Cracolândia: O sucesso de uma política pode ser medido por número de likes?, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

O que pode acontecer se um político passa a medir o sucesso da implementação de suas ações através do número de curtidas, retuitadas, compartilhamentos e comentários positivos em suas redes sociais?

Considerando que o total de seus seguidores representam apenas uma parte da população, os que fazem isso contam com uma avaliação parcial e insuficiente da realidade, desconsiderando a opinião do restante dos cidadãos para os quais governa.

Sem contar que, para além da possibilidade de manipulação da ”opinião da maioria” através do uso de robôs e perfis falsos por pessoas mal-intencionadas ou pelo próprio político e seus aliados, existe a natureza de ”bolha” criada pelos algoritmos nas redes sociais. Em torno desse político vão se agregar pessoas que, em sua maioria, pensam como ele.

Dessa forma, o que ele chama de ”opinião do eleitorado” pode ser apenas a opinião daqueles que concordam com ele. Portanto, sua própria opinião.

Por exemplo, Donald Trump e João Doria são dois exímios comunicadores, que governam de olho em suas redes sociais. Não apenas nas redes sociais das instituições públicas às quais estão ligados, o que levaria a uma distorção menor, mas principalmente em suas contas particulares.

Por um lado, ambos estão um passo à frente de outros políticos que não conseguiram fazer a passagem para a vida digital. Muito se discute como a tecnologia irá alterar a forma como ocorre a representatividade política ou mesmo a gestão da coisa pública. Como a demanda dos eleitores por mais participação nos destinos de sua cidade ou seu país cresce a cada dia, o que esses políticos estão fazendo pode visto como um laboratório de práticas futuras.

Não é à toa que ambos, não raro, preferem ouvir seus estrategistas de comunicação, Steve Bannon e Daniel Braga, respectivamente, do que sua equipe técnica para aconselhamento.

Contudo, dada a possibilidade de erros na maneira como essa opinião é extraída ou lida ou mesmo de sua manipulação por terceiros, temos dúvidas sobre sua efetividade para a noção de cidadania.

Um assessor próximo a João Doria, por exemplo, afirmou que o prefeito considera que a operação para a retirada de pessoas que sofrem de dependência de drogas da Cracolândia, que teve a participação do governo estadual e da Prefeitura, estava correta. A justificativa é de que a ”opinião pública” está com ele.

Mesmo as pesadas críticas sobre a violência física e social da ação – que vieram de especialistas de saúde pública, da sociedade civil, de outros políticos (a então secretária municipal de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra, que é de seu partido, pediu para sair do governo após a ação), de jornalistas e de parte da população – não teriam mudado a opinião do prefeito. Nem mesmo a queda do muro, como parte do processo de demolição de prédios da área pela Prefeitura, que feriu três pessoas.

Analisando as postagens nas redes sociais particulares de João Doria, verifica-se o apoio de um grupo expressivo de pessoas com relação à forma como foi efetivada essa operação.

Mas o prefeito não governa apenas para seus seguidores. Nem mesmo para aqueles com os quais divide uma visão de mundo. Nem apenas para a maioria. Pois democracia é um sistema em que são adotadas as decisões da maioria, desde que garantida a dignidade das minorias. Caso contrário, ela não é democracia, mas ditadura da maioria.

E fazem parte dessa minoria que deveria ser protegida tanto pessoas que sofrem de dependência de drogas, quanto as que estão em situação de rua – grupos que foram vítimas de ações violentas por parte da Prefeitura de São Paulo no último mês.

Este contexto é diferente daquele em que a política tradicional tinha à disposição apenas pesquisas de opinião realizadas de forma tradicional, que atingem o universo da população sobre um determinado assunto, com metodologia científica e margem de erro conhecidas e capazes de serem auditadas externamente. Hoje, não mais.

A tecnologia será fundamental na reinvenção da democracia representativa, como já mostram interessantes experiências coletivas não só no Brasil como em outros lugares do mundo. Mas a tecnologia em si não é boa, nem má – depende do uso que fazemos dela.

Podemos, com seu auxílio, desenvolver uma sociedade mais participativa, justa e igualitária. Ou ela será instrumento para facilitar a implementação de políticas públicas baseadas no preconceito e na desinformação. Nossa relação do dia a dia com redes sociais dirá muito de qual dos dois caminhos iremos seguir.

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