Parceria entre Cimi e Unila conclui curso em Histórias e Culturas Indígenas

No Cimi

Após 18 dias de trocas e discussões, concluiu hoje (28) a segunda edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas, uma parceria do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) com a Universidade de Integração Latino-Americana (Unila). 

38 pessoas vindas de 15 estados do país permaneceram três semanas no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), onde debateram sobre: História e Resistência Indígena, Conjuntura Política Indigenista, Terra, Território e Territorialidade e sua relação com os projetos de Bem Viver, Direitos Indígenas, Antropologia Indígena e questão metodológica do ensino da História Indígena nas escolas.

Com essas temáticas, o curso ofereceu formação para apropriação de referenciais conceituais e legais que permitem o conhecimento e valorização da sociodiversidade indígena, para a desconstrução de noções equivocadas e preconceituosas sobre as comunidades e povos tradicionais. As aulas buscaram valorizar a multietnicidade e a pluralidade cultural. As realidades contemporâneas dos Povos Indígenas no Brasil nas propostas pedagógicas das escolas também estiveram presentes nas grades das aulas.

O curso que está em sua segunda edição formou, com a atual turma, aproximadamente cem pessoas que direta ou indiretamente contribuem com a causa indígena em todo o território nacional. “O debate surge como sinal de esperança em uma conjuntura de retirada de direitos e violação da vida dos indígenas”. A iniciativa, segundo Marline Dassoler, integrante da equipe responsável pela iniciativa, busca integrar os saberes acadêmicos e a atuação junto aos povos tradicionais. “Trazemos, com o Cimi, um trabalho prático da luta com os indígenas, na promoção de seus direitos e autonomia. A Unila proporciona o debate com fundamentos epistemológicos”, comenta. “Passamos assim a referenciar nossas propostas de trabalho a partir de saberes práticos e teóricos”, afirma a missionária do Cimi e membra do Coletivo Nacional de Formação da entidade.

Além da contribuição com o pensar a pluralidade sociocultural do Brasil, reduzindo assim o preconceito contra os povos indígenas, o curso auxilia na difusão do projeto da Unila e do Cimi, valorizando as parcerias com movimentos sociais e auxiliando na capacitação de multiplicadores sociais na temática da diversidade étnica.

“As aulas tiveram sempre uma proposta de historicizar as realidades das populações indígenas na América Latina a partir dos diferentes campos do conhecimento, na história, na política, na sociologia, no direito”, comentam Maria Cristina Macedo Alencar, professora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. “As trocas de saberes ajudarão a construir cursos que não sejam colonizadores, mas que se estruturem nas práticas que reflitam a realidade” A linguista destacou a importância das vivências extra academia, que segundo ela, atribuem ao curso um caráter pedagógico do “aprender na partilha”. “A experiência mostra que é possível o diálogo com outros sujeitos que não estejam somente na academia, e também com outras instituições que possuem o trabalho direto com esses variados sujeitos sociais”.

Além de professoras (es) e pedagogas (os), que somam 52% dos intencionistas, participaram do curso indígenas, indigenistas, historiadores, estudantes, advogados, produtores culturais, agrônomos, e membros de movimentos e pastorais sociais.

Jessica Marques, universitária do estado de Minas Gerais, destacou a importância do curso como espaço de potencializar a formação dos movimentos populares que trabalham na defesa dos direitos sociais. “O curso traz em sua raiz um pensamento descolonizar. É preciso descolonizar nossos saberes e as práticas de um projeto político vigente, que é neoliberal. Os módulos do curso trazem a perspectiva histórica, suas contradições, para uma nova atuação no presente”, comenta.

“A presença estudantil contempla os objetivos propostos para o curso, de formar agentes de movimentos e pastorais sociais e professores dos diferentes níveis de ensino das redes municipais, estaduais e privadas”, afirma Clovis Antonio Brighenti, membro da equipe coordenadora. “Desejamos qualificar a abordagem das temáticas das culturas e história dos Povos Indígenas nas propostas pedagógicas e curriculares, visando a contribuir para a implementação qualificada da Lei nº 11.645/2008 e no suporte pedagógico aos agentes sociais sobre a referida temática”.

Descolonizar: novos saberes para outras práticas

Enquanto, no Congresso Nacional, avançam políticas que violentam os direitos dos povos tradicionais, indígenas e indigenistas gestam forma de resistência nos espaços de conhecimento e luta. No Pará, por exemplo, o defensor público Johny Giffoni busca alternativas em sua atuação jurídica para incrementar práticas que respeitem a organização social e cultural dos povos indígenas. “É preciso fazer Direito com outro paradigma de pensamento, que venha conceber uma sociedade mais justa. Quando a atuação é junto aos povos indígenas, necessariamente devemos conduzir nosso fazer a partir de suas realidades”, expressa.

Para o defensor público, o curso ajudou a “pensar um sistema de justiça plural, e em políticas públicas que sejam includentes, não discriminatórias”.  “Levarei para o Pará a discussão e as possibilidades de colocarmos as instituições jurídicas a debater seus fazeres de forma inculturada”. Para Giffoni, é necessário tornar os órgãos plurais em seus saberes e para isso é preciso ouvir. “Só podemos ter um sistema de justiça plural se as pessoas que a compõem sejam plurais. Você precisa debater com índios, negros, ribeirinhos, ciganos, as práticas que vão incidir em sua organização. Somente assim serão ações respeitosas. O curso está possibilitando eu desenhar ações que direcionem para esse fazer”.

Os dias de curso foram preenchidos com intensas discussões sobre conceitos como alteridade, diferença, autonomia, etnocentrismo, plurinacionalidade, colonialidade e territorialidade. As aulas intercalaram-se com momentos de cantos, contos, poesias, histórias e relatos de resistência e de esperança, além das constantes provocações sobre o presente e o futuro a partir do princípio do bem viver.

As seis disciplinas distribuídas em 140 horas aulas correspondem à etapa presencial, que se estendeu de 10 a 28 de julho. As demais 40 horas aulas implicam na produção de um artigo ou projeto de intervenção no contexto de cada estudante, orientados pelo corpo docente do curso.

Ataques ao projeto pedagógico da Unila

Histórias e Culturas Indígenas ocorre em um contexto onde busca-se silenciar práticas de integração da América Latina, que pensem e debatam a vida dos povos originários deste continente. A fundação da Unila, em 2010, representou um importante passo para o fortalecimento latino-americano, como um fator de poder para o futuro comum da América Latina. Contudo, a afirmação da vocação e identidade ameríndia incomodou representantes do colonialismo e da dependência. Em abril deste ano, Álvaro Dias (PV-PR) apresentou um projeto para que a universidade sofresse modificações no seu projeto pedagógico. Representante do latifúndio, Álvaro Dias é um dos mencionado em gravações originadas na Operação Lava Jato.

“Acompanhamos o avanço de um projeto conservador e neoliberal em nosso país. Isso acontece com força no Congresso e incide em entidades menores, como universidades federais e estaduais. Os ataques à Unila estão nesse contexto. Desejam que ela perca sua configuração de interação com o pensamento da América Latina. Isso vem sendo posto em disputa por um projeto conduzido por bancadas como a do agronegócio”, ressalta Jessica Marques, militante do Levante Popular da Juventude.

Ao findar o curso, em nota pública, os cursistas da segunda edição solidarizam-se com os professores e alunos da instituição e reafirmam a importância da universidade para a promoção do pensamento latino-americano. “O principal argumento apresentado é modificar completamente o projeto de Unila e transformá-la em produtora de mão de obra para o agronegócio”, denuncia a nota ao repudiar a iniciativa de alterar a opção pedagógica. “O próprio curso de extensão é uma demonstração fundamental do quanto a Unila e seu projeto e atuação é de extrema relevância não apenas para a região oeste do Paraná, mas para o Brasil e demais países latino-americanos”, pontua o texto.

Leia a nota abaixo:

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Nota Pública em defesa da Unila e sua opção latino-americana

Os estudantes do curso de Extensão em Histórias e Culturas Indígenas, oferecido pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana em atendimento a Lei nº 11.645/2008, vêm a público manifestar-se contra os ataques em curso que desejam acabar com o projeto da Unila de pensar uma nova relação latino-americana construída a partir das epistemologias regionais. Somos professores, educadores populares, defensores dos direitos humanos, defensores públicos, eclesiásticos de 15 Unidades da Federação que nos interessamos pelo curso oferecido pela Unila e estivemos, desde o dia 10 de julho, estudando a temática indígena.

Acompanhamos atentamente e repudiamos os ataques verbais do senador da República Álvaro Dias (PV-PR) alegando que a Unila tem “funcionamento atípico” e que vive uma “crise permanente”. Essa ofensiva veio a somar-se a mais um ataque desferido pelo deputado Sergio Souza (PMDB-PR) ao propor uma “Medida Aditiva” a “Medida Provisória Nº 785, de 2017 a fim de “criar a Universidade Federal do Oeste do Paraná (UFOPR)” com a incorporação da Unila, que segundo o deputado, a universidade “funciona aquém do potencial para o qual foi concebida”.

O principal argumento apresentado é modificar completamente o projeto de Unila e transformá-la em produtora de mão de obra para o agronegócio, como argumenta o pmdebista: “Tais fatores demandam, sem sombra de dúvidas, a necessidade de mão de obra qualificada na região para a demanda da cadeia produtiva e também do incremento do terceiro setor que acompanha naturalmente o desenvolvimento do setor produtivo”.

O próprio curso de extensão é uma demonstração fundamental do quanto a Unila e seu projeto e atuação é de extrema relevância não apenas para a região oeste do Paraná, mas para o Brasil e demais países latino-americanos. Mais do que formar mão de obra, precisamos de pessoas capacitadas para pensar as sociedades e auxiliar a superar a grave crise humanitária e ambiental que passamos.

Nesse sentido, nos unimos a comunidade acadêmica da Unila (alunos, técnicos e professores) e a sociedade brasileira na defesa da manutenção e apoio esta importante instituição de ensino, pesquisa e extensão. Repudiamos aos ataques verbais e através de ações parlamentares sem qualquer debate com a comunidade universitário e com a sociedade brasileira.

Alunos da 2° edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas
Luziânia (GO)
28 de julho de 2017

Segunda edição reuniu 38 pessoas de 15 estados. Encerrou dia 28/07 após 18 dias de aula. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

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