O Ministério Público é muito mais do que a Lava Jato, defende Ela Wiecko

Candidata à lista tríplice para determinar o novo chefe da PGR defende retomada da missão do MPF na promoção dos direitos difusos

Por Luís Nassif, no GGN

Desde os anos 1990, o lado da atuação penal do Ministério Público Federal passou a ser superdimensionado, sobretudo pela repercussão de importantes casos dados pela imprensa, reduzindo, por outro lado, o real papel da instituição consagrada pela Constituição Federal de 1988 como uma estrutura fora dos demais poderes da República, com total autonomia e independência para conseguir garantir a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais previstos na Constituição.

Em entrevista para o jornalista Luis Nassif, a Procuradora da República, Ela Wiecko Volkmer de Castilho, uma das candidatas à lista tríplice que determinará o próximo chefe da Procuradoria Geral da República, destacou que é importante retomar a missão do MPF também na promoção dos interesses sociais fundamentais e difusos.

“O Direito Penal serve a uma estrutura de poder e reproduz essa estrutura então, aparentemente, [com a supervalorização das atividades penais] estamos democratizando porque pessoas ricas e poderosas foram presas, por outro lado, acho que está ficando muito claro que a seletividade que sempre exclui os ricos e poderosos continua e está se revelando nas colaborações premiadas. Por isso coloco como prioridade manter a atuação penal, porque isso é uma missão constituição [do MPF], mas nós temos que equilibrar, porque nossa missão constitucional é também a promoção dos interesses, dos direitos difusos, dos direitos fundamentais e para mudar realmente as estruturas nós temos que investir em educação e em saúde (…) e é isso que eu gostaria de puxar no Ministério Público que é tirar essa ideia só de direito penal da Lava Jato, o Ministério Público é muito mais do que isso”.

Quando perguntada por que a entidade e seus representantes não se manifestaram de forma mais incisiva contra a Lei do Teto dos Gastos Públicos, de autoria do governo Temer e aprovada no Congresso Nacional, congelando os gastos públicos com serviços sociais nas próximas duas décadas, a procuradora reconheceu que para seus pares “ainda não caiu a ficha” uma vez que a emenda irá prejudicar inclusive o próprio Ministério Público Federal, defendendo que o MPF se envolva no debate buscando o aval da opinião pública.

“Assim como o Procurador Geral [Rodrigo Janot] está tendo um protagonismo muito forte nessa matéria criminal, temos que levar esse protagonismo na área de direitos humanos e, como estamos falando, na educação e saúde, que são essenciais para a sociedade brasileira e para a redução de desigualdades [e que serão diretamente atingidas pela Lei do Teto dos Gastos Públicos]”.

Ela Wiecko também se posicionou sobre acordos de cooperação internacionais no combate ao crime, como estratégia geopolítica:

“Nós vivemos em um mundo globalizado, então faz parte desse jogo os governos entrarem na globalização com articulações, competindo com outros mercados e colocando, por exemplo, os interesses americanos em sobreaviso de alerta. Não podemos ser ingênuos e temos que defender os interesses nacionais o quanto pudemos com toda a força”, apontando como exemplo dessa articulação externa que poderá trazer prejuízos ao país a Medida Provisória preparada pelo governo Temer facilitando a entrega de terras nacionais para estrangeiros.

A jurista também falou sobre o que acha a respeito da opinião de alguns colegas do direito que interpretam que o Supremo Tribunal Federal pode atuar como um revisor constante da Constituição Federal:

“Sou contrária a esse pensamento, ainda mais vendo como são feitas as escolhas para o Supremo. A Constituinte, lembro na época, eu queria que fosse exclusiva, mas não foi assim. No entanto foi uma Constituinte muito viva, de muita participação. Então para fazer uma nova Constituição, ou revisão, só se nós tivéssemos a possibilidade, como naquela época, de ter essa discussão muito ampla de todos os movimentos sociais. Entretanto o que a gente tem visto é uma negação da participação dos movimentos sociais”.

*A entrevista da Procuradora Federal Ela Wiecko é uma proposta do Jornal GGN para conhecer todos os oito candidatos à listra tríplice promovida pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e que poderá determinar quem será o novo chefe do MPF.

O atual procurador, Rodrigo Janot, deixará o cargo em setembro recusando a possibilidade de concorrer a um terceiro mandato que lhe daria mais dois anos à frente da PGR. Além de Ela Wiecko participam da eleição Carlos Frederico Santos, Eitel Santiago de Brito Pereira, Franklin Rodrigues da Costa, Mario Luiz Bonsaglia, Nicolao Dino e Raquel Elias Ferreira Dodge.

A Procuradora Ela Wiecko também é professora da Universidade Federal do Paraná. Tem 40 anos de MPF, ingressando na instituição por concurso público em 1976. Ela se destacou atuando em questões de direitos humanos a partir de 1985, quando foi designada para o Setor de Direitos Humanos na Procuradoria da República no Estado de Santa Catarina.

Em 1992, a jurista tornou-se subprocuradora-geral da República e, desde 2001, seu nome constava da lista tríplice para o cargo de procurador-geral da República, elaborada por votação pela ANPR. Ela foi também a primeira mulher ouvidora-geral do Ministério Público Federal.

Outra função que ocupou foi como Vice-Procuradora-Geral da República, mas pediu exoneração do cargo em 30 de agosto de 2016 após a divulgação de um vídeo no qual ela participa de uma manifestação contra o então presidente em exercício, Michel Temer.

Com a renúncia, a Procuradora quis externar sua indignação alertando que o então Vice-Presidente estava sendo denunciado pelo MPF e nenhuma ação estava sendo tomada em relação ao fato. Se tornando Presidente, o que ocorreu em 31/08/16, Temer ganharia imunidade processual.

 

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