Fórum Ambiental: “Éramos um povo que corria livremente como o rio”, afirma Anastácio Peralta

A mesa de abertura do Fórum Ambiental, que faz parte do Fica, rendeu homenagens ao sociólogo François Houtart, que faleceu neste mês. O pensador estava confirmado no evento. Confira depoimento do bispo da Diocese de Goiás e aluno de Houtart

Elvis Marques – Assessoria de Comunicação da CPT Nacional

O primeiro dia de Fórum Ambiental – espaço que compõe a programação oficial do 19º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica) -, realizado na Cidade de Goiás (GO) entre os dias 20 e 25 de junho, teve início com rituais de indígenas das etnias Xavante e Tapirapé. Após a apresentação, Dom Eugênio Rixen, bispo da Diocese de Goiás, homenageou o sociólogo François Houtart, conhecido por sua atuação junto aos movimentos populares, que faleceu no último dia 06 de junho. A presença de Houtart no festival já estava confirmada. (Confira vídeo no qual o bispo fala sobre Houtart)

O Fórum acontece ao longo de todo o Fica, cada dia com uma temática diferente. Ontem, 21, o tema debatido foi “Bens naturais e bens comuns: a questão ambiental como caminho para a sustentabilidade”. Participaram dessa discussão: Anastácio Peralta, liderança da etnia Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul; Inaldo Vieira Serejo, agente da CPT no Maranhão e indígena da etnia Gamela; Maria de Fátima Batista Barros, da Articulação Nacional de Quilombos (ANQ); e Rosana Ceballo Fernandes, representante do Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).

No pátio do Covento do Rosário, embaixo da sombra de um grande pé de tamarindo, Inaldo Serejo, fazendo referência à árvore, falou sobre o sentimento de pertença de seu povo, os indígenas Gamela, em relação à natureza. “Quando a gente se sente parte da natureza, a relação fica no outro. A natureza não é uma coisa que está fora da gente. O rio não está fora de nós. A planta não está fora de nós. Por isso que a gente luta, pois se ela [natureza] desaparece, nós também iremos desaparecer”, destacou.

O indígena e vários outros companheiros sofreram um grave ataque no mês de abril, que deixou várias pessoas feridas, inclusive ele, que levou um tiro na cabeça. Agora, se recuperando fisicamente, diz permanecer “firme na luta pela retomada dos territórios dos Gamela”. “No dia 30 de abril, nós [Gamela] fomos brutalmente atacados durante um processo de retomada que estávamos fazendo, e que vamos continuar nesse nosso território. Um companheiro teve a mão decepada, gente foi agredida a pauladas, cinco pessoas foram baleadas”, conta ele.

Depois desse grave ataque, conforme Inaldo, as pessoas perguntavam se os indígenas continuariam o processo de retomada dos territórios. “Claro que vamos continuar”, ressaltou ele, que explica ainda: “ou a gente continua ou não existe. Porque se não fizermos esse processo de luta para retomar o nosso território, nós não iremos existir do mesmo jeito. Por isso, vamos continuar esse processo de retomada de nossos territórios para continuarmos existindo. Nós temos direito a existência”, afirma.

Ao fim de sua fala, Inaldo Serejo deixou uma questão para o público presente: “Como a gente articula e costura essa grande luta que está acontecendo, essa grande teia?”

Luta quilombola

Fátima Barros é liderança quilombola da Ilha de São Vicente, localizada no município de Araguatins, região do Bico do Papagaio, no estado do Tocantins. “Nosso quilombo está em uma região que figurou várias páginas da história ao longo dos anos. Região onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia, e onde também tivemos vários outros momentos de embate e de luta pela terra. Na década de 1980, foi um momento em que sofremos ações profundas de grilagem de terras”, rememora ela.

Ela faz esse recorte histórico de sua região, mas faz questão de ressaltar que a história do povo quilombola não começou agora. “Quando que começou a luta do povo quilombola, do povo negro?”, questionou aos participantes do Fórum. “Homens e mulheres negros foram invisibilizados ao longo da história”, ressalta.

Para uma plateia com muitos estudantes da Cidade de Goiás, Fátima avaliou que essa invisibilização se deve, em grande parte, por conta da forma com que a história tem sido retratada nos livros didáticos e nas salas de aula. “A nossa história é de luta também em memória de todos aqueles que se foram. Em memória daqueles que tombaram na luta. Em memória dos que foram traficados. Aqueles que foram invisibilizados pela história. Aqueles que o livro didático não deu conta de mostrá-los. Porque tivemos uma educação que não nos reconheceu. E quando muito, as escolas trabalham o Zumbi dos Palmares”, pondera a liderança quilombola.

Em um universo em que o preconceito e o racismo continuam muito evidentes, Fátima diz ser imprescindível ela poder sempre afirmar: “eu sou uma mulher negra, sou uma mulher empoderada, sou uma mulher que sei do meu papel na história, e o meu papel neste contexto, em um momento que somos [principalmente a juventude negra] assassinados”.

“Prenderam nossa alma”

A frase acima é de Anastácio Peralta, e ela surge num contexto em que a liderança Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, fala sobre o marcante processo de colonização do Brasil pelos europeus, que, segundo ele, não ficou para trás, apenas nos livros de história. “A colonização de 500 anos atrás para nós hoje não mudou nada”, assegura o indígena. E Fátima Barros completa: “descolonizar é preciso”.

E Peralta traz, em sua fala no Fórum, uma reflexão sobre o que pode causar uma fronteira para as etnias indígenas, acostumadas com outro modo de vida. “Nós, principalmente os Guarani Kaiowá, temos sofrido desde o início da colonização. Nosso povo não tinha fronteiras, pois é uma grande terra, a mãe terra. Então, nossa mãe não tinha essa fronteira que tem hoje. Existiam indígenas Guarani para todos os lados, pois nossa mãe terra permitia que existíssemos em todos os espaços”, afirma.

Para a liderança, o processo de colonização de um povo passa pela retirada da liberdade, de seus costumes, dos modos de vida. Passa por um enquadramento de um povo por outro. “Fizeram as reservas, e fecharam a gente lá dentro. Até para nós sairmos precisamos pedir licença para o SPI [Serviço de Proteção aos Índios]. Éramos um povo que corria livremente como o rio, mas com a chegada da colonização dos europeus foi a mesma coisa que uma pedra gigante cair em nossa cabeça. Pois prenderam a nossa alma e o nosso jeito de ser”, analisa Peralta.

Imagem: Thomas Bauer

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