O “Massacre de Haximu” perdura: a contaminação por mercúrio do povo Yanomami

Por Alenice Baeta*, para Combate Racismo Ambiental

Em 1993 a aldeia Haximu dos índios Yanomami situada no vale do rio Demini, na fronteira com a Venezuela foi atacada brutalmente por garimpeiros onde jovens guerreiros, crianças, mulheres e velhos foram cruelmente assassinados. Esta chacina ficou internacionalmente conhecida como o Massacre de Haximu, tendo sido considerado um crime de genocídio.

Sucessivos ataques a aldeias e roças ocorrem sendo que até hoje não se sabe o número exato de mortos, entre indígenas e mineiros, mas se tem a certeza que se trata de uma longa guerra de extermínio programática engendrada pelos garimpeiros a partir das inúmeras tensões relacionadas à nova corrida do ouro iniciada em 1987 que resultou na infestação de minas e garimpos irregulares em terras indígenas, cuja penetração teria sido facilitada a partir da inauguração da Rodovia Perimetral Norte.  Bom lembrar que muitas localidades nos decênios anteriores abrangidas pelos chamados projetos desenvolvimentistas do governo ditatorial militar, como por exemplo, a do projeto Calha Norte estavam interditadas aos antropólogos e indigenistas, o que dificultava a comunicação com as comunidades indígenas e a apuração de violências.

O Massacre de Hamuxi,  teria sido noticiado por vários jornais internacionais, como The Globe and Mail e The New York Times, mas muito pouco divulgado pela imprensa brasileira, como de costume.

Esta terrível onda de conflitos e assassinatos nas terras Yanomami são constantes, lamentavelmente. Desanimados com a lentidão das autoridades policiais, grupos de homens Yanomami se arriscam periodicamente deflagrando acampamentos de invasores dos seus territórios. Em 2010 uma TV alemã acompanhou e registrou uma expedição que desbaratou dois garimpos quando encontraram barracas, dragas, picaretas, machados, jiraus de lavagens, mangueiras, tapetes de coleta do ouro, armas e grande quantidade de mercúrio. Provas cabais de mais um vexatório crime sócioambiental.

 Em 2013 a COIAM (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia), o CAICET (Centro Amazônico de Investigação e Controle de Enfermidades Tropicais) e outros organismos internacionais, denunciaram outro grande ataque ao povo Yanomami na comunidade Irotatheri, situada nas nascentes do rio Ocamo, município de Alto Orinoco, na Venezuela. Alertaram ainda que as aldeias vizinhas estariam constantemente ameaçadas e expostas a atos de violências por parte de mineiros e madeireiros, dentre elas, destacaram: Momoi, Hokomawe e Torapiwei.

O antropólogo Albert Bruce em sua obra “O Ouro Canibal…”, fez importante análise sobre as relações simbólicas das propriedades patogênicas do ouro (e de outros metais), as incursões nas matas por parte dos garimpeiros com a cosmologia e interpretações espirituais e territoriais dos Yanomami, indicando ainda como o impacto epidemiológico e ecológico desta invasão tem sido trágica para os indígenas. Para eles, os garimpeiros são considerados os: “urihi wapope, os comedores de terra, comedores de floresta” (BRUCE, 2002:245) A liderança e xamã Davi Kopenawa, que inclusive foi importante interlocutor nessa pesquisa, vem desencadeando uma série de denúncias relacionadas a invasões e a devastação ambiental. Em 2016 esteve no Ministério Público Federal onde entregou para a relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos indígenas, uma pesquisa da FIOCRUZ que indica a alta toxidade das águas por mercúrio nas terras de índios Yanomami e Ye’kuana, no norte de Roraima. Os pesquisadores da FIOCRUZ coletaram amostras de cabelo em 19 aldeias, e segundo os resultados das análises o caso mais alarmante ocorre na aldeia Aracaçá, pois o nível de contaminação teria atingido 92% dos seus habitantes.

Após muitas denúncias de indígenas, entidades ambientalistas e de direitos humanos, uma operação do Exército, voltada ao combate dos delitos transfronteiriços ‘identificou’ em junho de 2017 uma grande  vila de garimpeiros com inúmeros ranchos, comércio, balsas,  antenas de satélite, geradores, televisão e benfeitorias (incluindo um salão de beleza), cravada na selva amazônica, em terra indígena, entre os municípios de Alto Alegre a Amajari, onde a moeda de troca seria exclusivamente o ouro… Além das incontáveis vidas e vidas alheias.

Referência Bibliográfica:

ALBERT, Bruce. O ouro canibal e a queda do céu: uma crítica xamânica da economia política da natureza (Yanomami). In: ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita (Orgs.). Pacificando o Branco: cosmologias do contato norte-amazônico. São Paulo: UNESP, 2002. p. 239-276.

*Historiadora e Arqueóloga.

Imagem: Vila ilegal de garimpeiros em terra Yanomami. Extração de ouro, degradação ambiental e contaminação das águas com mercúrio. Foto do Exército Brasileiro.

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