Google Earth vira “megafone” para os povos da Amazônia

Diferentemente de seus antepassados e dos indígenas mais velhos do povo Surui, verdadeiras enciclopédias de conhecimento tradicional, Ubiratan usa tecnologia de geolocalização para preservar a cultura do seu povo, promover conhecimento entre os mais jovens e monitorar ameaças às fronteiras de sua terra. “Muita gente diz que a introdução da tecnologia na cultura indígena é negativa, mas nós estamos utilizando a tecnologia a nosso favor e também divulgando nossa realidade para o mundo”, afirma.

Ele não está sozinho nessa, embora quando se pensa na imensidão da floresta amazônica, nem sempre considera-se os povos e culturas que vivem nela e ajudam a mantê-la de pé. A partir de hoje, qualquer pessoa do mundo poderá mergulhar numa jornada profunda sobre a história da floresta e de seus povos, contada por meio de vídeo, mapas, áudio e realidade virtual em 360º.

O Google Earth lançou globalmente 11 histórias interativas que abordam diferentes aspectos da região amazônica, onde vivem 25 milhões de pessoas, mais que a população da Austrália. Cada história do projeto Eu sou Amazôniacontempla os desafios e ameaças a esse ecossistema complexo,  que produz 20% do oxigênio do planeta e abriga uma em cada 10 espécies de animais do mundo.

É possível conhecer sobre os rios voadores, a cadeia de produção de iguarias da floresta, como a castanha-do-pará e o açaí, ou descobrir como comunidades, que antes praticavam extração ilegal, agora se reestruturaram com esforços sustentáveis.

Ameaças ao povo do Xingu, localizados na área maias verde e preservada contornada em amarelo. (Google Earth/Divulgação)

Na seção Viajante, os povos da Amazônia compartilham suas vivências em um formato rico e interativo. Há poucos dias, o estudante de biologia Diego Larga, do povo indígena Cinta Larga, estava às voltas gravando um “streetview” de um local na aldeia “onde o pessoal se banha”, parte de um esforço para desenvolver o ecoturismo nas terras de seu povo, que pegam parte do sul de Rondônia e uma pequena parte do sul de Mato Grosso, totalizando 2,7 milhões de hectares.

Apontando no mapa no Google Earth, ele mostra onde ocorreu o maior genocídio da história dos Cinta Larga, em 1964, o Massacre Paralelo 11, onde morreram 5 mil indígenas, envenenados com arsênio por militares, seringalistas e garimpeiros. “Sobraram apenas 400, meus pais escaparam desse conflito e hoje em dia estamos na resistência e contando essa história para o mundo inteiro”, diz.

Ele clica na aba “educação” e fala do plano de educação que o estado de Rondônia firmou em 2015 com o Ministério Público Federal para garantir 100 bolsas de estudo superior  para o povo Cinta Larga. “Só a gente pode fazer a diferença para o nosso povo. Com esse projeto, estudamos sobre como fazer a gestão do território e assim buscar autonomia” conta Diego, que menciona empolgado a possibilidade de usar drones para realizar vigilância contra invasões.

Screenshot do projeto Eu Sou Amazônia. (Google Earth/Divulgação)

Google Earth como ferramenta socioambiental

“O Google Earth é uma plataforma para contar histórias sobre o mundo, por isso fizemos do ‘storytelling’ uma prioridade”, conta a diretora do Google Earth, Rebecca Moore. “Acreditamos que nos tempos atuais, quando as pessoas em todo o mundo parecem se dividir em facções, se polarizando, cada vez mais temos que encontrar formas de criar pontes. Queremos ajudar a empoderar as comunidades da Amazônia para que elas contem sua história e coloquem seus povos no mapa, ao mesmo tempo em que criamos uma nova fonte de educação poderosa para o mundo”, afirma.

A ideia de usar o Google Earth como ferramenta socioambiental não é nova. Ela remonta ao ano de 2007, quando o chefe Almir Surui decidiu bater na porta do Google, na Califórnia, para propor uma parceria para ajudar a aldeia na proteção da floresta e na divulgação da cultura do povo Paiter-Surui. “Nossa luta é para conscientizar o mundo, mostrando que nós podemos sim ser protagonistas do nosso futuro, e essas ferramentas tecnológicas facilitam muito isso. Floresta não é só patrimônio dos povos indígenas, é patrimônio do Brasil e do mundo. Cada um tem o dever de defender e acreditar que é capaz de fazer mudanças para melhor”, setencia.

De lá para cá, a parceria com o Google chegou a outras comunidades e aldeias, um processo que demanda intenso treinamento, fornecimento de materiais para trabalho, como GPS, computadores e sinal de internet para todos.”Nós começamos há pouco tempo a parceria com o Google e estamos aprendendo a fazer o mapeamento territorial agora”, afirma Claudinete Cole de Souza, remanescente do Quilombo Boa Vista Trombetas, no município de Oriximiná, no Pará, o primeiro a ser reconhecido e titulado no Brasil.

“Uma coisa é a gente saber que tem oito territórios, a gente saber pelo que é falado, outra coisa é a a gente conseguir ver isso lá de cima, o que tá acontecendo dentro desse território”, compara. Claudinete explica que ferramenta permite visualizar a situação do território e fazer o levantamento socioeconômico dos quilombos, saber quais são as suas necessidades, especialmente diante de ameaças constantes. “Hoje, na Amazônia, nós quilombolas e também os indígenas somos muito ameaçados pelos grandes projetos, como mineração, como madeireiras, garimpo e grandes criadores de gado. Estamos sendo sufocados e oprimidos”, diz.

“A todo o momento o governo tenta derrubar tudo aquilo que nós conseguimos através de uma luta muito grande. Quando os grandes projetos vão pra Amazônia, dizem que lá não tem quilombola, mas tem. Nós estamos lá e temos que mostrar para o mundo que estamos lá. Com muita força, muita união, nós vamos conseguir. Porque eu sou Amazônia, eu sou liberdade, está no meu coração e está na minha vida”, desabafa emocionada.

Essas e outras história já estão disponíveis para desktops e dispositivos móveis em g.co/EuSouAmazonia.

Ubiratan Surui. Foto: Vanessa Barbosa

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