Temer pede Brasil unido. Isso caminha para ocorrer, mas contra seu governo, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Em discurso na assinatura de acordo para a transferência de parte do Campo de Marte da administração federal para a Prefeitura de São Paulo, Michel Temer afirmou que é ”inadmissível que brasileiros se joguem contra brasileiros”. E completou: ”a história do ‘nós contra eles” não pode prevalecer. Nós temos que unir o Brasil”.

Ele queria fazer um afago ao presidenciável João Doria, o anfitrião do evento, chamando-o de conciliador. O prefeito paulistano tem várias qualidades como comunicador, mas considerando a energia que gasta atacando jornalistas que o desagradam, pode-se dizer que Temer torturou o significado da palavra.

Para ser sincero, imaginei que levaria um longo tempo até que o Brasil, rachado pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff, pudesse se unir novamente em torno de algo. Na minha avaliação, jantares natalinos permaneceriam cancelados enquanto houvesse a chance do tema principal ser o rebatismo do Brasil para Cubazuela ou qualquer outra notícia falsa que circula em redes da direita à esquerda.

Mas eu estava errado. Michel Temer conseguiu a proeza de ”unir o Brasil” ao alcançar apenas 5% de aprovação de ótimo e bom, segundo a última pesquisa Ibope – indo mais fundo que Sarney, Dilma e Collor.

Esse naco – que ainda pode ser menor por conta da margem de erro de dois pontos – deve incluir Wladimir Costa (o deputado paraense que tatuou o nome do ocupante da Presidência da República com hena no ombro pra demonstrar seu apreço), a parte do empresariado e do mercado que ganharam com as reformas e um naco de antipetistas que acha que está em uma cruzada contra o lulodilmocomunopopulismo. Talvez Doria e Marcela, mas certamente não Rodrigo Maia ou Henrique Meirelles.

Já a esmagadora maioria da população desaprova o governo (71%) e defendeu que ele fosse afastado para que se tornasse réu por corrupção passiva (81%), também segundo o Ibope.

O número é muito grande para representar apenas um grupo. Ou seja, esquerda e direita não gostam de Temer. Mas a radicalização de posições impede o diálogo para que protestos atuem sob a mesma bandeira. E a discordância sobre o dia seguinte (Rodrigo Maia, eleições diretas, eleições indiretas?) piora o quadro. O que só agrava o desalento, o sentimento de impotência e a perda de fé no país que dificulta mobilizações.

Mas não foi apenas o desgosto ao seu governo que une os brasileiros. Antes disso, a Reforma da Previdência, do qual ele é pai, foi um fator que uniu coxinhas e mortadelas.

De acordo com a última pesquisa Datafolha sobre o tema, 71% da população brasileira era contra a Reforma da Previdência. Pesquisa Vox Populi havia apontado que 93% rejeita o aumento da idade de aposentadoria para 65 anos e do tempo mínimo de contribuição para 25 anos. E segundo levantamento coordenado pelos professores Pablo Ortellado e Marcio Moretto (USP) e Esther Solano (Unifesp), 74,8% dos manifestantes que foram à avenida Paulista chamados pelos movimentos pró-impeachment para apoiar o ato de combate à corrupção no dia 26 de março se declarou contra a proposta de Temer para a Previdência.

Temer uniu o Brasil. Mas, desconfio, que a pessoa mais feliz com isso seja ele próprio.

Michel Temer e Joao Doria, durante evento em São Paulo Foto: Felipe Rau/Estadão

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