Anglo American individualiza conflitos para enfraquecer reação das comunidades

Segundo especialistas, mineradora usa estratégias para isolar e criminalizar quem pode ameaçar seu projeto de expansão

Por Joana Tavares, Brasil de Fato

A mineradora Anglo American, responsável pelo Minas-Rio, utiliza um conjunto de estratégias para isolar os atingidos por seus projetos de mineração e construir um discurso dominante sobre sua atuação na região. Essa é a análise da pesquisadora Ana Flávia Santos, do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ela cita, por exemplo, a tentativa de individualizar todas as questões e não fazer um processo de negociação coletiva. “A empresa tenta isolar as comunidades, faz promessas de melhorias e favorecimentos para dividir as pessoas. É um processo de cooptação que aparenta ser de livre negociação. Mas as pessoas muitas vezes se veem sem opção efetivamente”, pontua.

Juliana Deprá, agente da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais e militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), lembra que a empresa é acusada de ter lucrado com o regime do Apartheid na África do Sul, pagando muito menos aos trabalhadores negros. Esse histórico demonstra, segundo Deprá, uma marca na sua trajetória: dividir as pessoas e cooptar. “Atualmente, a Anglo segue usando esse mecanismo ao tentar dividir a população em quem é, supostamente, contra ou a favor do desenvolvimento”, diz.

Reação

“O discurso criminalizante da Anglo é muito forte. Eles criam um clima de hostilidade e de incentivo às ameaças, isso podemos perceber. E usam a ameaça da interrupção das atividades para isso”, analisa Lucas Furiati, pesquisador do Programa Polos de Cidadania, da Faculdade de Direito da UFMG, que atua na região.

O argumento de Furiati é confirmado pela reportagem: ao contatar a Anglo American sobre as acusações, a mineradora respondeu, em nota, que “qualquer atraso no processo de licenciamento pode paralisar as atividades do Minas-Rio num futuro próximo, o que geraria prejuízos para todos e não apenas para a empresa”.

Ainda segundo a empresa, no pico das obras da Fase 3, serão gerados 800 novos postos de trabalho, sendo 100 deles definitivos. “Estimamos que, no mínimo, 30% dos trabalhadores serão da região”, diz a empresa

A advogada popular Larissa Vieira, integrante do Coletivo Margarida Alves, que também acompanha o caso, analisa que a ação popular que pedia a suspensão de uma audiência pública, e que legitimaria essa expansão do Minas-Rio, foi uma forma encontrada pelas pessoas para reagirem a uma série de violação de direitos.

“Essa ação popular questiona a ausência de transparência ao não divulgar de forma objetiva os estudos de impactos ambientais. É o direito à informação que está sendo violado. E quem não tem informação, não pode participar efetivamente”, argumenta. “Não é possível calar-se mais diante de tantas violações e é dever do Poder Judiciário intervir quando há abusividade e ilegalidade, como ocorreu nesse caso”, acrescenta.

Caso semelhante

Segundo Vieira, este caso não é o único envolvendo situações em conflito com a mineração. Um caso recente é o de frei Gilberto Teixeira, que foi ameaçado de morte no dia 19 de fevereiro, em razão de sua atuação contrária a ampliação dos projetos de mineração de bauxita na da serra do Brigadeiro em Minas Gerais, distrito de Belisário em Muriaé.

“O que está acontecendo em Conceição do Mato Dentro não é um caso isolado. Acompanhamos outros casos de lutadores sociais que estão sendo ameaçados porque estão sendo críticos ou tendo atuação contrária à instalação de grandes projetos minerários em seus territórios. Essa é a lógica desses projetos: um Estado, em geral, subordinado, que prioriza os interesses das empresas e deixa a população em situação de maior fragilidade. A questão de defender os direitos coletivos vira um risco quando se enfrenta grandes projetos de mineração”, avalia Maria Júlia Gomes de Andrade, da coordenação do MAM.

Ela acrescenta que existe um padrão para situações desse tipo, e que o caso dos cinco atingidos “não é um ponto fora da curva”.

“A própria situação de divisão das pessoas das próprias comunidades é muitas vezes incentivada pelas empresas. Esse padrão se repete em vários casos, em vários estados. Já tivemos casos no Pará, na Bahia, outras em Minas. Infelizmente, são muitos casos”, diz.

Edição: Camila Rodrigues da Silva.

Imagem: Projeto Minas-Rio, em Conceição do Mato Dentro (MG) / Divulgação/Anglo American

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