Em busca de “soluções”, governo Temer nomeia general do Exército para presidência da Funai

Por Elaíze Farias, em Amazônia Real

O general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas assumiu interinamente a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), no lugar de Antônio Fernandes Toninho Costa, que foi exonerado nesta sexta-feira (05) do cargo. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da Funai à Amazônia Real. Segundo a assessoria, o general Franklimberg assume a função porque a diretora de Administração e Gestão (Dages), Janice Queiroz de Oliveira, está de licença médica. Pela norma interna da Funai, seria Janice a assumir o cargo de interina.

Indicado pelo PSC (Partido Social Cristão), o general Franklimberg Ribeiro de Freitas assumiu o cargo de diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável no dia 12 de janeiro, mesma data em que Costa foi nomeado para a Funai.

Natural de Manaus (AM), o general era um dos cotados para assumir a presidência do órgão do governo de Michel Temer logo após o impeachment de Dilma Rousseff, mas houve forte resistência do movimento indígena ao seu nome. Um  grupo de indígenas que apoiava sua nomeação divulgava nas redes sociais de que Franklimberg era índio da etnia Mura, mas ele nunca confirmou a informação. À Amazônia Real, ele afirmou que era “descendente de índios”, sem dizer a etnia. Antes de entrar na Funai, Fraklimberg era assessor do Comando Militar da Amazônia (CMA).

 

A nomeação do general de reserva desagradou lideranças indígenas em comentários feitos em grupos da rede social whatsapp na noite desta sexta-feira. Foi o caso de Marcelo Cinta Larga, liderança indígena de Rondônia. “Isso é uma grande preocupação. Não gostamos dessa escolha [do general]. Falamos várias vezes que não queríamos essa pessoa. Gastamos saliva. Eu vejo que está na hora de nós indígenas mostrar para esse governo que somos seres humanos e temos direito de dizer ‘não’. Não aceitamos. Não gostamos dessa nomeação”, disse ele, à Amazônia Real.

Ex-presidente da Funai faz ataques a governo Temer

 

Após sua exoneração, Antônio Fernandes Toninho Costa deu uma entrevista coletiva, quando atacou o governo de Michel Temer e o ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR).

“O ministro Serraglio [Osmar Serraglio (PMDB-PR)] está sendo ministro de uma causa que ele defende no Parlamento [o ruralismo]. E isso é muito ruim na política brasileira, principalmente, para as minorias. Os povos indígenas precisam de um ministro que faça justiça e não um ministro que venha tender para um lado, isso não é papel de ministro.”

Antônio Fernandes Toninho Costa também declarou que “está prestes a instalar-se uma ditadura neste país, uma ditadura que a Funai já está vivendo. Uma ditadura que não permite ao presidente da Funai executar as políticas constitucionais. (…) O governo brasileiro não cumpre o que a Constituição Federal determina”.

O Planalto ainda não se pronunciou a respeito das declarações de Costa: “Não quero entrar nos detalhes das indicações do deputado André Moura (PSC). O governo deu hoje que estou saindo por incompetência. Incompetência é desse governo (de Michel Temer) que quebrou o país e que faz corte de 40% no orçamento da Funai. Incompetente porque é incapaz de convocar os 220 concursados e faz cortes de servidores. Isso é incompetência da Funai? Não! É do governo e cabe a ele responder”, disse Costa aos jornalistas na coletiva.

Defensor da regulamentação da mineração em terra indígena, Antônio Fernandes Toninho Costa ficou quase quatro meses no cargo.

Ao ser chamado de “ruralista” por Antônio Fernandes Toninho Costa, Osmar Serraglio respondeu em nota à imprensa reafirmando que “dada a extrema importância que o governo dá à questão indígena, o órgão necessita de uma atuação mais ágil e eficiente, o que não vinha acontecendo.”

Para Serraglio, “há várias questões que demandam soluções e ações urgentes, como o desbloqueio de rodovias em várias partes do país”.

Mas as “ações urgentes” citadas pelo ministro da Justiça e que, segundo ele, deveriam ter sido solucionadas por Antônio Costa, como apurou a agência Amazônia Real, são as que atendem interesse principalmente da bancada ruralista no Congresso, do agronegócio e da implementação de grandes projetos na Amazônia, como é o caso da liberação da obra do Linhão do Tucuruí, que atravessará 125 quilômetros da Terra Indígena Waimiri Atroari, no norte do Amazonas. Os Waimiri-Atroari já anunciaram que são contra a obra.

Serraglio também cita a necessidade de “desbloqueio de rodovias”, como no caso do quilômetro 25 da rodovia Transamazônica (BR 210), na região de Itaituba (PA), que esteve desde o último dia 26 de abril por um grupo de índios Munduruku.

Serraglio quer acelerar obras do Linhão do Tucuruí

 

Ao dizer que o “órgão necessita de uma atuação mais ágil e eficiente, o que não vinha acontecendo”, Serraglio indica que para o governo de Michel Temer, a Funai deve atuar com rapidez apenas nos casos em que projetos que afetam as terras indígenas e seus habitantes.

Na nota do Ministério da Justiça rebatendo o ex-presidente da Funai, o ministro Osmar Serraglio não cita textualmente o Linhão de Turucuí e nem os índios Waimiri-Atroari. Fala apenas em “linhão de energia em terras indígenas”.

Serraglio diz que a população de Roraima está “estrangulada em seu desenvolvimento, importando energia da Venezuela em virtude das dificuldades de implantação de uma linha de transmissão que deve passar por reserva indígena”. Ele também diz que o estado [Roraima] fica “ilhado no período noturno, pois o acesso pela única rodovia possível é impedido pelos indígenas a partir das 18h.”

O fechamento a que o ministro se refere é uma prática realizada pelos índios Waimiri-Atroari como uma forma de controle de acesso e proteção da fauna silvestre que atravessa a rodovia, já que a BR-174 foi construída dentro de seu território, na década de 70, quando a etnia quase foi dizimada durante as obras. As milhares de mortes de Waimiri-Atroari ocorridas durante a ditadura militar fazem parte do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Amazônia Real apurou que o fechamento a partir de 18h acontece apenas para carros de passeio e caminhões. Ônibus de passageiros podem transitar a partir desse horário.

Segundo Serraglio, a governadora de Roraima, Suely Campos (PP) e representantes do estado, solicitaram ao presidente da República, Michel Temer, “uma solução rápida para essas questões”.

“O ministro determinou ao então presidente da Funai providências imediatas. O que se viu foi, não só a ausência de qualquer ação, como evidente ofensa ao princípio hierárquico, uma vez que o ex-presidente da Funai publicamente reclamou da incumbência. Dessa forma, várias questões não vinham sendo tratadas com a urgência e efetividade que os assuntos da área requeriam, o que corrobora a necessidade de uma melhor gestão”, diz Serraglio.

O Linhão do Tucuruí é um projeto do Ministério de Minas e Energia para levar energia ao estado de Roraima. A licença prévia foi autorizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2015, ainda na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), com aval do então presidente da Funai, João Pedro Gonçalves (PT) ocorrida em novembro daquele ano.

Os Waimiri-Atroari não autorizaram as obras do linhão dentro de seu território e enviaram uma carta com assinatura de 23 lideranças a então presidente do Ibama, Marilene Ramos, afirmando que a etnia não foi consultada previamente por João Pedro Gonçalves sobre os impactos socioambientais da obra na terra indígena.

Segundo as lideranças, as obras do Linhão do Tucuruí irão instalar cerca de 250 torres de sustentação, o que levará centenas de operários para dentro da reserva onde vivem mais de 1,6 mil índios considerados de recente contato pela Funai. Os Waimiri-Atroari também contestaram o traçado da obra definido na Licença Prévia.

A linha de transmissão terá um total de 721 km partindo de Manaus para gerar 500 KV de energia em Boa Vista a partir da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.

Na carta enviada ao Ibama, o líder da comunidade Waimiri-Atroari, Mário Paruwe Atroari, e mais 22 indígenas afirmam que desde que tomaram conhecimento do aval da Funai ao Ibama para execução da obra do Linhão de Tucuruí, “dificuldades já estão ocorrendo na comunidade, surgindo conflitos que estavam contidos desde a abertura da BR-174”.

“(…). Não somos contra a luz chegar em Roraima, só não entendemos de o porquê da Linha ter de ser dentro da nossa terra, trazendo de volta um passado que gostaríamos que não tivesse acontecido, no qual nossos parentes foram mortos e não tínhamos o direito de ter opinião. (…). Por favor, repetimos, não considere os termos do ofício que a Funai escreveu para o Ibama, como sendo uma autorização da Comunidade Waimiri Atroari. (…) nós não falamos para o Presidente da Funai para ele autorizar o Ibama a emitir a licença”, diz a carta das lideranças.

Em fevereiro de 2016, a licença prévia do Linhão foi suspensa pela juíza federal Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales, mas no mês seguinte, atendendo pedido da União, o desembargador Cândido Ribeiro, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) derrubou a liminar que suspendia os efeitos da Licença Prévia do processo ambiental do Ibama.

Com a suspensão da liminar, o Ibama informou à agência Amazônia Real, na época, que a empresa Transnorte Energia já podia elaborar o Plano Básico Ambiental (PBA) para iniciar a etapa de Planejamento da Gestão de Impactos e Medidas Mitigadoras, o que possibilita entregar o pedido da Licença de Instalação (LI) do empreendimento e iniciar a construção das torres de transmissão dentro da terra indígena.

Bloqueio de estradas

 

Na mesma nota, Osmar Serraglio também cita como “soluções e ações urgentes” o “desbloqueio de rodovias”. O ministro não mencionou, mas no último dia 26 de abril um grupo de índios Munduruku ocupou e bloqueou o KM 25 da rodovia Transamazônica, na região de Itaituba (PA), permanecendo até a tarde desta quinta-feira (04).

Os Munduruku protestaram contra o desmonte da política indigenista na região do Tapajós e cobraram a continuidade da demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, no Médio Tapajós (leia reportagem especial da Amazônia Real). Outra reivindicação era a reversão da exoneração de Ademir Macedo da Silva como Coordenador Regional do Tapajós na Funai, cuja sede é em Itaituba. Silva havia sido exonerado na série de cortes de funcionários que a Funai realizou em abril passado. Nesta quinta-feira (04), os Munduruku souberam que Silva havia sido reconduzido ao cargo.

“Não foi fácil fechar uma BR. Muita gente que não entendia, muitos criticaram. No final os caminhoneiros viram que a gente não ia sair e acabaram nos ajudando”, disse Alessandra Munduruku, coordenadora da Associação Pariri, principal organização representativa da etnia.

Alessandra Munduruku disse à Amazônia Real que com a confirmação de Ademir Macedo da Silva na CR Tapajós, o bloqueio foi suspenso, mas que as outras reivindicações permaneceram como pauta permanente de luta.

“Tem muita gente [não indígena] que está de olho nesse território. Sabem que tem minério, por isso querem tomar a terra. Dizem que não é tradicional”, disse Alessandra.

Com a suspensão, os Munduruku vão continuar a luta de “outros modos”, segundo a indígena. “A gente não vai desistir. Não é apenas aqui no Tapajós. O Brasil está sendo sucateado.Todos os povos indígenas precisam ir à luta contra esse governo por causa de tudo que está acontecendo não apenas conosco, mas com os quilombolas, os ribeirinhos, os trabalhadores”, disse ela.

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Leia a íntegra da nota do ministro Osmar Serraglio:

Sobre a exoneração do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Fernandes Toninho Costa, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Osmar Serraglio, reafirma que, dada e extrema importância que o governo dá à questão indígena, o órgão necessita de uma atuação mais ágil e eficiente, o que não vinha acontecendo.

O recém iniciado contingenciamento de recursos foi estabelecido para todos os órgãos do governo e não afetou o início da gestão de Costa.

Há várias questões que demandam soluções e ações urgentes, como o desbloqueio de rodovias em várias partes do país e as demarcações de terras.

Um dos exemplos é o linhão de energia em terras indígenas. A população de Roraima está estrangulada em seu desenvolvimento, importando energia da Venezuela em virtude das dificuldades de implantação de uma linha de transmissão que deve passar por reserva indígena, bem como o estado fica ilhado no período noturno, pois o acesso pela única rodovia possível é impedido pelos indígenas a partir das 18h.

Em audiência, a governadora e representantes do estado, solicitaram ao presidente da República uma solução rápida para essas questões. O ministro determinou ao então presidente da Funai providências imediatas. O que se viu foi, não só a ausência de qualquer ação, como evidente ofensa ao princípio hierárquico, uma vez que o ex-presidente da Funai publicamente reclamou da incumbência.

Dessa forma, várias questões não vinham sendo tratadas com a urgência e efetividade que os assuntos da área requeriam, o que corrobora a necessidade de uma melhor gestão.

Davi e Golias: Um caminhoneiro ameaçou passar por cima dos índios, mas outros caminhoneiros se solidarizaram com as queixas dos Munduruku em relação à repressão e às medidas de austeridade do atual governo. Foto: Mauricio Torres

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