7 de setembro: Diz que ama o país, mas pensa só em si e o resto que se dane, por Leonardo Sakamoto

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Nunca consegui entender as pessoas que saem enroladas em bandeiras verde e amarelas. Amor ao país? Pode ser. Mas acho que o querer-bem a um determinado lugar se traduz através de ações individuais e coletivas para torná-lo melhor para se viver e não entulhando bandeirinhas no carro ou pendurando flâmulas na sacada da janela.

Uma coisa não exclui a outra, claro. Mas não adianta entoar mantras de amor a um lugar e estacionar em cima da ciclovia. Ou fazer vista grossa às pequenas corrupções do dia a dia. Ou sonegar impostos. Ou manter uma terra improdutiva ou um imóvel fechado por anos em nome da especulação imobiliária enquanto o país passa a vida ao relento.

Amar um território inclui amar a gente que nele vive. E isso passa mais por entrega e concessão ao grupo do que por reafirmação de desejos e vontades pessoais a cada momento. É pensar: será que isso que estou fazendo não vai atrapalhar a vida do coletivo?

Tenho um certo arrepio quando ouço alguém cantar ”Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Se for em propagandas de cartões de crédito, até entendo. Mas por conta própria, assim, sem ninguém obrigar?

Da mesma forma, nunca entendi como algumas escolas se preocupam mais em ter alunos que saibam o hino à bandeira do que compreender Guimarães Rosa. Ou Machado de Assis.

Quando pequeno, lembro-me de ir a apenas um desfile do Dia da Independência, na avenida Tiradentes, aqui em São Paulo. E, mesmo assim, não ter ficado o suficiente para entender o que aquele bando de gente agitando bandeirinhas estava fazendo por lá. Uma das maiores contribuições dos meus pais foi exatamente ter me poupado de toda essa papagaiada patriótica.

Muito cuidado com lugares-comuns feitos para ajudar a forjar ou fortalecer o ”amor à pátria”, mostrando que ”somos iguais” e ”filhos e filhas do mesmo solo”. Aceitar isso de forma acrítica é ignorar que a maioria é tratada como um bando de renegados, sem direito a nada além de gerar riqueza – para outros.

A letra do hino nacional brasileiro não é uma das mais bonitas do mundo, ao contrário do que afirmam correntes que circulam na rede. Até porque é impossível mensurar tal coisa. Mas ainda temos tristes índices de iletramento. Também é mito que a bandeira nacional (cujo verde não surgiu para representar ”nossas matas”, mas sim a casa imperial brasileira) é considerada uma das mais belas. Mas somos reconhecidos pelas altas taxas de desmatamento. O povo brasileiro não é, necessariamente, o mais alegre do planeta. Mas é um dos campeões de desigualdade social e de concentração de renda. A democracia racial, apesar de alardeada como exemplo planetário, não existe e, por isso, não nos define. O que nos explica são séculos de escravismo e suas heranças. O Brasil não é o país que tem a mulher mais bonita do mundo. Até porque esse país não existe. Mas somos um país reconhecidamente machista. Nossa comida não foi eleita a mais gostosa. Mas estamos entre os campeões globais de uso de agrotóxicos. Não está escrito em lugar algum que teremos um futuro grandioso pela frente. E se continuarmos maltratando o meio ambiente em nome do consumismo desenfreado, talvez nem tenhamos um futuro.

Por isso, me pergunto se não poderíamos fazer uma pausa para reflexão sobre nós e como estendemos o direito à dignidade a todos que habitam este território.

Ao invés de nos enrolarmos em bandeiras e financiar uma organização envolvida em corrupção como a CBF, comprando camisas amarelas, poderíamos nos juntar para discutir a razão de chamarmos indígenas de intrusos, sem-teto e sem-terra de criminosos, camponeses de entraves para o desenvolvimento e imigrantes bolivianos e haitianos de vagabundos.

Ou reivindicar que o terrorismo de Estado praticado na periferia das grandes cidades, em um genocídio lento dos jovens negros em nome de uma (irreal) sensação segurança dos mais abastados, pare.

Leitores binários da realidade bradam a quem fala de distribuição e igualdade em direitos que nossa bandeira é vermelha e a deles, verde-amarela. Além de ser uma frase brega pacas, não é real.

Não temos que amar nosso país incondicionalmente, como não devemos amar nada incondicionalmente. Mas gostar o suficiente para nos dedicarmos a entender e ajudar a tornar isso aqui um local minimamente habitável para a grande maioria da população.

Gente deixada de fora das grandes festas, entregues ao pão e circo de desfiles com tanques e motos de guerra em datas festivas. Mas que, quando voltam para casa, encaram a realidade da falta, da ausência, da dificuldade e da fome.

O melhor de tudo é que, todas as vezes que alguém levanta indagações sobre quem somos e a quem servimos ou conclama ao espírito crítico sobre o país, essa pessoa é acusada de não amar o país, no melhor estilo ”Brasil: ame-o ou deixe-o” dos tempos da ditadura civil-militar.

Ou sua versão remodelada por Michel Temer: ”Não pense em crise, trabalhe”.

A verdade neste 7 de Setembro é que para muitos, brasileiro bom é brasileiro que sabe o lugar e a função que lhe foram impostos pela vida.

E aceita isso sem questionar.

Foto: Luis Moura /Estadão.

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