Pare de falar que a CLT é fascista. Você está fazendo papel de otário

Apenas dois tipos de pessoas dizem que a CLT é fascista: aquela que age de má-fé e aquela que foi enganada pela primeira.

“Sultana Levy, uma paraense nascida em 1910, foi das primeiras funcionárias da Justiça do Trabalho. Uma justiça de tipo especial que começou a atuar em todo o território nacional em primeiro de maio de 1943, sendo reconhecida como uma das maiores realizações de Getúlio Vargas, o então chefe do Estado Novo, no campo do direito do trabalho. Segundo dona Sultana, que se encarregava de datilografar as reclamações à Junta de Conciliação e Julgamento de Belém. (…) Certamente por ser mulher, dona Sultana observou que foram muitas as grávidas que procuravam a justiça, mas um caso lhe chamou particular atenção: o da uma operária cujo patrão reagiu a uma sentença do presidente da Junta, argumentando que tinha certeza não ser o pai da criança e, por isso, não tinha a obrigação de manter a empregada. O fato evidencia duas coisas. Primeiro, que muitos patrões eram efetivamente pais de filhos de operárias, pois, como se sabia há muito, delas abusava devido a sua posição de poder. Segundo, que a sincera indignação daquele homem demonstrava o quão distante estava a mentalidade dos empregadores brasileiros a ideia de que trabalhadores deveriam ter direitos e que cumpria aos patrões respeitá-los.” (Ângela de Castro Gomes)

Introdução

Muito antes de Raul Seixas escrever seu maior sucesso, Metamorfose Ambulante, Getúlio Vargas já conhecia muito bem o sentido da canção. Talvez nenhum líder político do século XX tenha tido tantas facetas quanto o gaúcho. Quem foi Getúlio? Um caudilho? Um positivista? Um liberal? Um aristocrata? Um “revolucionário”? Um ditador? Um trabalhista? Um populista? Um fascista? Um democrata? O pai dos pobres? A mãe dos ricos? Na verdade, ele foi tudo e nada ao mesmo tempo.

Durante toda a sua trajetória política, Vargas aprendeu a jogar com as forças políticas. Em 1929, ele esperou o máximo possível para aceitar ser o candidato da Aliança Liberal (AL). Como chefe do Governo Provisório, ele fazia o “meio de campo” entre as velhas oligarquias e os tenentes. No âmbito internacional, ele adotou uma política que o historiador Gerson Moura chamou de “equidistância pragmática”. Ou seja, num momento em que a ascensão do nazismo rivalizava com a hegemonia americana, Vargas evitava qualquer forma de alinhamento. E foi assim durante toda a sua vida. Até que, nos anos 1950, com o fortalecimento da oposição, ficou impossível adotar essa política de conciliação. Era preciso escolher. E o presidente escolheu não escolher. Ou melhor, escolheu defender o seu legado. Saiu da vida e entrou para história.

Vargas sem dúvida entrou para história. Resta saber como. Se quisermos defini-lo em uma única palavra, “pragmático” seria a mais correta. Mas toda essa ambivalência, de ser e não ser ao mesmo tempo, fez da sua memória um festival de simplificações. Os liberais o chamam de populista e fascista. Seus herdeiros políticos, de trabalhista e pai dos pobres. Os comunistas, de ditador. Assim por diante. Vargas pode ser o que você quiser dependendo das suas inclinações.

Atualmente, num momento em que mais uma vez tentam acabar com o seu legado, ele tem sido chamado de fascista. O varguismo seria a versão fascista tupiniquim e a maldita CLT uma cópia da Carta Del Lavoro. Será isso é verdadeiro? Como esperado, a resposta correta é sim e não. Na verdade mais não do que sim.

Este texto pretende colocar alguns conceitos no seu devido lugar para entendermos melhor como foram criadas as leis trabalhistas e qual o legado do varguismo.

O Sindicalismo Brasileiro e a Conformação das Primeiras Leis Trabalhistas

Antonio Evaristo de Morais é um nome pouco conhecido da maioria das pessoas. Mas sua história se confunde com a luta dos trabalhadores brasileiros. Nascido ainda no Império, Evaristo de Moraes notabilizou-se ao longo da vida como um defensor dos direitos sociais. Já em 1890 participou da construção do Partido Operário. Quando da Revolta da Chibata, advogou em defesa de João Cândido. E não parou aí, criou o Partido Socialista, ligado à Segunda Internacional. No campo das lutas políticas, o jurista defendia a união entre os intelectuais progressistas e os operários, a fim de formar uma frente ampla para garantir condições mínimas de sobrevivência ao trabalhador.

Mas o feito mais importante da vida da sua vida ainda estava por vir. Seu nome está sendo lembrado neste texto por um motivo especial: Evaristo de Moraes, ao lado do também socialista Joaquim Pimenta, fez parte do seleto grupo que criou as primeiras leis trabalhistas no período varguista. Tais leis seriam mais tarde agrupadas e sistematizadas, sendo incorporadas à CLT.

Como podemos ver, os formuladores das primeiras leis trabalhistas estavam longe de serem agitadores bigodudos que ficavam discursando em cervejarias. Eram homens afinados com as lutas dos trabalhadores. Por motivos políticos, que serão explicados na conclusão, esse período foi apagado da memória nacional. Não é por acaso que a imensa maioria dos brasileiros sequer escutou falar nesses nomes. A memória também é alvo das disputas políticas e ela é feita mais de esquecimentos que de lembranças.

O marco mais importante da história do trabalho brasileira foi, sem sombra de dúvidas, o fim da escravidão. Por mais que não houvesse um projeto de integração do ex-escravo na sociedade, tampouco do trabalhador pobre, a abolição abriu espaço para a introdução formal da igualdade jurídica.

Obviamente que tal mudança era apenas uma formalidade, mas, como lembrou a historiadora Ângela de Castro Gomes, “é necessário chamar a atenção para a importância de certos formalismos”. A igualdade colocou frente ao trabalhador um horizonte de conquistas de novos direitos. E foi diante dessas possibilidades que eles começaram a ser organizar e a atuar politicamente.

Duas correntes doutrinárias propunham métodos distintos de ação política. Os anarquistas queriam o embate direto dos trabalhadores com os empresários. As greves seriam a maneira de forçar os burgueses a ceder às pressões dos operários. Os comunistas, por sua vez, achavam que formar partidos políticos e eleger representantes dos trabalhadores seria a maneira mais adequada de interferir nos rumos políticos.

Nesse primeiro momento, o método dos anarquistas se mostrou mais eficiente. Em 1917 foi realizada a primeira Greve Geral da história brasileira. É importante lembrar também o papel de destaque que as mulheres desempenharam nessa paralisação. Muitas vezes os livros de história esquecem que uma das causas da Greve de 1917 era o assédio sexual, que, como vimos no caso da dona Sultana, era algo rotineiro.

O contexto internacional também ajudava. Em 1919 fora criada a Organização Internacional do Trabalho, que aconselhava a participação do Estado na garantia dos direitos sociais. O Brasil era signatário do tratado.

Foi nesse ambiente de pressão interna e externa que as primeiras leis trabalhistas foram emergindo. Ao longo dos anos 1920 foi criada as Caixas de Aposentadoria (CAPs), leis contra acidentes de trabalho, o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), lei de férias e o Código de Menores, para proteger e regular o trabalho infantil. Como podemos observar, a exceção da lei de férias, o foco dessa legislação incipiente era proteger o trabalhador quando este não pudesse trabalhar: na infância, na velhice e em casos de acidentes.

Outro fator importante a ser destacado é que tal legislação vinha do poder legislativo, o que seria o esperado num democracia formal. A Constituição vigente, contudo, privilegiava o federalismo. Muitas dessas leis não entraram em vigor porque a União não tinha os meios para implementa-las. O citado Código de Menores, por exemplo, só foi de fato posto em prática nos anos 1930.

Não havia também um ministério Público do Trabalho para fiscalizar e as Juntas de Conciliação estavam muito aquém dos desafios. No entanto, esse é um período de extrema importância para a organização dos trabalhadores e na conformação de uma memória histórica de lutas por direitos.

Em 1929 há outra inflexão. As oligarquias entraram na corrida eleitoral divididas. Esse fato é importante porque eram elas que manipulavam e decidiam as eleições nos estados. De um lado estava a chapa oficial, em torno do nome de Júlio Prestes, que havia recebido o apoio de 17 estados. Do outro, a Aliança Liberal, cujo candidato era Getúlio Vargas. A Aliança Liberal recebera o apoio de míseros três estados (Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba). Era impossível vencer as eleições na urnas. Porém, algo havia mudado.

O país estava ficando cada vez mais complexo e o arranjo oligárquico já se encontrava esclerosado. Eram inúmeros os descontentes com o sistema político. A única estratégia possível, portanto, para a Aliança Liberal era trazer esses movimento para a sua base de apoio e, desse modo, pressionar as elites por mudanças. Inicialmente sequer havia um projeto político claro por parte da oposição. Firmino Paim Filho assumiria mais tarde: “Não se tratava de princípios. Eu era contrário ao voto secreto, à anistia, à revogação das leis repressoras. Estava com o candidato não pelos ideais que ele encampara, mas por julgar haver chagado a hora do Rio Grande influir mais intimamente nos destinos da República”. (NETO, p 345, 2012).

A Aliança Liberal, portanto, era uma colcha de retalhos, cujo único interesse comum entre os diversos grupos era o de reformar o modelo oligárquico. O objetivo dos mineiros era vencer os paulistas na corrida presidencial. Dos gaúchos, influir na política nacional. Das mulheres, o direito de votar. Dos operários, os direitos sociais. Das classes médias urbanas, moralização da política. Dos desempregados, condições mínimas de subsistência. Dos exilados, fim das leis repressivas. E todos queriam ser ouvidos por meio de eleições limpas, sem fraudes.

É nesse contexto, em suma, que a pauta dos trabalhadores começa a ganhar força política. Não por caridade ou porque Getúlio fosse o “pai dos pobres”, mas porque eles estavam organizados e fortes o suficiente para pressionar por mudanças.

Logo no início do Governo Provisório, as questões trabalhistas passaram a ser prioridade. Neste ponto é preciso cuidado. O país vivia um momento tenso. Acabara de passar por uma revolução que não foi revolução. A posição de Vargas era frágil. Os tenentes e as oligarquias dissidentes não se entendiam. A aproximação entre o Governo Provisório e os trabalhadores, portanto, era interessante para as duas partes. Assim, o primeiro conquistaria maior apoio e o segundo teria suas demandas atendidas.

Mas, obviamente, que essa aproximação era tensa e sofreu oposição dos grupos mais organizados. Sobretudo os anarquistas, sempre desconfiados de governos, mostraram-se mais reticentes.

O corporativismo

Como dito no início desse texto, entender a Era Vargas não é simples. Esse período é repleto de contradições. E é a partir dessas tensões que devamos compreender a abrangência desse contexto. Política não combina com coerência. Por mais as ambiguidades geram inseguranças, destacá-las é a única maneira de perceber a complexidade humana.

Após 1930, sucessivas leis de proteção do trabalho vão sendo criadas. Jornada de trabalho de oito horas. Regulação do trabalho feminino e dos menores. Igualdade salarial entre homens e mulheres. Criação do Departamento Nacional do Trabalho. Expansão das Caixas de Aposentadorias. Criação das Carteiras de Trabalho, entre outras mudanças.

Essa era uma tendência não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. O liberalismo estava morto, novas saídas estavam sendo buscadas. Qual seria a alternativa encontrada ao liberalismo que não passasse pelo socialismo? O fascismo? Não. O corporativismo. A crise de 29 havia aguçado os conflitos socais. Os comunistas estavam à espreita para realizar a revolução. O corporativismo emerge, então, como a solução possível para que certas demandas fossem atendidas, sem, no entanto, haver uma significativa redistribuição do poder. Como disse Lampedusa: “algo precisa mudar para que tudo permaneça como está”. Esse era o espírito.

A grosso modo, o corporativismo dividia a sociedade por classes profissionais, inspirados nas corporações medievais. Esses grupos trabalhariam em conjunto, complementando-se, em nome do progresso da nação. Os sindicatos não eram vistos como entidades políticas de interesses de classes, mas como órgãos consultivos do governo que deveriam trabalhar em conjunto. Nesse modelo doutrinário não havia espaço para a luta de classes.

Acima deles, estaria o Estado, investido de poder, pois seria a única organização capaz de pensar o país como um todo. O corporativismo, portanto, recusava qualquer forma de divisão política. Por isso, essa doutrina flertava com o autoritarismo. Partidos eram percebidos como desagradáveis, assim como o parlamento. A organização social era rígida e vertical, de modo que, na ponta, o trabalhador fosse incorporado sem que a ordem fosse subvertida.

Corporativismo é a mesma coisa que fascismo? Na verdade não, mas esse modelo também foi adotado nos países dito “totalitários”. Porém, é preciso fazer uma ressalva: “Dessa maneira, o Estado Novo de Antônio de Oliveira Salazar (1928-1974), em Portugal, não foi igual ao Estado Novo de Vargas (1937-1945) ou às outras experiências conservadoras nazi-fascistas na Europa. Todos tiveram uma fonte inspiradora comum, mas os ajustes foram realizados no sentido de adaptar a doutrina à realidade e aos desejos em cada caso”.

CLT x Carta Del Lavoro

Tanto a CLT (1943) quanto a Carta Del Lavoro (1927) sofreram a influência do modelo corporativista. É, neste ponto, que está sendo feita a manipulação política atual. Para combater os direitos sociais, os conservadores dizem: a CLT tem uma inspiração fascista, logo os direitos sociais são “totalitários”.

Essa correlação, contudo, é desonesta e arbitrária. A luta por condições dignas de existência é muito mais antiga que o nazi-fascismo. Como vimos, a organização dos trabalhadores data do inicio da república, muito antes do mundo sonhar com algum líder como Mussolini.

Como lembrou o jurista Arnaldo Sussekind, a CLT não pode ser uma cópia da Carta Del Lavoro, em primeiro lugar, por uma questão matemática: a CLT possuía, quando da sua promulgação, 921 artigos. A Carta Del Lavoro apenas 30. Desses, somente 11 leis estão em ambos os documentos. E muitas delas versam sobre temas que nada tem a ver com o fascismo, como a criação da Justiça do Trabalho.

A semelhança entre esses documentos não está nas leis, mas no fato de ambos terem como base o corporativismo. Tanto o fascismo quanto o Estado Novo, ao mesmo tempo em que criavam direitos, tentavam desmobilizar e tutelar os trabalhadores. Por exemplo: a CLT subordinava a Justiça Trabalhista ao Ministério do Trabalho que, por sua vez, era controlada pelo presidente. As leis trabalhistas eram criadas pelo executivo. O Ministério do Trabalho também era o responsável por reconhecer os sindicatos e regular seu funcionamento. O governo também enviava delegados que atuava dentro dos sindicatos, fiscalizando e vigiando as suas atividades.

O governo também estabeleceu oito ramos de atividade na qual deveriam ser formar os sindicatos e as confederações dos trabalhadores. Essas organizações de trabalhadores eram juridicamente agentes privados, mas com funções públicas e, por este motivo, também eram subordinadas ao Ministério do Trabalho. Essa estrutura praticamente impossibilitava a organização horizontal dos trabalhadores. As classes sociais seriam substituídas pelas classes profissionais. Esse movimento enfraqueceu anarquistas e comunistas e ajudou na desmobilização política dos trabalhadores. Enfim, o preço pago pela legislação social foi a perda de parte da autonomia dos sindicatos.

É, portanto, nessa organização piramidal, cuja cabeça era o presidente, que estava o autoritarismo da legislação, não nas leis trabalhistas. Esse movimento duplo e ambíguo era percebido pelos trabalhadores, que se viam num difícil dilema. De um lado, o Estado equilibrava o jogo de forças e mitigava as disparidades sociais. De outro, controlava e desmobilizava os operários politicamente.

Como sair dessa “sinuca de bico”? Caso essas mudanças fossem recusadas, qual caminho seria seguido? É importante lembrar que essa legislação também abarcava os empresários. Simplesmente recusá-la seria jogar os trabalhadores novamente no “livre jogo do mercado”, que favoreceria aqueles que tinham mais poder. Muitos dos que atualmente afirmavam, de forma preconceituosa, que os trabalhadores foram manipulados por Vargas, não fazem ideia das dificuldades e dos dilemas enfrentados por essas pessoas. “O inimigo a ser combatido era o liberalismo das velhas oligarquias e dos patrões. Mas a interferência do Estado era uma faca de dois gumes. Se protegia com a legislação trabalhista, constrangia com a legislação sindical”. (José Murilo de Carvalho).

Considerações Finais: Herança Varguista e Manipulação Política

Uma criança que assiste a um vídeo dos gols do Romário com a camisa da Barcelona terá a impressão que ele nunca perdeu um pênalti na vida, nunca errou um passe e nunca pisou na bola. Se, ao contrário, mostrarmos a essa mesma pessoa as imagens das brigas e das polêmicas do “baixinho”, a ideia será outra. O garoto vai sair acreditando que o artilheiro da Copa de 1994 era um arruaceiro, que nunca fez um gol na vida. A memória dos feitos desse jogador terá relação direta com a seleção dessas imagens.

Com política é ainda pior. A memória é sempre alvo de disputas. De lembranças e esquecimentos. Por isso, desde o início, esse texto destacou a complexidade e a ambiguidade do nosso objeto de análise. O que sobra, fora dessas contradições, é somente a manipulação.

Desculpe-me se estou ofendendo alguém, mas nesse exato momento estão tentando lhe manipular. Como no exemplo acima, estão apresentando as brigas do Romário como prova de que ele nunca marcou um gol. Como sabemos, é possível ser artilheiro e ter pavio curto ao mesmo tempo.

O relator do Reforma Trabalhista tem repetido incessantemente que a CLT é um resquício do fascismo. Os “historiadores” e “analistas políticos” formados pelo Facebook, em especial os (neo)liberais, também. A imprensa idem. Esse interesse pela história, e de forma seletiva e extremamente distorcida, não provém de um amor pelo conhecimento, mas de interesses políticos. A verdade não está no preto, nem no branco, mas no cinza. Sempre que você escutar afirmações peremptórias, do tipo “Vargas era fascista”, desconfie. A chance de ser uma enganação é muito grande. Lembre-se do Romário ou, caso você seja mais novo, do Ronaldo.

A frase do historiador José Murilo de Carvalho, que fechou a parte anterior desse texto, é uma impressionante síntese do que foi discutido até aqui. Se quisermos responder de forma direta a pergunta sobre se a CLT é ou não fascista, essa seria a forma mais correta: a legislação trabalhista protegia o trabalhador enquanto a sindical tinha um fundo autoritário. O problema é que a Reforma Trabalhista mistura “alhos com bugalhos”, ou seja, lembra o caráter fascista da legislação sindical para reformar os direitos sociais, os quais nada tem de fascistas e são aplicados em diversos países, sejam desenvolvidos ou em desenvolvimento. Pela “lógica” desses que dizem ser a CLT fascista, as leis que garantem direitos como férias, 13º salário, jornada de trabalho de 40 horas semanais, aposentadoria e que proíbem o trabalho escravo e infantil são fascistas. Você vê alguma lógica na “lógica” deles?

Por fim, um último ponto. Após 1945, grande parte dessa herança autoritária foi sendo superada. Já em 1945, por exemplo, a Justiça do Trabalho foi incorporada ao judiciário. Os sindicatos também retomaram a autonomia. Basicamente dois pontos do corporativismo permaneceram atualmente: o imposto e a unicidade sindical. É importante destacar que tanto a unicidade quanto o imposto sindical possuem defensores e críticos à direita e à esquerda do espectro político. Na esquerda, por exemplo, alguns defendem que o sindicato único fortalece as demandas e evita a fragmentação. Outros, porém, argumentam que essa medida facilita o controle desses órgãos. O pior é que ambos os discursos estão corretos. Tudo vai depender do momento, do contexto e da correlação de forças. Portanto, se essas duas medidas ainda não foram revogadas, é porque, de certa maneira, elas atendem a diferentes interesses.

O que mais impressiona é que, uma Reforma Trabalhista que pretende ser “antifascista”, sequer coloca em discussão a existência da unicidade sindical.

Os direitos humanos são divididos na sociologia em três esferas: civil, política, social. É possível, apesar de não ser o ideal, que direitos sociais sejam conquistados no mesmo momento em que os direitos políticos estão sendo cerceados. A história não é linear. Lembre-se sempre disso. Caso você considere essas definições muito complexas, lembre-se do Romário. Do Ronaldo. Do Neymar. Do Raul Seixas. Lembre-se do que você quiser, só não seja enganado mais uma vez.

Para saber mais:

• Ângela de Castro Gomes – A Invenção do Trabalhismo
• Ângela de Castro Gomes – Cidadania e Direitos do Trabalho
• Ângela de Castro Gomes – Burguesia e Trabalho
• Maria Celina de Araujo – Estado, classe trabalhadora e políticas sociais
• José Murilo de Carvalho – Cidadania no Brasil: longo caminho
• Lira Neto – Getúlio (3 volumes)
• Ailsson Camargo – A CLT é fascista? (Youtube)

Destaque: Greve Geral de 1917. A origem da CLT está nas reivindicações da classe trabalhadora brasileira.

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