Brasil de Temer é uma viagem psicodélica. É injusto ele não nos levar junto, por Leonardo Sakamoto

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Você está com a impressão de que as coisas estão mais difíceis, que tudo parece mais áspero, que acordar de manhã (o que, para muitos, já era tarefa hercúlea) tornou-se ato heroico? Com a sensação de que as pessoas andam mais nervosas e tristes, que a paciência é matéria-prima em falta e as conversas entre amigos sempre resvalam em depoimentos de ansiedade e angústia?

Então, saiba que você não está sozinho. O espírito de nosso tempo está pesado mesmo.

Antes de avançar, vale lembrar que depressão é uma doença, deve ser encarada como tal, com acompanhamento médico adequado. Você não visita um especialista quando desenvolve uma pneumonia, por exemplo? Por que, então, diz a um amigo ou amiga nessas condições que tudo é um mimimi da cabeça deles?

Feita essa ressalva, este momento pelo qual passa o país joga o humor lá embaixo. E não apenas pelo desemprego galopante, a falta crônica de dinheiro e o medo do desemprego. O cenário atual, que não parece grávido de nenhuma saída, passa a sensação de que estamos atolados em um pântano sem possibilidade de reação. A percepção de que, apesar de tudo, o governo segue aí, impondo perdas e tirando direitos, leva a uma falta de fé generalizada, uma perda de credibilidade nas instituições que nos mantém unidos como país e um vácuo de confiança das pessoas entre elas. Enfim, nos abraça um sentimento de estagnação. ”Nem a Globo conseguiu remover o homem de lá, por que o cidadão comum acha que conseguiria?”, ironizou a este blog um deputado da base do governo que, claramente, não quis se identificar.

A situação lembra um pouco a descrição do Terceiro Círculo do Inferno, da Divina Comédia, de Dante Alighieri, onde os gulosos ficam atolados em uma lama suja e espessa, atormentados por uma tempestade fortíssima de granizo, gelo, neve e água suja. Os espíritos passam a eternidade, sendo dilacerados, em solidão, sem falar com seus vizinhos.

Tenho conversado com psicanalistas e terapeutas a respeito da situação e a sensação de falta de chão e de estagnação parece que tem sido a tônica corrente.

A vida deve parecer boa e feliz para quem está aproveitando a atual conjuntura para fazer tudo aquilo que sempre quis, mas não conseguia. Por exemplo, parte de grandes empresários, do mercado financeiro e de grandes produtores rurais está nadando de braçada, mudando a legislação a seu favor, desregulamentando as proteções sociais e ambientais, conseguindo perdões bilionários de dívidas – tudo em troca do apoio a um governo com legitimidade questionada. Ao mesmo tempo, parte do Congresso Nacional, percebendo que é o único suporte ao governo, vende caro seus votos. Enfim, esse pessoal faz parte daqueles 5% de aprovação que Michel Temer ostenta, números menores que Sarney, Dilma e Collor.

Estamos em uma fase sombria e não vejo possibilidade de melhora que não passe pela (re)organização da sociedade para pressionar por mudanças. De baixo para cima e não esperando um ”salvador da pátria” que, sob a promessa de nos salvar, afundará o país ainda mais no Inferno acima descrito. Lembrando que os círculos do inferno de Dante são nove, portanto há muito cenário trágico a ser copiado ainda.

Sei que é difícil acordar em um país que tem como presidente interino Rodrigo Maia. E no qual o presidente em exercício da Câmara dos Deputados é André Fufuca – pelo menos enquanto durar a viagem de Temer à China. Mas como disse o escritor Julián Fuks, cujo livro A Resistência foi escolhido como o melhor do ano passado no Prêmio Jabuti, ”o equívoco de todas as narrativas apocalípticas é não perceber que sempre houve um amanhecer depois das trevas, sempre houve um dia seguinte”.

Dito isso, chego à razão deste texto. Michel Temer afirmou à TV estatal chinesa que a Reforma Trabalhista ”está fazendo um sucesso extraordinário [no Brasil] porque flexibiliza as relações trabalhistas”.

Não é a primeira vez que, tomado por algo que não sei explicar, o ocupante da Presidência da República parece flanar fora da realidade, esquecendo que o país é um pacote plural de 207 milhões de almas – das quais dezenas de milhões estão comendo o pão que o diabo amassou e serão afetadas profundamente por medidas do governo, como a Reforma Trabalhista, e apenas algumas milhares perfazem o perfil de homem, branco, empresário, para o qual ele gosta de falar e prestar contas em eventos corporativos.

Sabe, portanto, o que é mais injusto neste momento em que a maioria do país está triste, estagnada, chateada, cabisbaixa? Temer não compartilhar com o resto da população o que está usando para viver nessa realidade psicodélica paralela muito louca. Sucesso extraordinário? Ah, vá.

E a maconha segue proibida, vai entender.

Imagem: Ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Foto: Evaristo Sá/AFP

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