O Racismo Institucional do Judiciário e os Casos Rafael Braga e Ogo Alves

Luisa Fenizola – RioOnWatch

Rafael Braga foi detido durante as manifestações de 2013 por portar um Pinho Sol, e novamente detido no início de 2016, um mês após ser liberado para cumprir a pena em liberdade, por porte de drogas, que alguns alegam inclusive que foram os próprios policiais que colocaram em sua posse. Dessa vez, foi sentenciado a 11 anos por tráfico de drogas. Ogo Alves da Silva, por sua vez, hoje já maior de idade, encontra-se detido em uma unidade do Degase desde 2015, acusado pelo esfaqueamento de um médico na Lagoa.

Ambos têm algumas coisas em comum: são jovens, negros, pobres. Rafael, morador de rua. Ogo, morador da favela de Manguinhos, na Zona Norte da cidade–local inclusive onde se encontrava no momento do crime, ocorrido a mais de 15km de distância, segundo testemunhas do processo.

Mas a polícia precisava de um suspeito para acalmar os ânimos da população após um crime que chocou a todos–uma vida por uma bicicleta, um médico, na Zona Sul da cidade. Então policiais foram até a casa de Ogo, que já tinha passagens por furtos na região da Lagoa, onde não só encontrou a sua mãe, dona Jane, mas encontrou também facas. Dona Jane é catadora, e as facas que serviram de prova contra seu filho são seus instrumentos de trabalho na coleta e manipulação do lixo.

A única testemunha do crime, um frentista, afirmou na hora que eram dois os criminosos, um branco e um negro, mas que não seria capaz de reconhecê-los devido à rapidez do ocorrido. Dois dias depois, quando Ogo foi detido, no entanto, ele reconheceu-o em uma foto como o autor do crime, em um depoimento com diversas discrepâncias em relação ao primeiro.

Alguns dias depois um segundo adolescente, de 15 anos, também negro, se entregou afirmando participação no crime. Menos de duas semanas mais tarde, um terceiro adolescente se entregou à polícia, afirmando que havia praticado o crime com o segundo adolescente detido e inocentando o Ogo.

Rafael e Ogo permanecem presos mesmo diante da falta de provas que os condenem–ou melhor, de um uso seletivo das provas e testemunhos. Ogo foi condenado com base no testemunho contraditório de um homem e em uma suposta arma encontrada em sua casa, mas não foi absolvido mesmo após ter sido inocentado por alguém que confessou o crime. Rafael foi preso com uma quantidade de drogas considerada pequena e com base somente no testemunho dos próprios policiais que efetuaram a prisão, como é frequente no caso de jovens negros. Mas os limites entre o que caracteriza “uso”, não criminalizado,  e o que caracteriza “tráfico” não são bem definidos em lei, cabendo ao juiz a decisão em cada caso. E a justiça tem uma probabilidade muito maior de chamar de tráfico quando o sujeito é negro do que quando é branco, ainda que as quantidades sejam as mesmas. O caso do Ogo e o caso do Rafael ilustram a pior face do nosso sistema judiciário: o racismo institucional e a criminalização da pobreza que condenam com base na cor e na origem social e que conferem a brancos e negros um acesso desigual aos meios jurídicos.

Rafael e Ogo têm ainda outra coisa em comum: os dois serão julgados hoje, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Rafael teve seu pedido de habeas corpus indeferido na semana passada e haverá uma nova audiência hoje; caso seja negado, ele permanecerá preso até o julgamento pelo suposto crime. Ogo obteve no último julgamento um voto a favor de sua absolvição por parte de um dos desembargadores, de forma que o caso será julgado novamente. Se absolvido, Ogo poderá ser indenizado pelo Estado pelos mais de dois anos que passou no Degase.

No Degase, Ogo tem um ótimo relatório de comportamento e já está cursando o Ensino Médio, tendo entrado na instituição cursando a 5ª série do Ensino Fundamental. Além de destacarem o bom desempenho escolar dele, professores alegaram que Ogo diz ter dois sonhos: morar em Barcelona, pois adora pedalar, e ouviu dizer que lá há muitas ciclovias, e ser advogado, para lutar contra injustiças.

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