Cerca de 200 peças integram a coleção tombada pelo Iphan
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
O Ministério Público Federal (MPF/RJ) realizou nesta quarta-feira (9) reunião com líderes religiosos, na sede da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, para discutir planos para a recuperação de objetos considerados sagrados de religiões afro-brasileiras apreendidos pela Polícia Civil. Consideradas provas de crimes pelo Código Penal de 1890, que proibia a “prática do espiritismo, da magia e seus sortilégios”, as peças foram apreendidas em terreiros – em sua maioria no começo do século passado e durante a ditadura militar – e guardadas na Repartição Central da Polícia, prédio que abriga hoje a sede da Polícia Civil.
Além dos religiosos, a reunião contou com a participação dos procuradores regionais dos direitos do cidadão Ana Padilha Oliveira e Renato Machado, o deputado Flávio Serafini, a vereadora Marielle Franco, Marcelo Chalréo da Comissão de Direitos Humanos da OAB e jornalistas, pautados, principalmente, pelas expectativas em relação a atuação do MPF e os anseios da sociedade civil na busca de uma saída mais dialógica.
Segundo o procurador da República Renato Machado, preliminarmente, deve ser solicitado ao Iphan que verifique a correspondência de cada peça em poder da polícia com o catálogo dos bens que foram tombados, e o respectivo estado de preservação. O acervo conta com cerca de 200 objetos, integrados a um conjunto batizado coleção “Magia Negra”, tombado em 1938.
O cineasta e pesquisador Fernando Sousa, que tentou ver e filmar o acervo em duas ocasiões, recebendo negativas da direção da Polícia Civil, diz que o tratamento com as imagens desse sagrado é desrespeitosa, além de inviabilizar um trabalho de pesquisa. “Nenhum trabalho de construção de conhecimento é realizado em cima dessas obras. O acesso às imagens, que hoje não são expostas – estão em reserva técnica – é imprescindível para a construção de uma sociedade democrática, no combate à intolerância religiosa”.
O deputado estadual Flávio Serafini lembrou que a construção do acervo foi fruto da violência do Estado, e sua permanência nas condições atuais é uma reprodução da violência, reafirmação do preconceito. Já Heloisa Berto, líder religiosa, apega-se ao respeito à memória de seus antepassados, ao falar de violência e reparação: “Não há desgosto mais profundo do que ser invadido na própria fé; no nosso sagrado. É a parte mais íntima da nossa vida.”
Para Maria do Nascimento, mais conhecida como Mãe Meninazinha de Oxum, a “prisão” dos objetos sagrados materializa “a dor de uma religião, a dor dos orixás – de ser considerada feitiçaria, um culto à natureza”. Mas Mãe Meninazinha tem esperança no futuro, “é chegado o momento de ter voz”. Uma vez libertos, depois da escolha de um museu pela afinidade temática e pelo aporte técnico e estrutural para receber o acervo, os objetos serão importantes para conhecer a história e passar esse conhecimento aos mais novos dentro das próprias religiões.
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Foto: MPF/RJ