha por um cerrado que, embora já tão destruído e diferente, continua a ser o nosso, escrevo que suas árvores fortes, tortuosas, e tão antigas “talvez sejam como guardiãs do âmago do ser árvore. Não é fácil guardar coisa tão preciosa por tanta antiguidade. Talvez, por isso, se retorçam assim. Para conservar o sumo. Concentrar a essência das árvores. Não deixá-las morrer.”

Será que acabaremos destruindo, sem dó nem piedade, essa preciosidade que está em nossas mãos?

O tempo é um raio que passa e nos leva junto. Enquanto as decisões certas não forem tomadas, não é para um lugar muito bom que ele estará levando todos os netos e bisnetos não só nossos, reles mortais, como também os dos donos dos agronegócios, políticos e impolutas autoridades.

*Colaboradora de Diálogos do Sul.

Enviado para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

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