Por que a próxima notícia ruim sobre a questão indígena pode vir da TI Pankararu

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Em 14 de fevereiro deste ano, a 38ª Vara da Justiça Federal de Serra Talhada, sertão pernambucano, determinou, em reiterada decisão – a primeira é de 2003, pela retirada dos posseiros que ocupam 20% da Terra Indígena Pankararu, entre os municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu. Todos os prazos já estouraram, e os posseiros sabem disso: afirmam que na terra permanecerão. Os indígenas, por sua vez, iniciaram uma campanha: #EuSouPankararu – para enfrentar ameaças de morte crescentes (cartaz acima).

Como a situação caminhará para um desfecho, afinal os ocupantes não-indígenas da terra estão desrespeitando uma decisão judicial, o grupo que lidera os posseiros traça uma rota distante dos 5 milhões depositados em juízo pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a título de indenização, e “optam pela via do conflito”, conforme texto Pankararu para a campanha. O último período revela um quadro preocupante.

Na semana passada, a Câmara dos Vereadores de Jatobá teve a sessão paralisada por uma audiência pública – convocada por parlamentares alinhados aos posseiros. Os três vereadores Pankararu tiveram que fugir do local sob ameaças de morte, xingamentos e ofensas. “Estávamos em protesto no Acampamento Itaparica da Chesf, na mesma cidade, e eles chegaram ao local assustados”, conta um Pankararu – nomes serão omitidos a pedido dos indígenas.

Vídeos captados por participantes do encontro, obtidos pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), mostram alguns parlamentares se pronunciando no sentido de condenar a decisão da Justiça Federal: “Podemos dizer até que foi hedionda, estou em plenas condições de andar com vocês e fazer o que preciso for”, disse o vereador Nenem (PHS). O ambiente era de tensão, gritaria.  

A intenção da pressão à Câmara era pela aprovação de um requerimento a ser encaminhado à Justiça Federal questionando a decisão pela retirada dos posseiros. Não houve consenso entre os vereadores. Neste ponto reside uma espécie de encruzilhada aos posseiros. São 870 ocupações para 346 famílias de posseiros (conforme o relatório fundiário consolidado do Grupo de Trabalho da Funai), mas apenas 190 delas residem na terra indígena.

“Não são fazendeiros, são pequenos agricultores. Entendemos que são detentores de direitos à indenização. Inclusive o povo esperou para que tudo isso saísse, não expulsamos ninguém. Quando saiu a indenização, uma parte foi induzida a não aceitar com a promessa de que poderiam pegar mais dinheiro permanecendo. Acontece que isso não ocorreu”, explica outro Pankararu.  

O vereador José Dantas de Lima (PSD) entende que os posseiros terão que sair, e por isso ouviu um burburinho descontente na sessão que virou audiência pública. “Os advogados precisam entrar com uma ação no Tribunal (Regional Federal da 5 Região, em Recife) pedindo a revogação da medida para que se possa ter mais tempo para negociar uma indenização mais justa”, explica o vereador, também advogado.  

Zé Dantas, como é mais conhecido, ouviu dos posseiros que os vereadores foram omissos. “Não fomos omissos porque não fomos procurados antes. Erros ocorreram nessa condução (questão da indenização e cumprimentos de prazos de desocupação), mas não fomos procurados antes”, disse. O vereador destacou: “Somos responsáveis em defender vocês, mas não seremos responsáveis pelo que possa acontecer”.

Num ambiente de indefinições, e conforme ambas as partes do conflito com decisões desastradas por parte dos posseiros, os mais exaltados passaram a fazer ameaças aos Pankararu. “Até aqui chegamos numa certa paz. Agora não sabemos mais”, destaca um outro Pankararu entrevistado. “A gente não sai. Foram pra mais de 35 poços artesianos que botamos nas aldeias (…) brigamos por cisternas, toda essa história de cisterna em Jatobá foi eu que trouxe. Nasci e me criei aqui”, afirmou na Câmara o líder dos posseiros, Eraldo Souza.  

Em 20 anos, o espaço físico ocupado pelos posseiros na terra indígena caiu quase pela metade – em agosto de 1997, a ocupação batia em 38% da homologação de 8.100 hectares tradicionais; hoje, está em 20%. A demarcação realizada na década de 1940 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), todavia, chegava ao dobro da atual. “Os Pankararu já perderam muito espaço para os não-índios”.

Em nota divulgada no dia 6 de setembro, logo após os eventos da Câmara de Vereadores, os posseiros das comunidades de Bem-querer de Baixo, Bem-querer de Cima, Caldeirão e Caxiado em nenhum momento dizem que elas estão sobrepostas à terra indígena; entendem, sem embargo, que os indígenas possuem direitos. Da mesma forma, apontam que possuem direitos, mas em muitos trechos expressam que não desejam uma melhor indenização; querem permanecer onde estão.

“Enquanto isso as ameaças crescem. Hoje a gente já não tem mais segurança ao andar pela cidade, entrar e sair da terra indígena. Tem um grupo de posseiros que se nega a sair, a receber a indenização. Chegam a pressionar outros para não acessar os recursos. Chegam a nos impedir de utilizar postos de saúde. Tememos que tenha derramamento de sangue, mortes”, diz um Pankararu entrevistado.  

Justiça determinou, mas não cumpriu

Entre 1995 e 1998, cerca de 153 ocupantes não-índios saíram do território. Dois anos antes, em 1993, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a primeira ação na 38ª Vara da Justiça Federal de Serra Talhada pela retirada dos posseiros. Por mais que tenha incentivado a saída legal destes ocupantes, só em 2003 saiu uma sentença reconhecendo os direitos territoriais dos Pankararu, e a determinação pela retirada dos posseiros foi concedida. A União e o Incra – que deveria reassentar os posseiros – recorreram.

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região rejeitou os recursos. A mesma postura adotou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – em 2010 a decisão transitou em julgado, e a Funai constituiu em 2012 um Grupo de Trabalho para atualizar os valores das benfeitorias decorrentes da ocupação de posseiros. Em 2013, o valor definido pela equipe técnica da Funai para o pagamento das indenizações totalizou R$ 5 milhões. Havia orçamento, o dinheiro foi separado, mas não até agora ninguém quis acessá-lo.   

“Se recusaram a receber tais indenizações. O recurso foi depositado em uma conta judicial e os posseiros pretendem seguir ocupando a terra Pankararu, configurando total desrespeito à decisão da Justiça”, protesta a liderança Pankararu. Desde então os Pankararu vivem em peregrinação buscando que as decisões judiciais sejam cumpridas. “Todo o procedimento legal foi feito, a Justiça atestou e o dinheiro está disponível”.

Durante o ano passado, os Pankararu se empenharam para chegar a um desfecho. Em abril, as lideranças do povo, Advocacia-Geral da União (AGU), Funai e a Apoinme estiveram na 38ª Vara Federal para solicitar esclarecimentos e solicitar o cumprimento da sentença. Uma audiência foi agendada para o dia 17 de maio com a presença das partes envolvidas. Os posseiros se mantiveram irredutíveis. Mais duas audiências de conciliação ocorreram nos dias 5 de julho e 16 de agosto. Nada mudou.

“Todas marcadas pela insistência dos posseiros em desafiar a Justiça se negando a sair de livre e espontânea vontade, recebendo os valores ajuizados”. Na análise dos Pankararu, os posseiros usam de articulações políticas e assim os anos passam e eles ficam sobre a terra indígena. “A recuperação das terras é fundamental para garantir a sustentabilidade de nossas famílias e fortalecer nosso modo próprio de vida”, diz a liderança.

Comments (1)

  1. pequeños agricultores,

    pero también pequeños corruptos,

    pequeños capangas de los poderosos,

    pequeños canallas.

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