Mészáros: “O capital não é o simples desfrute das coisas pelos capitalistas”

Por Haroldo Ceravolo Sereza, em Opera Mundi

Com a morte de István Meszáros (1930-2017), autor de Para além do capital, revi trechos do Roda Viva que o entrevistou em 2002 (a bancada era formada por Ricardo Antunes, Emir Sader, Maria Orlanda Pinassi, Luiz Gonzaga Belluzzo, Carlos Nelson Coutinho e eu: gente que, provavelmente, está num índex qualquer da Fundação Padre Anchieta…

A entrevista foi exibida em junho de 2002, foi ao ar, portanto, pouco antes da eleição de Lula para presidente. E pouco depois do 11 de Setembro de 2001, quando as torres gêmeas de Nova York foram atacadas.

Normalmente entrevistas para TV tão marcadas por acontecimentos assim envelhecem e parecem datadas. Essa, não. Vale a pena ver.

 

Além do Roda Viva, reproduzo aqui a reportagem de meia página que publiquei no jornal O Estado de S. Paulo, no dia 9 de junho de 2002, sobre uma palestra de Meszáros na PUC-SP.

Mészáros apresenta seu Para além do Capital

A capa da edição brasileira de Para além do Capital (Boitempo/Ed. da Unicamp, 1.104 págs., R$ 87) traz imagens da destruição causada pelo ataque terrorista de 11 de Setembro às torres gêmeas nova-iorquinas. Mas é outra queda, a do socialismo soviético, que orienta o debate que seu au¬tor, o filósofo húngaro István Mészáros, pretende provocar.

Marxista como seu professor e inspirador George Lukács, Mészáros é um influente pensa-dor de esquerda da atualidade e tem traduzidas para o português pelo menos mais quatro obras, entre elas O Poder da Ideologia (Ensaio). É membro da Academia de Ciências da Hungria e já recebeu os prêmios Isaac Deutscher Memorial (1970) e Lukács (1992).

Na segunda-feira, Mészáros falou na PUC de São Paulo. Na quarta-feira, na Unicamp. Ele, que tinha em sua agenda, na sexta-feira, uma passagem por Florianópolis, deve ainda apresentar seu livro no Rio (UERJ), na próxima terça-feira, e em Belém, na quinta.

Em São Paulo, foi apresentado pelo professor da Unicamp Ricardo Antunes, organizador da coleção em que a obra foi publicada. Também esteve presen-te o professor da UFRJ José Paulo Neto.

Mészáros, em italiano (depois de deixar a Hungria, ele deu aulas em universidades de vários países, entre eles a Itália, o Canadá e o Reino Unido), contou a história de seu livro. Segundo ele, as primeiras reflexões sobre os problemas enfrentados em Para além do Ca¬pital surgiram com a invasão da Hungria pela União Soviética, em 1956.

“A ocupação”, contou ele, “colocou novas questões: como um sistema que anuncia a reforma não se mos-trava capaz de se renovar; e o que se poderia fazer para superar essa situação.”

O filósofo, que começou a trabalhar efetivamente no livro em 1971, para concluí-lo em 1995, acredita que a invasão indicava a existência de problemas que levariam à ruptura com o sistema soviético, no fim dos anos 1980 e inicio da década de 90. “Por que o sistema que queria atacar os fundamentos do capitalismo, e de fato o fez, de 1917 a 1989, acabou tão tragicamente?”, pergunta. A resposta de Mészáros diz, em essência, que o sistema soviético enfrentou a lógica do capitalismo, mas não a do capital.

Essa diferença é tão significativa que, durante a palestra, Mészáros chegou a corrigir seu tradutor, insistindo que falava da lógica do capital, e não do capitalismo.

“O capital não é o simples desfrute das coisas pelos capitalistas; o capital é um modo de controle do metabolismo social, das relações sociais”, defende Mészáros. E sua lógica funcionou tanto nos países do Primeiro Mundo quanto nos do Segundo Mundo (os socialistas). “O sistema soviético era pós-capitalista, mas fez parte do sistema de reprodução do capital.”

Assim, havia capital antes da existência do capitalismo e continuou a existir no Estado pós-capitalista soviético. Na disputa com o capitalismo, o sistema soviético ficou em desvantagem — a crescente divisão social e econômica do trabalho permitiu ao capitalismo internalizar na estrutura das empresas a hierarquia social.

“O sistema soviético causava mais conflitos, porque parecia não haver razão para a tomada de decisões, enquanto no sistema capitalista restava aos menos a ilusão de uma justificativa.” Mas, na sua opinião, a crise do sistema soviético faz parte de uma crise estrutural do capital — e uma outra manifestação disso seria a crescente interferência do Estado na vida social, apesar do discurso neoliberal.

TRECHO
Não é de surpreender que, nas atuais condições de crise, o canto de sereia do keynesianismo seja ouvido novamente como um remédio milagroso, como um apelo ao antigo espírito do “consenso expansionista” a serviço do “desenvolvimento”. Entretanto, hoje mal se ouve a canção que sai do fundo do túmulo do keynesianismo, pois o tipo de consenso mantido pelas variedades existentes de movimento operário acomodado visa tomar aceitável a inevitabilidade estrutural da expansão e acumulação do capital, em nítido contraste com as condições que tornaram possível a implantação das políticas keynesianas durante um período limitado de tempo. Luigi Vinci, um dos principais teóricos do movimento italiano da Rifondazione, notou com muita razão que a autodefinição adequada e a viabilidade organizacional autônoma das forças socialistas radicais “com frequência são fortemente prejudicadas por um keynesianismo de esquerda, vago e otimista, em que a posição principal é ocupada pela palavra mágica ‘desenvolvimento’.” Uma noção de desenvolvimento que, mesmo no ponto máximo da expansão keynesiana, não conseguiu tornar mais próxima a alternativa socialista, pois sempre aceitou as premissas práticas necessárias do capital como a estrutura orientadora de sua própria estratégia, internalizada firmemente nas restrições da linha de resistência mínima”.

Enviado para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

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