Povos indígenas de Roraima repudiam Marco Temporal e pedem respeito aos direitos originários na 6ª Marcha realizada em Boa Vista/RR

CIR

Com as expressões “nenhum direito a menos”, “nossa história não começa em 1988 – Marco Temporal Não” e outras que expressam a luta e a resistência indígena no Brasil, os povos indígenas de Roraima, Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona, Sapará, Yanomami, Ye`kuana, Ingaricó e Wai-Wai, oriundo de dez etnoregiões do estado de Roraima, realizaram nesta quarta-feira, 9 de agosto, a 6ª Marcha dos Povos Indígenas de Roraima, em alusão ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, reunido aproximadamente mil pessoas, entre indígenas e não indígenas. A Marcha também somou com as demais mobilizações ocorridas em várias regiões do Brasil contra o Marco Temporal. 

A concentração da Marcha iniciou por volta das 6h da manhã, na Praça do Centro Cívico, com a presença de lideranças indígenas regionais, mulheres, jovens, crianças, estudantes, professores, seguranças indígenas, além de militantes dos movimentos sociais, sindicatos, pastorais e demais defensores da causa indígena e social.

Após a recepção tradicional com os cantos na língua Macuxi e Yanomami, houve a abertura da 6ª Marcha pelos representantes das organizações indígenas de Roraima, Conselho Indígena de Roraima (CIR), Hutukara Associação Yanomami (HAY), Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR), Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APITSM), Organização dos Indígenas da Cidade (ODIC), Conselho do Povo Indígena Ingaricó (COPING), Associação do Povo Indígena Yekuana do Brasil (APYB), Associação Kuakiri de Boa Vista, Associação de Arquearia Indígena de Roraima (AAIR), além da presença da coordenação geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB).

A coordenadora geral da UMIAB, Telma Marques Taurepang, abriu as falas e em tom de voz forte lembrou que os povos indígenas são seres humanos e por isso precisam ser reconhecidos como seres perante a Constituição. “Nós somos seres humanos, respiramos, por isso precisamos ser reconhecidos como seres humanos de direitos, reconhecidos perante a Constituição”.

“Não ao marco temporal, nossa história não começou em 1988”, concluiu Telma chamando atenção para o cenário da política partidária em 2018 que segundo ela, precisam mudar o cenário que só retrocede os direitos indígenas.

O Vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dario Vitorio Yanomami, justificando a ausência do seu pai, o grande líder Davi Kopenawa Yanomami, iniciou falando na língua Yanomami. Dário, representante de 24 mil Yanomami, localizados nos estados de Roraima e Amazonas, traduziu falando sobre o direito de falar na língua de origem e a sua importância para cada povo falar que, segundo ele, é uma das formas dos “brancos” reconhecerem o costume e o direito dos povos indígenas.

E concluindo a abertura oficial da Marcha, o jovem coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Enock Barroso Tenente, etnia Taurepang, com alegria de poder participar pela primeira vez como coordenador da organização indígena pioneira na criação do movimento indígena de Roraima, também reforçou a bandeira de luta em defesa dos direitos indígenas, duramente conquistado na Constituição Federal de 1988 e, hoje, sendo violado pela bancada ruralista, agronegócio e demais forças anti-indígenas que querem acabar com os direitos originários, principalmente, com o direito à terra.  Enock reforçou que a luta está na união e fortalecimento dos povos indígenas do Brasil.

Após as considerações dos representantes indígenas, a Marcha iniciou percorrendo a via central de Boa Vista, com destino aos órgãos públicos para a entrega da Carta Aberta da 6ª Marcha. A primeira parada foi no Palácio do Governo, onde o povo acompanhou com a dança do parichara, cantos tradicionais e expressões de ordem aos representantes do Poder Executivo e Legislativo.

A Marcha seguiu em direção à Secretaria Estadual de Educação e Desporto do Estado de Roraima (SEED). Representantes das organizações indígenas e lideranças regionais foram recebidas pelo Secretário de Educação, Jules Rimet e o Chefe da Divisão de Educação Indígena, Milton Melquior Messias.

Depois da entrega da Carta na SEED, os povos indígenas seguiram em direção ao Ministério Público Federal em Roraima e foram recebidos pelo procurador da República José Gladston Viana Correira, titular do ofício de Defesa dos Direitos Indígenas e Minorias.

O procurador recebeu a Carta e afirmou que a luta do MPF é a mesma dos povos indígenas e, por isso, as portas da instituição estarão sempre abertas para receber demandas indígenas.

O roteiro da 6ª Marcha dos povos indígenas de Roraima encerrou na sede da Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em Roraima, com a entrega da Carta e o repúdio à nomeação do atual coordenador regional, Armado do Carmo Araújo, nomeado por indicação política do deputado Federal Édio Lopes (PR/RR) e sem consulta às comunidades indígenas de Roraima. Por mais de três horas, os povos indígenas permaneceram em frente à sede pedindo a sua saída com a expressão “Fora Armado” e reafirmando de que a Funai é a casa dos povos indígenas e não um “cabide” de emprego servindo de manobras políticas, principalmente, nas comunidades indígenas.

E demonstrando força, união e resistência dos povos de continuar lutando pelo direito à consulta prévia, livre e informada, houve dança tradicional na parte interna da sede.  Em seguida, a Marcha retornou à praça do centro cívico.

Por volta das 17h, como grande ato contra a mineração em terras indígenas, os povos indígenas colocaram uma bandeira preta com a frase “não ao garimpo em terras indígenas” no Monumento dos Garimpeiros, instalado na praça central de Boa Vista.

À noite, houve apresentação cultural com a banda Cruviana Eserenka, do Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR), composta por estudantes indígenas dos cursos de gestão territorial e graduação que cantaram simbolicamente a composição “Demarcação Já”. A composição, cantada por mais de 25 artistas da música popular brasileira e artistas indígenas, foi lançada em abril deste ano, no Acampamento Terra Livre (ATL).

A programação da 6ª Marcha encerrou com a exibição do filme Martírio, direção de Vicent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita, que trata sobre a luta e sobrevivência do povo indígena Guarani Kaiowá.  Confira a Carta Aberta protocolada nos órgãos públicos.

DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS

VI MARCHA DOS POVOS INDÍGENAS DE RORAIMA

NENHUM DIREITO A MENOS!

***

C A R T A     A B E R T A

Nós, Povos Indígenas do Estado de Roraima, apoiados por nossas organizações indígenas, com solidariedade dos movimentos sociais, instituições públicas e organizações da sociedade civil, vimos nesta data de 09 de Agosto, considerando o Dia Internacional dos Povos Indígenas, alertar e pedir medidas necessárias aos gestores públicos e autoridades sobre as seguintes situações:

  • Direitos – Não aceitamos e pedimos providências contra a reversão dos direitos indígenas atentada pelo Presidente da República, Sr. Michel Temer, que impôs regras inconstitucionais estabelecidas na Ação 3388/RR (condicionantes do caso Raposa Serra do Sol) pelo Parecer da AGU N. 001/2017-AGU. Essa interpretação política está gerando intranquilidade entre os povos indígenas que vêem os direitos constitucionais assegurados nos artigos 231 e 232 sendo negociado pelo Presidente Temer em troca de favores políticos, como apoio parlamentar a projetos impopulares e inconstitucionais desse governo. A sociedade brasileira deve exigir que os atos do Presidente da República e do Congresso Nacional sejam pautados pela moralidade, seriedade e legalidade;
  • Legislação – Queremos rechaçar a insistência de projetos anti-indígenas como a PEC 215, PL 1610/96 (projeto de mineração) e a tese do Marco Temporal, porque são inconstitucionais e visam o interesse individual, econômico e politiqueiro e trazem abusos visíveis aos direitos dos povos indígenas;
  • Saúde – Reforçamos a importância da formação continuada e contratação preferencial de profissionais indígenas pela SESAI para o fortalecimento do subsistema de saúde indígena do SUS. É também fundamental o apoio institucional da SESAI à medicina tradicional indígena, um dos pilares da diferenciação do subsistema, que é uma forma concreta de manter viva as culturas indígenas. A SESAI é resultado direto da articulação do movimento indígena, suas organizações e instituições indigenistas. Reafirmamos que a autonomia da SESAI é uma das bandeiras nacionais dos povos indígenas. Não aceitaremos ingerências partidárias nas políticas e ações de saúde que resultam invariavelmente em doenças e mortes em nossas comunidades.
  • Educação – Falta de investimento na infraestrutura dos prédios escolares, na formação da equipe multidisciplinar que valorize e fortaleça o contexto da Educação Escolar Indígena e de seus princípios, bem como aos que mantém seus compromissos e respeitem a vivência, os valores e a cultura dos povos indígenas. Ressaltamos a extrema urgência da qualificação e realização do concurso específico e diferenciado para os docentes e demais profissionais da educação escolar indígena. Não aceitamos o sucateamento das Universidades públicas.
  • Meio ambiente – Acreditamos que o Brasil pode desenvolver seu projeto de administração ou desenvolvimento sem sacrificar os povos indígenas, pautado no respeito, sustentabilidade e legalidade. Não aceitamos a criações de hidrelétricas, tal como a do Bem Querer (Rio Branco), ou a do Cachoeira do Tamanduá (Rio Cotingo), que vimos a intenção como reforço a mineração em terras indígenas. Estamos de olho, nesses investimentos que atentam aos nossos direitos e afeta diretamente nossas vidas.
  • FUNAI – Não aceitamos o Sr. Armando do Carmo Araújo como Coordenador Regional da Funai em Roraima, por não ter havido consulta prévia, livre e informada, e por ele não ter experiência nenhuma em gestão administrativa e nem com Povos Indígenas, sendo meramente uma indicação política  (ele seria genro do Deputado Edio Lopes). Somos contrários ao sucateamento e militarização da FUNAI. As comunidades indígenas de Roraima não aceitam a imposição, o desrespeito ao direito de consulta e a interferência política na indicação de cargos relevantes da administração, responsáveis pela implementação de políticas públicas para os povos indígenas. Indicamos o Sr. Alzemiro Tavares para ocupar o cargo de Coordenador Regional da Funai, em Boa Vista.

    Somos os povos originários desse país, cidadãos brasileiros e guardiões desse território. Queremos respeito e dignidade!

    Boa Vista-RR, 09 de agosto de 2017.

    Conselho Indígena de Roraima – CIR, Hutukara Associação Yanomami – HAY, Associação dos Povos Indígenas Wai Wai – APIW, Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos – APITSM, Associação do Povo Ye`kuana do Brasil – APYB, Organização das Mulheres Indígenas de Roraima – OMIR, Organização dos Professores Indígenas de Roraima – OPIRR, Organização dos Índios da Cidade – ODIC, União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira – UMIAB e Conselho do Povo Indígena Ingaricó – COPING.

    Apoio:

    Conselho Federal de Psicologia – CFP
    Conselho Regional de Psicologia 20º Região – CRP-20
    Diocese de Roraima
    Universidade Federal de Roraima – Insikiran
    Frente Sindical, Popular e Lutas do Estado de Roraima
    Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Roraima – SESDUF/RR
    Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES/Norte
    Educação Fiscal da Secretaria de Fazenda do Estado de Roraima
    Instituto Socioambiental – ISA
    Conselho Indigenista Missionário – CIMI
    Laced – Museu Nacional – UFRJ

Foto: Mayra Wapichana e Glênio André

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

dezenove − 11 =