Em assembleia, mulheres Guaranis e Kaiowas reafirma a continuidade da luta pela terra

Ao final do encontro foram elaboradas diversas cartas denunciando a atual situação do povo Guarani e Kaiowá. Os documentos também detalham as principais reivindicações deste povo, principalmente no que diz respeito às mulheres.

Da Página do MST 

Entre os dias 18 e 22 de setembro de 2017 ocorreu no Tekoha Kurusu Amba, município de Coronel Sapucaia, distante cerca de 400 quilômetros de Campo Grande, MS, a V Kuñangue Aty Guasu – Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá. A atividade contou com a participação de, aproximadamente, 600 pessoas entre mulheres, jovens, crianças, nhanderu e nhandesi do povo Guarani e Kaiowá de todos os tekoha do estado.

Ao final do encontro foram elaboradas diversas cartas denunciando a atual situação do povo Guarani e Kaiowá. Os documentos também detalham as principais reivindicações deste povo, principalmente no que diz respeito às mulheres.

Uma das cartas foi direcionada à ONU, e, dentre diversas reivindicações, as mulheres Guaranis e Kaiowás exigem que a ONU Mulheres dialogue com as indígenas a fim de protegê-las, visto que estão na linha da frente na luta pelo território e vivem uma situação de constante ameaça por latifundiários. Além da ONU, a Kuñangue Aty Guasu também enviou uma carta ao presidente da FUNAI, Franklinberg Ribeiro de Freitas. Neste documento, foi exigido o retorno imediato dos grupos técnicos de trabalho da FUNAI nos tekohas Guaranis e Kaiowás.

No documento, as mulheres afirmam que “a  luta, o  é pela demarcação de nossas terras tradicionais, pois, delas fomos expulsas obrigadas a viver confinadas em Reservas Indígenas com espaços limitados…”. Além disso, o texto final ressalta que as indígenas não aceitarão que os estudos das terras saiam da jurisdição da FUNAI, a mando da bancada ruralista e evangélica.

Leia na íntegra o Documento Final da V Kuñangue Aty Guasu:

Aconteceu entre os dias 18 e 22 de Setembro de 2017, no município de Coronel Sapucaia, em Mato Grosso do Sul, no Tekoha Kurusu Amba a V Kuñangue Aty Guasu (Assembléia das Mulheres Guarani e Kaiowá) onde estiveram reunidas 600 pessoas entre mulheres, jovens, crianças, nhanderu e nhandesi do povo Guarani e Kaiowá de todos os Tekohas do Mato Grosso do Sul. Discutimos e encaminhamos aqui todas as pautas que afetam os nossos direitos: terra, educação, saúde, segurança, programas sociais, órgãos públicos, entre outros.

No estado de Mato Grosso do Sul nós, povo guarani e kaiowá, somamos mais de 50 mil indígenas, nós mulheres indígenas Guarani Kaiowá reunidas na aty kunã das Mulheres Guarani e kaiowá viemos por meio desta expressar sobre a nossa luta e a nossa resistência, e encaminhar as nossas propostas e recomendações.

Há 517 anos nós mulheres indígenas lutamos pelos nossos direitos, nossas terras foram invadidas pelos fazendeiros, temos um governo omisso a nossa causa indígena, os retrocessos aos nossos direitos só cresce, a violência contra nosso povo tem sido cada vez maior. O governo brasileiro e seus poderes legislativo, executivo e judiciário a cada momento criam novas propostas de lei que de forma inconstitucionais atinge diretamente a vida dos povos indígenas, desconsiderando 100% a nossa realidade.

Hoje a nossa luta o nosso grito é pela demarcação de nossas terras tradicionais, pois, dela fomos expulsos obrigados a viver em confinados em Reservas Indígenas com espaço limitados, o que nos resta e viver amontoado em minúsculos espaços de terra, isso nos expõe á vários problemas sociais que atingem e desestruturam o nosso povo Guarani e Kaiowá.

Diante de tudo isso, decidimos voltar para nossos Tekohas, retornamos as terras que pertenceram aos nossos antepassados e nelas viverão os nossos descendentes. E com isso os desafios de nossas lutas como mulheres são diárias, pois as nossas terras sagradas estão a serviço do agronegócio que envenena e destrói as nossas matas, rios e animais, enquanto isso nós povos indígenas estamos vivendo sem o mínimo de condições humanas pra se viver. A elite brasileira toma conta de nossas terras, passam encima de nossos cemitérios com a soja, cana de açúcar, criam gados, destruindo a nossa casa, a nossa terra. O agronegócio enriquece cada dia mais em cima de nossa única possibilidade de futuro, queremos deixar claro ao governo federal, ao estado brasileiro, aos deputados ruralistas e demais anti-indígenas do congresso nacional que as nossas terras não são mercadoria.

Nós mulheres Guarani e Kaiowá, estamos vendo nossas terras sendo devastadas enquanto o que resta para nós são as beiras de rodovias ou as reservas superlotadas para viver com nossas crianças, por isso pedimos a demarcação de nossos Tekohas (Terra tradicional sagrada), para vivermos em paz com nossas crianças em nossas casas, ter o nosso pedacinho de roça, preservar a natureza e assim viver o nosso Teko (modo de ser).

Diante de todo este retrocesso que acontece com os direitos do nosso povo, das mulheres indígenas na atual conjuntura política brasileira viemos através da V Kuñangue Aty Guasu (Assembleia das Mulheres Kaiowa e Guarani), exigimos:

Que os nossos direitos sejam respeitados e garantidos. Exigimos:

Território:
– Demarcação já;
– aty kunãgue é Guarani e Kaiowá e Aty Guasu é 1000% contra a tese do marco temporal, isso só trará mais mortes para o nosso povo, além de ser inconstitucional ela expõe agente há mais violências. Nós, homens e mulheres indígenas fomos expulsos e expulsas de nossas terras, desde o início do ano 1900, sendo obrigados a viver confinados em Reservas Indígenas sem condições nenhuma de continuar a existir, mais resistimos até aqui e não recuaremos jamais, não é esta tese que irá nos destruir.
Continuaremos avançando sobre os nossos tekohás com a autodemarcação, até que esteja sobre a nossa o ultimo de nosso tekohá.
Chega do agronegócio enriquecer em nossa casa, enquanto nós povo guarani e kaiowá somos obrigados a viver as margens de rodovias, a nossa história não começa em 1988, repudiamos o marco temporal.
A aty kunã da total apoio a retomada do tekohá trinfo no muncipio de Paranhos, a terra indígena teve portaria declaratória publicada em 2016 com quase 20.000 ha de terra e os verdadeiros donos ainda estão fora de seu lugar sagrado. Essa será só mais uma iniciativa de nosso povo por nossas terras, não vamos recuar jamais. Só queremos os nossos tekohá’s se o governo não faz nada, nós vamos continuar fazendo a nossa luta.

Demarcação Já!
– a imediata revogação do parecer 001/2017 do presidente Michel temer, que sugere a todas instancias envolvidas no processo demarcatório utilizar o marco temporal como instrumento para a demarcação, não a Sumula vinculante.
– A justiça pelas nossas lideranças mortas em nossos territórios;
– O retorno imediato dos grupos técnicos de trabalho da FUNAI em nossos Tekoha;
– arquivamento imediato da pec 215, portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU);
– Não aceitamos que os estudos de nossas terras saiam da jurisdição da FUNAI a mando da Bancada Ruralista ou Evangélica, exigimos demarcação já, pois nossas retomadas não cessarão;
– o fortalecimento da funai, e a consulta previa e informada ao nosso povo antes de qualquer alteração no quadro da funai.
– a conclusão integral dos processos demarcatórios inclusos no tac 2007, e o cumprimento integral do CAC MPF/Funai firmado em 2010.
– A garantia da segurança das lideranças indígenas, jovens, mulheres e crianças que lutam pelo território;

Saúde:
– Necessitamos o acesso à saúde básica de qualidade para as mulheres indígenas em nossos Tekohas, assim como equipe médica, postos de saúde, medicamentos e água potável;
– Queremos profissionais em nossos Tekohas para a conscientização quanto à gravidez precoce;
– Incentivamos o parto normal e humanizado com apoio de parteiras indígenas e remédios tradicionais para as mães em hospitais que atendem os nossos Tekohas. O parto cesáreo tem sido uma frequência e deixado muitas sequelas nas mulheres indígenas Guarani e Kaiowá;
– O câncer, diabetes, doenças sexualmente transmissíveis como AIDS, HIV e outras DSTs têm atingido a nossa população indígena, por isso a necessidade de ter atendimento médico nas áreas de retomadas para prevenção da comunidade e acompanhamento dos indígenas que estão doentes;
– Precisamos de transportes para deslocar pacientes indígenas até o hospital. Muitas mulheres, homens crianças e idosos indígenas vem a óbito por conta que não conseguem consultar devido a distância entre o posto de saúde e o Tekoha;
– Exigimos a valorização da medicina tradicional, por isso necessitamos da demarcação de nossas terras para manter a nossa medicina tradicional em nossas casas, nas matas, próximos os rios, açudes e nascentes;
– saneamento básico.

Educação:
– Muitas das nossas crianças indígenas que estão em áreas de retomadas não estão estudando, enfrentamos o preconceito e discriminação a ponto de as prefeituras negarem a construção de escolas em nossos Tekohas,
– Exigimos a construção de escolas indígenas dentro de nossos Tekohas; a constituição federal nos garante educação diferenciada, por tanto a escola indígena deve estar onde está o povo guarani e kaiowá;
– Exigimos que o município e o estado respeitem as nossas decisões e encaminhamentos em relação a educação escolar indígena diferenciada;
– Exigimos que o estado e os municípios reconheça o curso de Licenciatura Indígena Intercultural Teko Arandu e o curso de Magistério Indígena Ara Verá para que os acadêmicos indígenas se tornem futuros professores e que sejam contratados para exercer o cargo de professor indígena;
– Que o estado execute todos os recursos do MEC que vem destinado para o curso de Magistério Indígena Ara Verá;
– Exigimos que o Ministério Público Federal acompanhe e fiscalize o recurso que vem para o estado e município para que seja executado corretamente nos Tekohas novos e atual;

Situação econômica das Mulheres Guarani e Kaiowá
– Para ter uma situação econômica estável em primeiro lugar exigimos a demarcações de nossas terras, para dela usufruir e tirar o nosso sustento;
– Praticamente a única renda que entra mensalmente na casa das famílias Guarani e Kaiowá é a Bolsa Família, mas nem todos tem acesso a esse programa, há uma dificuldade de manter diariamente as crianças nas escolas que é um ponto em que este programa exige devido a distancia da escola e o Tekoha;
– É quase que impossível às mulheres indígenas viver apenas da venda do artesanato, devido à falta de matéria prima, pois as matas estão sendo desmatadas e as sementes estão cada vez mais difíceis de encontrar;
– A questão de instabilidade econômica resulta também no alto índice de suicídio do povo Guarani e Kaiowa, quase 100% dos casos são de jovens indígenas entre 12 e 25 anos, essa triste realidade se dá principalmente pela falta de acesso ao território;
– O tráfico de drogas, prostituição de crianças indígenas, tem crescido nos últimos anos e tem sido a única alternativa devido à falta de emprego e falta de oportunidades para muitos indígenas. Diante de tudo isso exigimos mais oportunidades de trabalho, mais cursos profissionalizantes, mais oportunidades para o povo Guarani e Kaiowá, sobretudo para as mulheres indígenas;

Violência contra as mulheres Guarani e Kaiowá:
– As mulheres indígenas têm sofrido vários tipos de violência, assim como violência física, psicológica, moral, verbal, diante dessa realidade em Reservas indígenas. Principalmente nas áreas de retomadas, as leis não têm sentido, não funcionam e não protegem as nossas Mulheres Guarani e Kaiowá;
– A lei Maria da Penha não se aplica a realidade das Mulheres Indígenas Guarani e Kaiowá, exigimos que ela seja construída de acordo com a nossa realidade juntamente com nós mulheres Guarani e Kaiowá;
– As dificuldades de fazer denúncias sobre as violências sofridas pelas mulheres indígenas, têm sido com muita frequência uma realidade, e na maioria das vezes essas denúncias não chegam há uma delegacia, e se chegam as mulheres não conseguem denunciar pois, a maioria são falantes da língua materna. Diante disso exigimos que tenham mulheres indígenas capacitadas para ser interpretes na delegacia de mulher para ajudar as nossas mulheres Guarani e Kaiowá a encaminhar as denúncias;
– A pensão alimentícia tem sido um grave problema dentre o povo Guarani e Kaiowá, as mulheres não conseguem ter acesso a este direito e as crianças indígenas ficam desamparadas. A Assembleia das Mulheres Indígenas Guarani e Kaiowá vem por meio desta exigir que este direito seja garantido;
– O estupro ainda é tabu dentre o povo Guarani e Kaiowá, mas, são temas que precisam ser abordados. Nesse sentido, viemos através da nossa Assembleia afirmar que o estupro tem acontecido, que a denuncia ainda é uma dificuldade e que as instituições precisam trabalhar com o povo Guarani e Kaiowá sobre tal questão;
– A Organização das Nações Unidas – ONU Mulheres precisa dialogar com as mulheres Guarani e Kaiowá, sobre as maneiras de como proteger as mulheres da linha da frente na luta pelo território em situação de ameaças por latifundiários;
– Também se constitui em uma violência, o direito negado quando nós mulheres indígenas chegamos às instâncias como o Senado Federal, Câmara Federal, Supremo Tribunal Federal e outros órgãos do executivo, legislativo e judiciário, para justamente discutir os direitos das mulheres indígenas e somos barrados e não temos o direito de entrar com o nossos objetos sagrados como Mbaraka, Takuapu e Xiru, nesse sentido exigimos ser respeitadas e respeitados;

Geral:
– Precisamos de intérpretes em todos os órgãos públicos, pois temos dificuldades de fazer denúncias de violações do nosso direito enquanto mulheres indígenas,
– Queremos o apoio da ONU Mulheres na parte de transporte para a nossa participação em eventos local, regional e nacional de fortalecimentos de nossas lutas;
– Queremos o apoio da ONU Mulheres em todas as Assembleias das Mulheres Guarani e Kaiowá (Kuñangue Aty Guassu);
– Exigimos que a ONU Mulheres incentive a participação das mulheres indígenas Guarani e Kaiowá em instâncias internacionais, na perspectiva de denunciar as violações de nossos direitos e se fortalecer enquanto mulheres Guarani e Kaiowá;
– As mulheres indígenas através da V Kuñangue Aty Guasu exige o fortalecimento da FUNAI (Fundação nacional do índio);
– Que sejam respeitadas as nossas decisões encaminhadas via ATY GUASU, KUÑANGUE ATY GUASU E RAJ (Retomada Aty Jovem);
– Que qualquer alteração feita nas coordenações Regionais e coordenação Técnicas Local da FUNAI sejam previamente consultadas nas comunidades indígenas de forma local, regional e nacional;
– Solicitamos que o Ministério Público continue multando a FUNAI em relação ao TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), para que sejam garantidos os estudos dos GTs e as publicações de relatórios dos Peguas (seis grupos de estudos em Mato Grosso do Sul);
– Que o estado reconheça o erro e devolva as nossas terras (Potreiro Guassu, Nhanderu Marangatu, Sombrerito, Yvy Katu, Aroio Korá), bem como a demarcação e a homologação de nossos Tekoha;
– Pedimos ao ministro da justiça, a casa civil e à FUNAI, o fortalecimento das CTLs em Mato Grosso do Sul, assim como condições estruturais (transportes, alimentação, servidores e etc), para melhor atendimento à comunidade indígena, e que as decisões da Aty Guasu sejam respeitadas quanto a indicação dos representantes destes órgãos, a exemplo trazemos a CR de Dourados-MS, onde as indicação política continuam a ser “moeda de troca” dos interesse ruralistas nestes espaços. A V Kuñangue Aty Guasu e Aty Guasu pedem a permanência do servidor e coordenador atual da CR de Dourados- MS José Victor Dallanora e um indígena falante da língua materna que a CR atende;
– Queremos a garantia da segurança para as lideranças ameaçadas e a punição aos autores que assassinaram as nossas lideranças, professores e mulheres indígenas;

Precisamos que os nossos direitos indígenas sejam garantidos, nossas decisões respeitadas e que todas as decisões sobre o nosso povo sejam previamente consultados.

ENQUANTO HOUVER SOM DA MBARAKA E DO TAKUAPU VAI TER LUTA! DEMARCAÇÃO JÁ!

Tekoha Kurusu Amba, Coronel Sapucaia, MS 22 de Setembro de 2017.

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