Guarani ocupam Parque Estadual do Jaraguá

Comissão Guarani Yvyrupa / Cimi

Na madrugada desta quarta-feira (13), por volta das 4h da manhã, as comunidades guarani da Terra Indígena Jaraguá ocuparam o Parque Estadual do Jaraguá. A ocupação é contra a Portaria 683 do Ministério da Justiça, que anulou o processo de demarcação que reconhece 532 hectares de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya. A anulação, considerada inconstitucional pelas comunidades guarani, foi solicitada ao Ministério de Justiça pelo governo do estado de São Paulo, para viabilizar, sem qualquer consulta às comunidades, um projeto de concessão dos parques estaduais para a iniciativa privada. A manifestação das comunidades guarani é um ato simbólico e pacífico, e tem por objetivo chamar a atenção da sociedade para a violação de seus direitos, e pressionar o Ministro da Justiça e o Governador de São Paulo a reverem, respectivamente, a revogação da demarcação da TI Jaraguá e o projeto de privatização dos parques estaduais. Também participam do ato outras comunidades indígenas do Estado de São Paulo: Tupi e Guarani do litoral, Terena e Tupi do interior e indígenas de Guarulhos.

O JARAGUÁ É GUARANI

O povo guarani ocupou pacificamente hoje a sede do Parque do Jaraguá para impedir que o Governo Alckmin o coloque à venda. A pedido do Governo Alckmin, no último dia 21 de Agosto, Temer mandou cancelar a demarcação da nossa Terra Indígena do Jaraguá, cujas matas se sobrepõem parcialmente ao Parque do Jaraguá.

Para eles, a demarcação de nossas terras tradicionais atrapalha seu objetivo de destruir as matas para fazer dinheiro. Fazemos essa ocupação simbólica e pacífica para exigir do Governo Temer a revogação da Portaria 683, do Ministério da Justiça.

Do Governo Alckmin, exigimos o cancelamento do projeto de privatização dos Parques Estaduais, e a retirada das ações judiciais contra a demarcação da Terra Indígena Jaraguá.Nós Guarani, somos o povo originário da Mata Atlântica. Sempre protegemos essas matas, essas matas foram uma dádiva dada pelas divindades para que nós cuidássemos dela.

Não deixaremos nenhum governo vender o que Nhanderu deixou para nós. Pedimos a todos que apoiam a preservação da natureza e a nossa luta em defesa de nosso modo de vida:  Venham imediatamente para cá nos ajudar a mostrar a todos que o Jaraguá é Guarani!

Privatização dos Parques Estaduais de São Paulo e Terra Indígena Jaraguá

A Lei n° 249/2013 foi aprovada em julho de 2016 na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo autorizando a Fazenda do Estado a conceder a exploração de serviços ou o uso de áreas estaduais pelo período de 30 anos. A medida interfere diretamente sobre 25 Unidades de Conservação (UCs), dentre elas o Parque Estadual do Jaraguá, em suas respectivas administrações e comunidades tradicionais que nelas residem ao permitir a exploração dos serviços ou o uso de áreas inerentes ao ecoturismo e à exploração comercial madeireira ou de subprodutos florestais.

Proposta sob regime de urgência na assembleia, a lei foi sancionada em apenas um mês após a sua propositura sem que houvesse consulta às comunidades afetadas, necessária por lei de acordo com o previsto pela Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Na ocasião da tramitação do Projeto de Lei na Alesp, a então Secretária de Meio Ambiente, Patrícia Iglecias, assegurou que “ficariam de fora das concessões as áreas ocupadas ou com outras restrições fundiárias”, conforme publicado por diversos veículos da imprensa, posição que não se sustentou na lei estadual efetivamente aprovada e sancionada.

A Terra Indígena Jaraguá tem cerca de 532 hectares e o Parque Estadual do Jaraguá cerca de 493 hectares. Há sobreposição parcial entre as duas áreas protegidas num total de 308 hectares, o que representa pouco mais da metade de cada uma delas considerada isoladamente. Em reunião com lideranças indígenas, o ministro da justiça, Torquato Jardim, confirmou que a anulação (inconstitucional!) da portaria de demarcação da Terra Indígena Jaraguá foi motivada por uma encomenda do Governo do Estado.

Em diversas ocasiões, a FUNAI e as comunidades guarani procuraram os órgãos estaduais responsáveis pela gestão do parque para a elaboração de um plano de gestão compartilhada. Contudo, diante da falta de abertura para diálogo do estado de São Paulo e da recente anulação da demarcação da Terra Indígena Jaraguá, que coloca as comunidades sob o risco de reintegrações de posse e inviabiliza o seu modo tradicional de vida, os Guarani fazer essa ocupação simbólica da sede do Parque, que não tem sobreposição com a Terra Indígena, para defender a demarcação de sua terra, e impedir degradação das matas do Jaraguá ameaçada pelo projeto de exploração comercial do Parque.

 

Comissão Guarani Yvyrupa entra na Justiça contra revogação da demarcação da Terra Indígena Jaraguá

Na segunda-feira (11), a Comissão Guarani Yvyrupa protocolou no Superior Tribunal de Justiça o Mandado de Segurança n °23770 com pedido de liminar contra a Portaria 683 do Ministério da Justiça. A portaria assinada pelo ministro Torquato Jardim, no dia 15 de agosto de 2017, anulou a declaração de 532 hectares da Terra Indígena Jaraguá reconhecidos anteriormente como de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya.

A representação foi elaborada em conjunto com as comunidades das cinco aldeias da Terra Indígena Jaraguá: Tekoa Ytu, Tekoa Pyau, Tekoa Itakupe, Tekoa Itaendy e Tekoa Itawera. Nas comunidades vivem cerca de 700 indígenas, mais da metade crianças, que passaram a viver sob ameaças de reintegrações de posse após a anulação da Portaria 581, de 2015.

 

Mais informações:

A população guarani que reside na Terra Indígena Jaraguá, noroeste do município de São Paulo, divisa com Osasco, é de cerca de 700 pessoas que se distribuem hoje em cinco aldeias: aldeia Ytu, aldeia Pyau, aldeia Itakupe, aldeia Ita Vera e aldeia Ita Endy.

A TI Jaraguá foi reconhecida inicialmente na década de 1980, mas foi então regularizada com apenas 1,7 hectare, configurando-se como a menor área indígena do país. A falta absoluta de espaço é o detonante de inúmeros problemas sociais e culturais. A situação dos guarani do Jaraguá foi extremamente agravada pela construção da Rodovia dos Bandeirantes, inaugurada em 1978 sem qualquer consideração à presença indígena. A estrada suprimiu parte de suas áreas de ocupação tradicional.

Em 2002, por fruto da luta das lideranças indígenas, iniciou-se um processo para delimitação dos limites do território dentro dos padrões estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Os artigos 231 e 232 da constituição garantem os direitos dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, o que inclui as áreas de habitação, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Após longos anos, no dia 30 de abril de 2013, a Fundação Nacional do Índio aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES N° 544) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem 532 hectares como limites constitucionais da Terra Indígena Jaraguá, incluindo as aldeias atualmente ocupadas, e as áreas necessárias para a reprodução física e cultural do grupo.

De acordo com o Decreto Presidencial nº 1775, que regulamenta o processo de demarcação de Terras Indígenas no país, abre-se, a partir da publicação desses estudos, período de 90 dias para que os interessados apresentem contestações administrativas. Houveram três manifestações de contestantes ao processo de identificação e delimitação da TI Jaraguá que foram respondidas pela Funai. Nenhuma destas contestações foi do Governo do Estado de São Paulo, que apesar de ter sido formalmente notificado, pede a anulação da demarcação alegando não ter participado do processo.

Dando sequência ao processo de demarcação, em 29 de maio de 2015 o Ministério da Justiça publicou a Portaria 581/2015 que declarou os 532 hectares da TI Jaraguá como de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya. A Portaria 683/2017, também do Ministério da Justiça, anula a portaria anterior.

 

Entenda os processos na justiça

Entrevista do Instituto Socioambiental com Bruno Morais, da assessoria jurídica da Comissão Guarani Yvyrupa

ISA – A portaria do ministro Torquato Jardim cita decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) e alega que o Estado de São Paulo não foi ouvido no processo. Por que essas ações questionam a demarcação da TI?

Bruno Morais – O Jaraguá enfrentava três ações contrárias ao processo demarcatório. Duas eram Mandados de Segurança, que corriam no Superior Tribunal de Justiça, e um deles [MS 22086-DF] foi proposto pelo Estado de São Paulo, com a alegação de que ele teria direito de ter participado do procedimento administrativo – e que a demarcação teria sobreposto quase a totalidade do PES Jaraguá, o que não é verdade. A sobreposição pega 56% do Parque. O espólio de Antonio Pereira Leite, que é um dos supostos proprietários de um terreno onde está o Tekoa Pyau, ingressou também com um Mandado de Segurança [MS 22472-DF] no STJ, pedindo a suspensão da portaria declaratória, com base na ideia do marco temporal e da proibição da atualização dos limites da TI. Essas duas ações obtiveram liminar, no final de 2015, antes de ser ouvida a União e a própria Funai – e sem a presença da comunidade indígena no processo. A comunidade indígena pediu a habilitação no processo. Ela foi concedida, mas o mérito nunca foi julgado.

ISA – Existem outras decisões judiciais sobre o caso?

BM – A portaria do ministro faz referência a um recurso contra uma dessas ações [SS 5108-DF] que teria tramitado no STJ, que ficou paralisado no Supremo e teve uma decisão do Ricardo Lewandowski, que indeferiu o pedido, mas ficou carecendo de julgamento final. Assim, nenhum dos processos citados na portaria tem mais do que uma liminar: nenhum tem sentença final, nenhum foi encerrado. A portaria [683/2017] ignora a existência de um terceiro processo, ingressado diretamente no Supremo, por um dos proprietários que incidia sobre a demarcação, o [ex-deputado] Tito Costa, sobre o Tekoa Itakupe, área que foi ameaçada de despejo. Ele ingressou com o Mandado de Segurança em 2016 e levou um estrondoso “não” do [ministro do STF] Dias Toffoli, que, para além de dar uma decisão dizendo que Mandado de Segurança não servia para questionar demarcação de Terra Indígena, diz que todos os indícios que existiam naquele processo [de demarcação] apontavam pela tradicionalidade da Terra Indígena e não o contrário. Esse processo [MS 33821-DF] foi julgado finalmente e a liminar foi confirmada no plenário do Supremo – mas o Ministro da Justiça omite essa informação da portaria e cita três processos que não têm decisão final.

ISA – Se as decisões não são definitivas, qual seria a motivação do Ministro da Justiça para revogar a portaria declaratória?

BM – A única resposta que existe para essa questão é uma resposta política, porque juridicamente não existe motivo para revogar uma portaria declaratória. Pelo contrário: existem vários motivos para não revogar. Existe um princípio no direito administrativo – da economia ou da razoabilidade do processo – que diz que o processo administrativo não pode andar para trás; ele só pode andar pra frente. Além disso, o Decreto 1775/96 não concede competência para o Ministro da Justiça revogar uma portaria, então a revogação também fere o princípio da legalidade. Para além disso, existe um princípio maior nos direitos fundamentais: direitos humanos ou fundamentais não podem retroceder, só andar para a frente em sua implementação. Então não há qualquer justificativa jurídica que conceda legalidade à revogação dessa portaria.

Das motivações instadas pelo Ministro da Justiça, nenhuma se sustenta juridicamente. No próprio procedimento administrativo da Funai, há uma farta documentação que desmonta a argumentação do ministro. Se olharmos o procedimento da Funai, vemos que a Funai repetidas vezes notificou o Estado de São Paulo, chegou a fazer reuniões com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente até que essa Secretaria recebeu um parecer jurídico da Procuradoria Geral do Estado, orientando todos os órgãos estaduais a parar de fazer contato com a Funai. Quer dizer: o Estado deliberadamente se ausentou do procedimento administrativo de demarcação, para alavancar uma justificativa jurídica para sua anulação. Isso revela a verdadeira motivação dessa portaria [de anulação].

ISA – Para viabilizar o projeto de concessão privada dos Parques Estaduais (PES) do governo?

BM – Desde o advento da portaria [do Ministério da Justiça], o Secretário de Estado do Meio Ambiente [Ricardo de Aquino Salles] tem dado entrevistas e repercutido o assunto dizendo: “Que bom que a portaria foi revogada, porque agora a gente vai conseguir destravar o processo de privatização do PES Jaraguá”. Esse projeto de privatização dos parques vem sendo tocado desde o início sem consulta às comunidades indígenas – que inclusive têm assento no Conselho Gestor da Unidade [de Conservação] – e está completamente associado à judicialização da demarcação do Jaraguá. O que demonstra a motivação política do governo federal, uma troca de favores com o governo do Estado. A motivação é política e tem ficado cada vez mais clara toda vez que o Secretário do Meio Ambiente abre a boca. Ele inclusive tem dito que o PES Jaraguá não pode conviver com os Guarani e que ele vai reassentar a comunidade indígena a partir de um acordo com a comunidade. Isso é completamente ilegal.

Movimento pacífico ocorreu na madrugada. Crédito: Amanda Signori/Cimi Regional Sul-SP

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