A aprovação da Reforma Trabalhista é a piada triste do país que deu errado, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

A Reforma Trabalhista será votada nesta semana no Senado Federal. E a menos que ocorra um fato novo, com perfil de hecatombe, o pacote de mudanças que favorece grandes empresários será aprovado por um governo e uma base aliada envolvidos em denúncias de corrupção por favorecer grandes empresários. Um escárnio completo.

Este é mais um exemplo de como o ”comércio de políticos”, via favores nas eleições ou entre elas, transforma a vida do trabalhador comum em um inferno. Pois uma das formas de retribuir o valor investido em um deputado, senador ou presidente é a aprovação de leis que beneficiam alguns poucos em detrimento de outros muito milhões.

O problema é que você, caro leitor, cara leitora, mesmo que tivesse grana para comprar um desses, duvido muito que fizesse. Seja por vergonha na cara, seja por medo de punição. Porque quem não faz parte do andar de cima do país aprende diariamente que deve seguir as regras por moral e ética ou medo de ser punido.

Mas como já deve ter percebido, a esmagadora maioria das pessoas que habita cadeias de todo o país são jovens, negras e pobres, em uma quantidade muito maior do que sua proporção entre a população. Com raras exceções, algumas proporcionadas pelos processos do Mensalão e da Lava Jato, é a xepa que não vale nada que vai em cana. Portanto, é ela e apenas ela quem deve seguir as regras.

Boa parte das pessoas não se pergunta quem fez as leis, o porquê de terem sido feitas e quais os interesses por trás delas. A verdade é que se as pessoas soubessem como certas regras e normas que seguem no cotidiano foram produzidas, estaríamos, agora, em uma situação limite, com políticos sendo arrancados à força de suas residências.

Peguemos a Reforma Trabalhista. A partir de meia dúzia de propostas encaminhadas pelo Palácio do Planalto, ela ganhou corpo na Câmara dos Deputados com dezenas de mudanças. Grosso modo, o texto final foi inspirado por demandas apresentadas por confederações empresariais e por posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho – posições que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores.

Como já disse aqui, as leis e a justiça trabalhista, mesmo com suas imperfeições, têm sido responsáveis por garantir um mínimo de dignidade a milhões de brasileiros e a evitar que a lei da selva, ou seja, a sobrevivência do mais forte, prevaleça. Com o aprofundamento de uma crise econômica, os trabalhadores são os primeiros a sofrerem perdas substanciais. Deveriam ser os mais protegidos, portanto. Mas estão sendo os primeiros – e talvez os únicos – a serem punidos.

E, muito em breve, poderemos ter Rodrigo Maia ocupando a Presidência da República, o mesmo que afirmou que ”Justiça do Trabalho não deveria nem existir”. E um Henrique Meirelles com mais poderes para moldar a dignidade do país às necessidades do mercado.

Por causa da esbórnia correndo solta entre os Três Poderes em nome da ”governabilidade”, ou seja, da manutenção dos privilégios de poucos; por conta da quantidade de sindicatos e sindicalistas subservientes ao poder político e econômico; devido a uma população que teve negada historicamente o acesso à formação e informação e hoje é porcamente consciente sobre seus direitos e sobre a estrutura de exploração na qual está inserida; pelo entorpecimento trazido pelo bombardeio simbólico de parte dos meio de comunicação, que fazem você acreditar que quem faz greve em nome da própria dignidade é burro; e pelo cansaço extremo de uma população pobre que trabalha tanto que, quando chega em casa, é incapaz de refletir sobre sua própria condição antes de cair morta na cama, a Reforma Trabalhista deve ser aprovada sem um debate profundo no Congresso Nacional e sem salvaguardas decentes para proteger os mais pobres.

Mas, enfim, reclamar diante de uma injustiça imposta de cima para baixo é pedir para ser tachado de louco e bobo no Brasil.

Gil Vicente, no seu Auto da Barca do Inferno, já dizia no século 16 que os loucos, os bobos, desprovidos de tudo e sinceros, são os que conseguem driblar o diabo e até injuriá-lo. Consideram-se ninguém e por serem honestos sobre si mesmos e o mundo, são conduzidos ao paraíso. Já o nobre, o religioso, o juiz, o advogado e, é claro, o mestre de ofício, são condenados ao fogo do inferno.

Usamos a expressão ”bobo da corte” pelo seu significado do palhaço que serve para entreter os poderosos. Mas esquecemos que muitos dos bobos que serviam a reis e rainhas na Idade Média europeia eram os únicos que conviviam com a monarquia e tinham liberdade para criticá-la publicamente e saírem ilesos. A acidez da sinceridade e a loucura do escárnio, que andavam de mãos dadas sob a tutela de um bobo, transformavam-no em um lampejo de racionalidade que podia ser útil ao governante e ao país – mesmo que eles não dessem conta disso.

Faltam bobos no Brasil. Mas sobra os que se consideram espertos demais.

 

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