Spoiler da nova temporada de Compra de Deputados: Temer se salva no final, por Leonardo Sakamoto

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Diante de baixíssimas taxas de aprovação de Michel Temer, variando entre 3% (Ibope) e 5% (Datafolha), há quem conteste, culpando a amostra estatística ou questionando se o povo realmente entendeu a pergunta da pesquisa. Afinal, para eles, o país está melhorando e é injusto que Temer seja uma espécie de para-raios do clima de insatisfação geral.

Se você se debruçar sobre os números da economia, verá que há sinais de que ela ensaia uma saída do atoleiro. Mas achar que a expectativa de uma possibilidade é o bastante para que o povo sinta-se satisfeito com seu governo é não entender muito de sobrevivência cotidiana. Tratar o Brasil como uma grande planilha de Excel é ignorar que o que importa é a melhora efetiva na qualidade de vida dos trabalhadores e da população socialmente vulnerável – o que pode demorar muito tempo para acontecer.

Perspectivas de crescimento econômico e recuperação futura do poder de compra não enchem a barriga de ninguém. Da mesma forma, uma queda no dólar agora não vai garantir que pessoas possam adquirir, hoje mesmo, o material escolar que seus filhos insistentemente pedem ou os medicamentos que seus pais periodicamente precisam. De que adianta comemorar que o Ibovespa ultrapassou os 76 mil pontos se o leite que recebia para os filhos parou de ser distribuído pela prefeitura?

Além do mais, acho muito difícil uma família de trabalhadores comemorar efusivamente a aprovação de uma Reforma Trabalhista, que reduzirá a proteção à sua saúde e segurança. Muito menos entender como o governo pode se esforçar tanto para aprovar uma Reforma da Previdência que, aumentando a contribuição mínima de 15 para 25 anos para quem já se aposenta por idade, irá piorar a vida dos mais velhos. E isso porque não caiu a ficha da população sobre a PEC do Teto dos Gastos, que irá congelar investimentos em serviços públicos, como educação e saúde, pelos próximos 20 anos, afetando os mais pobres.

O grosso do povão já entendeu, há muito tempo, que existe gente desonesta na cúpula do governo. Análises que estão sendo veiculadas afirmam que Temer foi cercado de pessoas de caráter duvidoso. Ignoram, dessa forma, que as evidências contra ele colocam em dúvida seu próprio caráter, envolvendo-o em corrupção que ocorreu muito tempo antes de assumir a Presidência da República. Aliás, o fato de ter sido escolhido como vice-presidente na chapa de Dilma Roussef diz muito sobre o pragmatismo do Partido dos Trabalhadores, que o levou à crise ética em que está hoje.

Temer e aliados agem, novamente, sem nenhum pudor para garantir os votos a fim de salvá-lo de denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra ele, desta vez por organização criminosa e obstrução de Justiça. O balcão de compra e venda de votos está aberto, não envolvendo necessariamente emendas ou cargos, mas a possibilidade de apoio para a mudanças em leis e perdões bilionários de dívidas públicas. Com a denúncia prestes a ser analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, Temer recebe romarias de parlamentares com o pires na mão, em uma cena patética.

Ao fim de tudo, deve conseguir se salvar. Gastando, para isso, o dinheiro que, sob justificativa da crise, falta para combater a escravidão contemporânea e o trabalho infantil.

Desconfio que quem não entende como Michel Temer pode ter índices tão baixos de aprovação é porque não levanta a cabeça para ver como está o resto da sociedade. Ou não sente por ela empatia. Pelo contrário, fazendo parte de uma elite política ou econômica, está tão satisfeito com as políticas adotadas pelo ocupante do Palácio do Planalto que acha impossível o Brasil não gostar dele.

É claro que a insatisfação sobre a situação de um país recai sobre as costas do governante de plantão. Mas quando Dilma chegou a uma popularidade um pouco maior do que a de Temer hoje, poucos foram os que questionaram aqueles números, talvez movidos pela falsa impressão causada por multidões nas ruas. As manifestações realmente foram grandes, mas representaram uma parcela pequena do restante do país. País que, em sua maioria, não foi nem contra, nem a favor, e assistiu bestializado ao processo de impeachment pela TV.

Temer não é criador de todas as desgraças, seria injusto com ele e condescendente com os governos que vieram antes. Mas a partir do momento que conspira abertamente para ocupar a Presidência a fim de salvar a própria pele e a de outros membros do que vem sendo chamado como o ”Quadrilhão do PMDB”, atender aos interesses fisiológicos dos parlamentares e apoiar a pauta de reformas do poder econômico, que passa pela redução de recursos para garantir a qualidade de vida dos mais pobres, ele se torna responsável pelo futuro perdido de todos nós.

Problemas sociais, trabalhistas, previdenciários, econômicos, entre outros, causados por sua gestão podem ser mitigados se a democracia representativa conseguir sobreviver a toda essa rebordosa. Mas o esgarçamento institucional causado pelo pacto político-econômico que manter Temer no poder não será resolvido no curto prazo. A maior herança dele será certamente um país menor e menos justo.

Pensando bem, de 3% a 5% de aprovação para Temer ainda é muito. Essas pesquisas realmente devem estar erradas ou a população não entendeu a pergunta.

Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress.

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