Relatório mostra um genocídio de jovens negros e pobres em curso no Brasil, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Dados do Atlas da Violência 2017, divulgado nesta segunda (5), mostram que 59.080 homicídios foram registrados no país em 2015 (contra 48.136, dez anos antes), o que equivale a uma taxa de 28,9 por 100 mil habitantes – sendo homem, jovem, negro e com baixa escolaridade o principal perfil das vítimas fatais.

Pode ser espantoso para quem vive em um bairro nobre, protegido por câmeras, muros altos e um batalhão de seguranças que o principal alvo da violência no Brasil não seja homens e mulheres brancos e ricos. Mas a pesquisa não traz novidade para quem sente na pele um genocídio em curso.

A taxa de mortes entre 15 e 29 anos para cada grupo de 100 mil jovens foi de 60,9 em 2015, último ano analisado pela pesquisa. Contando apenas homens jovens, o indicador aumenta para 113,6 – a taxa geral por 100 mil habitantes no Brasil foi de 28,9. Ao mesmo tempo, a violência avançou contra negros entre 2005 e 2015: houve um crescimento de 18,2% na taxa de homicídios de negros, enquanto a de não negros diminuiu 12,2%.

O relatório, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) junto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que a violência também aumentou contra mulheres negras: enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras diminuiu 7,4%, entre 2005 e 2015, o indicador equivalente para as mulheres negras aumentou 22,0%.

Muitas dessas mortes ocorrem na forma de pacotes, em chacinas, nas periferias das grandes cidades brasileiras, seja pelas mãos do tráfico, de milícias ou de integrantes da própria polícia. Não raro, elas permanecem sem solução. Como já disse aqui, não é que a nossa sociedade não consegue apontar e condenar culpados por todas elas como deveria. Parece que ela simplesmente não faz questão.

E quem está enclausurado nas regiões encasteladas das grandes cidades, preocupa-se com as mortes daqueles que reconhece como ”cidadãos”, ou seja, dos que reconhece como seus semelhantes. Não de negros e pobres. Pelo contrário, não raro apoiam formas de ”limpeza social” do que chamam de ”pessoal perigoso”. E que ameaçam, com sua existência, os pagadores de impostos.

Nas redes sociais, a filosofia de botequim joga na vala comum os mortos ”culpados” – que são assim tachados sem terem direito a um julgamento justo, recebendo pena de morte – e ”inocentes” – que podem não ter cometido aquele crime em questão, mas ”se levaram bala é porque estavam em lugar que gente honesta não frequenta”. Seja pelas mãos do Estado ou de criminosos.

Muitos dos autointitulados ”cidadãos de bem” desejam que a faxina social seja rápida, para garantir tranquilidade, e não faça muito barulho. Porque, pasmem, ele tem horror a cenas de violência. A verdade é que morte de jovem negro e pobre não vale o arranhão deixado na caçarola por uma bateção de panelas.

Sem demérito para outras pautas sociais e políticas, isso também seria razão mais do que suficiente para ocuparmos as ruas das grandes cidades em protesto. E, de forma racional, pedindo ações estruturais que melhorem a qualidade de vida, garantam justiça social, desmilitarizem as forças policiais, entre outras medidas preventivas, que podem garantir um contexto mais seguro. E não adotando saídas fáceis e bizarras, como colocar crianças nas cadeias. E entregar cadeias à iniciativa privada.

De acordo com o relatório, o Estado se omite não apenas em relação a políticas de prevenção e controle no campo da segurança pública, mas também em garantir educação, assistência social, saúde, cultura, ou seja, ordenamento urbano e prevenção social.

É claro que não há ordens para metralhar jovens pobres da periferia dados pelo comando do poder público. Mas nem precisaria. As forças se segurança em grandes metrópoles, como o Rio ou São Paulo, são treinadas para, primeiro, garantir a qualidade de vida e o patrimônio de quem vive na parte ”cartão postal” das cidades e, só depois, garantir o mesmo para outras camadas sociais.

A população cada vez mais teme seu governo ao invés de respeitá-lo. Os esgarçamento da representatividade política está chegando ao limite. Vamos nos afastando das mudanças estruturais para garantir paz – que incluem um Estado que pense em um crescimento econômico que garanta qualidade de vida para todos e, ao mesmo tempo, em um horizonte de opções para os mais jovens que saem em busca de um lugar no mundo.

Daí para a chegada de um ”salvador da pátria”, que garanta paz e segurança mas, na prática, destrua a democracia e aprofunde esse genocídio, é um pulo.

Boa parte dos policiais envolvidos nesse genoícdio são da mesma classe social dos moradores e traficantes que também tombam. Ou seja, é pobre (mal remunerado, mal treinado, maltratado) matando pobre enquanto quem manda ou lucra de verdade com todo o circo está arrotando comida chique em outro lugar. Ou seja, muitos policiais também como vítimas desse mesmo sistema.

Ninguém mata jovens impunemente em Ipanema ou em Perdizes. Por que isso ocorre nos Extremos da Zona Norte do Rio ou nos Extremos da Zona Leste de São Paulo? Porque lá a vida vale menos.

Bar em Osasco, um dos palcos da chacina de agosto de 2015. Foto: Avener Prado /Folhapress

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