“Quem vive da pistolagem está seguro. Pode matar, não vai acontecer nada”, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

”No Pará, quem vive do crime organizado e da pistolagem está tranquilo e seguro: pode matar que não vai acontecer nada. É uma situação para intervenção federal.” O desabafo foi feito por uma liderança social da região Sudeste do Pará que pediu para não ser identificada, pois teme ser a próxima na fila.

Nesta terça (25), o prefeito de Tucuruí (PA), Jones William, foi assassinado a tiros por dois homens em uma moto enquanto visita obras no município. Em maio, Diego Kolling, prefeito do município vizinho de Breu Branco também foi assassinado. E, em janeiro do ano passado, João Gomes da Silva, prefeito de Goianésia do Pará, foi morto a tiros. Goianésia também perdeu um secretário municipal e um vereador de forma semelhante.

De acordo com essa liderança ouvida pelo blog, as mortes podem estar relacionadas à disputa pelo controle de recursos públicos nessas prefeituras. Os três municípios estão na região de influência do lago da hidrelétrica de Tucuruí e, portanto, são beneficiados por repasses da Eletronorte.

Também na manhã desta terça, um casal de trabalhadores rurais idosos foi assassinado em um assentamento no município de Itupiranga, também no Pará, a 220 quilômetros ao Sul de Tucuruí. Manoel Índio Arruda e Maria da Luz Fernandes já haviam procurado o Incra e outros órgãos para que fossem tomadas providências sobre disputas por lotes de terras na região. A polícia ainda está apurando o ocorrido.

Apesar dos indícios não apontarem que a morte dos políticos estejam atreladas ao desmatamento ilegal ou a conflitos por posse de terra, elas se somam à histórica violência no campo no Pará.

São centenas de casos de sindicalistas, trabalhadores rurais, camponeses, indígenas cujos carrascos nunca foram punidos. Por exemplo, na década de 80 e 90, os fazendeiros resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, e assassinaram uma série de lideranças. Foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Deles, passando pelo massacre de Eldorado dos Carajás (1996), pelos casos Dorothy Stang (2005) e José Cláudio e Maria (2011) foram décadas de impunidade.

Outra liderança ouvida pelo blog e que não vai ser identificada pela mesma razão, explica que a situação se agravou muito nos últimos tempos. ”Escancarou a prática dos crimes de encomenda, alguns deles com a presença de agentes públicos.”

Ao que tudo indica, parece ser o caso da chacina de Pau d’Arco. Dez trabalhadores rurais sem-terra foram mortos na fazenda Santa Lúcia, localizada nesse município do Sul do Estado, no dia 24 de maio. Foram acusados 11 policiais militares e dois policiais civis, que estão presos por ordem da Justiça do Pará. Afirmam que os sem-terra entraram em confronto com eles em uma reintegração de posse, o que a perícia não confirmou.

Quem está coordenando a investigação desse caso é a Polícia Federal, o que faz dele uma exceção. Os mandantes ainda não foram identificados.

O massacre de Pau D’Arco ocorreu no mesmo dia em que Michel Temer autorizou o uso das Forças Armadas contra os manifestantes que ocuparam a Esplanada dos Ministérios contra as Reformas Trabalhista e da Previdência. ”Há um sentimento de que as instituições, que já não funcionavam bem, deixaram de funcionar. Se isso ocorre em Brasília, imagina aqui no Pará”, afirma uma das lideranças. ”O Estado perdeu a capacidade de garantir segurança pública e de investigar as mortes. Não há esclarecimento de crimes”, diz a outra.

Não é possível dizer que o Estado é ”ausente” nessas regiões, seria um erro do ponto de vista conceitual. Mas as instituições que servem para garantir a efetividade dos direitos fundamentais são mal estruturadas, defeituosas ou insuficientes. Enquanto isso, aquelas criadas para garantir o desenvolvimento econômico, seja através do agronegócio, do extrativismo ou dos grandes projetos de engenharia, funcionam muito bem. Prova disso é que subsídios e isenções fiscais continuam beneficiando empresas no Pará, mas não há recursos para resgates de trabalhadores em situação análoga à de escravo a partir de agosto.

Apesar da catástrofe na segurança pública do Rio de Janeiro estar presente com mais frequência nas manchetes, a situação no Pará também ultrapassou os limites da razão. Com a mesma facilidade com a qual se matam grupos de pessoas em comunidades pobres na capital carioca, são assassinados trabalhadores, lideranças e até políticos no segundo maior estado do país.

Organizações e movimentos sociais do Sul e Sudeste do Pará ouvidos pelo blog acreditam que casos que envolvem agentes públicos e violência no campo deveriam ser assumidos pela Policia Federal, Ministério Público Federal e a Justiça Federal, considerando o que chamam de incapacidade do sistema estadual em garantir proteção e justiça à sociedade. O problema é que essa saída é um paliativo.

Para além da questão de competência estadual a fim de impedir e resolver esses crimes, o agravamento do que ocorre no campo no Pará também é reflexo da atual conjuntura política nacional, no qual o nível de confiança nas instituições (e, portanto, na aplicação da lei) é baixo e a certeza de liberdade do qual desfrutam representantes do atraso que mancham o nome do agronegócio brasileiro é alto. O futuro do campo no Pará depende do que acontecer com o resto do país.

Em 2009, proprietários rurais e suas entidade patronais paraenses chegaram a pedir intervenção no Estado uma vez que o poder público local não estava sendo célere – em sua opinião, claro – para garantir reintegrações de posse de terras (muitas das quais, com sérios indícios de grilagem). Pois talvez tenha chegado a hora de um outro tipo de intervenção, talvez internacional. Não para garantir que a terra se concentre nas mãos de alguns, mas para que o sangue de muitos deixe de correr.

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