Temer diz que ideologia instabiliza país. Mas espancar a CLT foi ideológico, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Temer disse, nesta quinta (13), que ”ninguém tinha a ousadia” de realizar uma mudança nas leis trabalhistas tão profunda quanto ele fez.

Não tenho como discordar dele. Sem se importar com míseros 7% de popularidade, seu governo atendeu ao pedido de grandes empresários e do mercado financeiro e transformou parte das leis que garantem a proteção da saúde, da segurança e da qualidade de vida de trabalhadores em papel para reciclagem.

Seria justo se as associações patronais, que colaboraram ativamente na redação do texto da Reforma Trabalhista aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado por Temer, inaugurassem estátuas de bronze em sua homenagem na frente de suas sedes. Um sugestão seria Temer cavalgando um enorme Pato Amarelo. Mas como até elas o veem mais para um mal necessário do que como exemplo a ser seguido, o poeta de Tatuí terá que se contentar com o rodapé da história.

O que mais chamou atenção em seu discurso de hoje, contudo, foi que reclamou de quem aplica a ”ordem jurídica” segundo sua ”ideologia”, dizendo que isso traz instabilidade ao país.

Fico em dúvida se isso foi um insulto à nossa inteligência, se ele estava querendo tripudiar de quem foi contra o projeto ou se queria reclamar da discussão aberta na Câmara dos Deputados sobre a permissão para que o Supremo Tribunal Federal abra ação penal por corrupção contra ele. Ou tudo isso junto.

Porque o texto aprovado da Reforma Trabalhista foi baseado em uma visão ideológica específica: a do livre mercado sobrepondo-se à dignidade humana. Não, ela não traz apenas coisas ruins. O fim do imposto sindical obrigatório, por exemplo, é uma luta antiga de quem defende o fortalecimento de sindicatos sérios. Mas retirou proteções suficientes para piorar, e muito, a vida de parte considerável da sociedade.

O neoliberalismo é craque em se afirmar neutro e sem ideologia quando, na verdade, não é. Ele quer fazer crer que é lógico cortar direitos de trabalhadores, impor limites para o crescimento de gastos públicos em educação e saúde, implantar uma idade mínima alta para a aposentadoria, tudo em nome do progresso.

E, depois, do alto de uma cara de pau, representantes políticos de empresários dizem que isso não é ideológico, que isso é apenas lógico. Lógico para que poucos continuem ganhando e muitos continuem perdendo. Para que todos achem isso normal. Ou, no limite, para que você seja tão bem doutrinado que se torne um cão de guarda daquele que te explora.

Não há discurso mais ideológico do que aquele que diz que não possui ideologia. Ao tentar tirar o corpo fora, dizendo que ideológico são os outros, Temer fica entre os que ajudam a construir, na verdade, uma complexa rede de estruturas invisíveis para apoiar um determinado grupo social. Os mais ricos, no caso.

Somos guiados por conjuntos de ideias e adotamos diferentes formas de interpretar os fatos do mundo. O importante é saber se a nossa base ideológica é includente ou excludente. Ou seja: queremos que mais seres humanos aproveitem da mesma dignidade que desejamos para nós mesmos ou não?

Pela ideologia professada pelos que estão no poder, creio que vocês já sabem a resposta.

 

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