A dura vida da tribo Krenak após o colapso do Rio Doce

Quase dois anos após o Rio Doce ser palco do maior desastre ambiental do país, indígenas da tribo krenak ainda sofrem efeitos da lama tóxica

Em  Opinião e Notícia

“Não fale a palavra ‘Samarco’. Ela é tão amaldiçoada quanto o rio”. O alerta vem de um agente da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão que supervisiona a população indígena do país, incluindo as tribos krenak que vivem às margens do Rio Doce, que corta Minas Gerais.

No alerta, o agente se referia à mineradora Samarco, uma joint venture entre as mineradoras Vale, gigante brasileira do setor, e a anglo-australiana BHP Billiton.

Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, operada pela Samarco, rompeu, liberando um mar de lama tóxica no Rio Doce. O desastre ambiental, considerado o maior da história do país, resultou em 19 mortes, destruição de casas e poluição de cursos d’água.

Antes do rompimento da barragem, cerca de 126 famílias indígenas da tribo krenak viviam espalhadas em sete vilarejos às margens do Rio Doce. Eles sobreviviam da pesca e da caça de animais e se abasteciam da água do rio para beber e irrigar plantações. Agora, eles recorrem à carne de aves, boi ou porcos, compradas em supermercados próximos.

Após o desastre ambiental, a Samarco proibiu a pesca no Rio Doce e instalou cercas para manter a tribo longe do rio. O problema é que a tribo considera sagrado o Rio Doce, chamado de “Watu” no idioma krenak. E a morte do rio resultou na perda da identidade da tribo, que hoje banha suas crianças em um tanque de água instalado pela Samarco.

Segundo o indígena Leonir Boka, a morte do Rio Doce coloca a tribo krenak à beira do colapso. “Não temos casa, dinheiro ou qualquer meio para pagar pelo que fizeram com o rio, com a gente. O rio era um forte médium, onde praticávamos nossa cultura. […] Os anciões executavam rituais sagrados nas ilhas do Watu. Assim como o Rio Doce morreu, nossa cultura está morrendo”, diz Boka, em entrevista à Al Jazeera.

O problema é ainda mais crítico para aqueles que têm de estar em contato direto com as águas do rio. É o caso de Jose Krenak, de 66 anos. Todos os dias ele usa seu bote para transportar passageiros pelo rio. Incapaz de evitar o contato com a água, ele diz já ter contraído vários tipos de doença. “Da última vez, fui hospitalizado por nove dias após entrar na água para trazer meu barco para a margem. Tento não tocar na água porque ela irrita todo o corpo. Quando preciso entrar nela, coloco calças compridas. Mas não adianta. É uma água venenosa. Antes era um rio doce, agora está amargo”, ironiza o indígena.

Até o momento, a Samarco já instalou cem fontes de água para o consumo e pontos destinados à alimentação de gado. A empresa também providenciou cuidados médicos para os afetados pelo desastre. No momento, em vez de remover a lama tóxica, ela se concentra em direcionar mais água dos afluentes para descontaminar lentamente o Rio Doce.

No entanto, para as tribos krenak, as medidas são insuficientes. Promotores públicos que atuam na defesa das tribos exigem maior compensação ambiental pelo colapso da barragem e pelos danos morais causados às tribos krenak. “Há danos de diferentes perspectivas, incluindo a espiritual. Eles não conseguem mais executar seus rituais sagrados”, diz o procurador Edmundo Antonio Dias Netto.

Imagem: Tribo considera sagrado o Rio Doce, chamado de Watu no idioma krenak (Foto: Nicoló Lanfranchi/Greenpeace)

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