Nota da Ansef em repúdio ao bárbaro crime contra o Povo Gamela

A Associação Nacional dos Servidores da Funai – Ansef, vem manifestar seu repúdio ao Crime bárbaro promovido no dia 30 de abril de 2017 contra o Povo Gamela, no povoado de Bahias, em Viana/MA. Conforme já noticiado na grande imprensa e nas redes sociais1, o ataque contra o Povo Gamela alcança dimensões impensáveis em tempos em que os direitos humanos estão garantidos na Constituição Federal de 1988 e em acordos internacionais.

É desconhecido pela sociedade brasileira, em geral, o sistemático ataque e assassinato de lideranças indígenas, ocorrências que nem chegam ao noticiário nacional, como se não merecessem destaque, como se o extermínio de indígenas não interessasse a ninguém, como se não fossem seres humanos. Eles também são cidadãos brasileiros merecedores dos mesmos direitos garantidos pela legislação à população brasileira. Da mesma forma ocorre com os trabalhadores do campo ou com a juventude majoritariamente negra das periferias, parcelas da população brasileira que convivem diariamente com o arbítrio, com a violência, a discriminação e o desprezo social.

A contundência do massacre ocorrido em 30 de abril de 2017 impede o silêncio e a indiferença. Os agressores (Agricultores? Pistoleiros?), em desvario, chegaram ao requinte de tentar decepar mãos de um dos índios Gamela, expondo-nos um quadro de dramático retorno à barbárie dos colonizadores que se davam ao direito de assim castigar negros e indígenas submetidos à escravidão. Há inclusive indícios, já entregues às autoridades, de que a violenta ação contra o Povo Gamela foi instigada através das rádios locais, contando com a fala pública de deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho, segundo fontes do CIMI2. Graças à ação de organizações indígenas e indigenistas, que alardearam o ocorrido nas redes sociais, os órgãos de segurança do estado do Maranhão e o Estado brasileiro foram provocados. A sociedade mais uma vez mobiliza-se para que a informação venha a público e que os responsáveis sejam punidos.

Em resposta, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), sem consultar a Funai, manifestou-se, cometendo a infelicidade de colocar em dúvida a identidade dos indivíduos atacados (como se tal informação pudesse atenuar de alguma forma a barbárie ocorrida), referindo-se aos mesmos como “supostos indígenas”. Manifestação infeliz, logo corrigida.

Agindo assim, o senhor Ministro da Justiça incorreu no grave erro de influenciar de forma negativa a opinião pública em tempos já tão ameaçadores para as políticas públicas indigenistas garantidas na legislação vigente, para o próprio Órgão Indigenista e, consequentemente, para os Povos Indígenas. Cabe lembrar ao Ministro que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, reconhece o critério fundamental da autoidentificação dos povos.

Tivesse o senhor Ministro da Justiça ouvido a Funai, ficaria sabendo que a existência dos índios Gamela está claramente registrada no relatório de 1819 (publicado no Jornal do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em 18413 – pag. 193), conforme transcrição do trecho abaixo:

A Funai, provocada pelos indígenas Gamela, organizou em 2016 a qualificação de reivindicação da demanda territorial na região. Técnicos da Coordenação Regional da Funai, com sede em Imperatriz– MA, estiveram no território reivindicado pelos Povo Gamela, com base em Carta de Doação da Coroa Portuguesa, acima referida, e encaminharam à Funai-Sede seu relatório preliminar, confirmando as condições da tradicionalidade do território em questão, para posterior estudos de identificação territorial, infelizmente ainda não concluídos, pois a Instituição encontra-se pressionada pela falta de recursos humanos e orçamentários.

É muito importante que registremos aqui o atual processo de enfraquecimento do Órgão Indigenista, que se configura na redução drástica orçamentária e no seu quadro de pessoal, situação que favorece a falta de proteção dos povos indígenas em geral, expondo-os à barbárie.

Cabe a pergunta: até quando o Estado brasileiro permitirá este quadro de enfraquecimento da Funai e de risco à vida dos povos indígenas?

Os servidores da Funai denunciam, por meio da presente nota, o risco de que se arrefeça o combate e, por omissão das autoridades, se permita o retorno de práticas que configuram um genocídio que nunca se estancou, ao longo dos 517 anos da nação brasileira, mas que chega agora a uma situação inaceitável, como um basta contundente.

Que a brutalidade simbolizada pela tentativa de mutilação sofrida pelo Povo Gamela nos baste como alerta!

1 Vide Nota de Repúdio do Conselho Indigenista Missionário – CIMI (http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=9249&action=read); da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN (https://racismoambiental.net.br/2017/05/02/nota-da-federacao-das-organizacoes-indigenas-do-rio-negro-foirn-sobre-o-massacre-do-povo-gamela-no-maranhao-ocorrida-no-dia-3004/), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB (https://racismoambiental.net.br/2017/05/02/nota-da-articulacao-dos-povos-indigenas-do-brasil-apib-sobre-o-massacre-do-povo-gamela-maranhao/); da Comissão Pastoral da Terra – CPT (https://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes-2/destaque/3750-nota-cpt-maranhao-povo-gamela-sofre-ataque-premeditado-de-fazendeiros-contra-suas-vidas-e-lutas); do Forum Nacional de Educação Escolar Indígena (http://fneei.org/), entre outros.

2.http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=9249&action=read

 

Comments (1)

  1. Para os que não conhecem a história do Maranhão, vale lembrar que os Gamelas vieram do Piaui e emigraram para o Maranhão em 1713. Na Baixada Maranhense eles chegaram em época posterior aos Guajajaras e se deslocaram para as cercanias do lago Cajari. A sua última aldeia estava localizada no lago Capivari, em Penalva, em 1850. Pouco a pouco foram desaparecendo e, em 1936, no Capivari, só restava uma única descendente com algum substrato de cultura indígena, conforme constatou o famoso antropólogo alemão Curt Nimuendaju(autor do livro “The gamella indians”, 1937). Como a FUNAI explica essa ambígua e suspeita aparição?

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