Encarceramento em massa, genocídio e ativismo branco

Justificando

“A nomeação do problema como genocídio da população negra incomoda de fato todo um ativismo branco que se recusa não só a ver genocídio, mas se recusa a ver racismo nos números”. O Justificando recebeu em seus estúdios o sociólogo Mestre e Doutorando pela Universidade de São Paulo Paulo Ramos para uma conversa sobre genocídio negro no Brasil.

Paulo, que é um estudioso da temática racial e da política de extermínio de jovens negros da periferia, explica que “Quando o movimento negro estabelece que o que ocorre com a população negra é um genocídio, existem alguns elementos que justificam esse nome: desigualdade, violência estatal direta, segregação, cultura. Se a gente olhar de perto o quadro da população negra de violência e morte, a gente fica tentado a usar alguns nomes fortes e genocídio talvez seja o nome mais adequado para classificar o problema da população negra no Brasil de hoje”.

Para ele, “quem usa esse nome (genocídio), especialmente quem é do movimento negro, percebe um processo sistemático de produção de desigualdades e o fim último das mortes em massa. Sobretudo a mortes da violência interpessoal, da violência policial e o outro tipo de morte, que é uma morte social, que é o encarceramento em massa.

De todo modo, o sociólogo identifica uma negação por parte de movimentos de direitos humanos em reconhecer a violência como algo estruturado no racismo – “A ideia de que existe uma segregação racial na produção de mortes é negada veementemente por estudos que tomam o problema do racismo como mais um dado da paisagem social que não teria importância, quando na verdade o problema racial é que estrutura todo esse cenário de violência (…) Na verdade, há uma negação sistemática do ativismo de direitos humanos para reconhecer que existe racismo ordenando a violência no Brasil”.

Paulo explica que a questão do racismo passa a ser nitidamente percebida na representatividade e nas diferenças abissais sociais entre negros e brancos – “Quantos senadores negros? Deputados? Prefeitos de cidades de grande, médio e pequeno porte no Brasil? Se pegar o IDH dos negros no Brasil, você vai ver que é igual de um país subdesenvolvido (…) se você pega o IDH dos brancos, você vai ver que é igual o do Canadá, França. Isso significa que o racismo produz desigualdade, segregação racial. O racismo é estrutura pois produz efeitos sobre a realidade”.

Sobre o encarceramento em massa, tratado como uma forma de genocídio, Paulo pensa a questão a partir do caso de Rafael Braga, catador de materiais preso por “porte de Pinho Sol” e posteriormente por tráfico, quando havia prova defensiva de sua inocência – “O caso do Rafael Braga é um emblemático, porque reúne todas as características daqueles casos que levam as pessoas a serem encarceradas em massa no Brasil. Eu prefiro o termo hiper encarceramento, na verdade, porque quem é encarcerado tem perfil específico: jovem, negro, de classes populares. E a política de encarceramento no Brasil parece que se transformou numa forma de gerenciar esse sujeito que a sociedade considera indesejável.”

“É preciso dar visibilidade a Rafael Braga porque é um caso de genocídio: mais simbólico, pois a subjetividade da pessoa é negada enquanto sujeito social, autônomo, individual, como Adbias do Nascimento falou em seu livro de 1978 chamado ‘O genocídio do negro brasileiro’ e que é um política que atenta contra um povo, tentando apagar suas marcas culturais e subjetivas. O Rafael Braga pode não ter sido morto pela polícia, mas ele foi condenado a perder sua vida digna. É uma espécie de morte social” – completou.

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