“As três questões conjugam-se, enfim: a ignorância antropológica, o ilícito internacional e a injustiça de transição são aspectos do mesmo colapso ético do Judiciário brasileiro ao tratar das questões indígenas”, conclui Pádua Fernandes, em artigo recentemente reproduzido nesse site
O novo mundo trouxe um choque étnico cultural entre o mundo ocidental e o ameríndio. Em todas as Américas as armas de fogo se impuseram, e tacapes, bordunas, flechas, machadinhas de pedra ou lanças nada puderam fazer diante da violência proposta. A religião e o dinheiro fez o resto. No norte foram Sioux, Apache, Navajo, Cheyennes, Comanche ou Blackfeet. Na América Central grandes culturas em avançadas técnicas declinaram e na América do Sul desvela-se em dias atuais muitas etnias ainda, mas entre todas o sangue é comum e capital no apetite do ocidente que não cessa.
Etnias que antes eram inimigas entre si, em paz ao longo do martírio vislumbraram que o agronegócio e o banco é o inimigo comum e a mãe terra é o grande escudo.
Eduardo Viveiros de Castro observa que em sentido particular, (uma) sociedade é uma designação aplicável a um grupo ou coletivo humano dotado de uma combinação mais ou menos densa de algumas das seguintes propriedades: territorialidade; recrutamento principalmente por reprodução sexual de seus membros; organização institucional relativamente auto-suficiente e capaz de persistir para além do período de vida de um indivíduo; distintividade cultural.
Ninguém saiu campeão nesse jogo dos séculos. Temos sim terrenos contaminados, rios estéreis e novos desertos da Ilha Kaffeklubben ao Cabo Froward; entre os extremos das Américas muitos lamentam entre troféus como ilusionistas.
É bom lembrar que no Brasil apenas com Constituição Federal de 1988 foram reconhecidos os direitos básicos dos povos originários, mas a reação nunca se acalmou entre os que querem a terra e o ponto cego resiste. Centenas de fatos trágicos na linha do tempo costuram corpos e afrontas, e nem mesmo os avistamentos frequentes de povos isolados e desconhecidos aquieta a fúria dos que invadem e saqueiam. Mesmo terras indígenas já consagradas e homologadas não escapam das intempéries dos humores constituídos. A política indígena segue num bate bola entre os que dividem possíveis lucros de riquezas minerais e energéticas espalhadas pela vastidão do território devoluto, fértil às commodities.
Muitas obras públicas que permitiriam grandes avanços no cotidiano das aldeias encontram-se mal acomodadas ou deslocadas dos hábitos e tradições, quando não inutilizadas em total abandono.
Além de todos os vícios do Estado há o modelo de produção do agronegócio brasileiro que empodera, a cada nova super safra, as gigantes Monsanto, Bayer, Cargill, alimentando um monstro que come terras e recursos naturais produzindo alimentos e dividendos, novos frigoríficos, novos garimpos, novas madeireiras. No fim tudo vira soja e royalties. A inviabilização de novas demarcações de terras indígenas e o desejo de autorização da venda de propriedades ao capital internacional, é como entregar as mandiocas aos porcos. Criminalizam pesquisadores e humanistas, desviando olhares das reais questões que afligem nossa tolerância étnica e diversidade de culturas. A alegada premissa de desenvolvimento econômico do desgoverno em rota quer a tudo solapar e vemos atônitos o novo degredo.
A situação é incerta e nós somos o medo. Muitas etnias foram dizimadas e a nova arma hoje é um celular na mão e a comunicação livre que vence o monopólio dos grandes meios. Realizadores indígenas com suas novas ferramentas na exposição de seus testemunhos vencem o tédio e o nojo. Olham o céu e sabem da chuva e dos ventos. Na comunhão de infortúnios fortalecem a aldeia comum dos que sobrevivem em luta e devir.