Terena, advogado e militante: MS desconhece os indígenas. Entrevista com Luiz Henrique Eloy Amado

Entrevistado da semana do TopMídiaNews, Luiz Eloy falou sobre o Estado de MS, CPI do Cimi e do Genocídio e sobre direitos dos povos indígenas

Por Izabela Sanchez, TopMídiaNews

Indígena Terena, natural da aldeia Ipegue, na região de Aquidauana, Luiz Henrique Eloy Amado, ou Eloy, como é conhecido, é advogado, pesquisador e militante das questões indígenas. É da geração que deixou as aldeias para estudar, e que, hoje, reverte o trabalho em prol das raízes de origem, como ele faz questão de afirmar. Uma das poucas pessoas em Mato Grosso do Sul a trabalhar a questão dentro do direito e da advocacia, Eloy já se tornou figura ‘incômoda’ no fogo cruzado da temática em Mato Grosso do Sul.

Confira a entrevista:

TopMídiaNews: Você é militante da causa indígena. Como isso é aceito no espaço da Assembleia e no seu trabalho?

Eloy: Existe um preconceito muito grande dentro da própria OAB. Tem muita resistência, e o pessoal da própria OAB entende que o serviço que eu faço não é serviço de advogado. Que o serviço de acompanhamento, visita in loco das comunidades, não é trabalho de advogado. Mas é nessas visitas que eu tenho contato com as lideranças e que eu levanto as demandas. Então ao contrário do que pensam, eu defendo que sim, é uma atividade de advogado, advogado militante, advogado indígena. Mas tentam desqualificar… Um advogado criminalista, por exemplo, ele precisa ir ao presídio, conversar com os clientes, ver todos os meios de defesa e é isso que eu faço. Eu vou às comunidades, conheço as lideranças, isso é um exercício da profissão.

TopMídiaNews: Por que em Mato Grosso do Sul um advogado Terena, indígena, incomoda tanto?

Eloy: (Risos) Nem eu sei. O povo que cria caso demais comigo. Mas, a primeira questão quando me tornei advogado foi “será que ele tem a OAB”? Pediram pra eu apresentar minha OAB. E depois eles: “ah, não é índio. É um menino que o Cimi criou”. Mas eu sou nascido em aldeia. Aliás, eu sou descendente, na aldeia, da família mais tradicional terena, que é a família Eloy. E aí eles viram que não tinha jeito de desqualificar. Uma das primeiras coisas que eu fiz quando me tornei advogado foi ingressar nos processos criminais que têm indígenas mortos. Todos esses processos nós começamos a levantar e começou a incomodar.

Porque a partir do momento que tem alguém ali como assistente de comunicação, mexendo, os processos começam a andar mais rápido, os juízes começam a dar prioridade, porque eles sabem que tem um olhar externo acompanhando. Isso já incomodou muito as pessoas que estão ligadas ao agronegócio e culminou na ação do leilão né [Leilão da resistência]. Diante da omissão da Funai (Fundação Nacional do Índio), MPE (Ministério Público Estadual), ninguém tomou nenhum tipo de providência. Todos os dias estava sendo noticiado que iriam fazer um leilão pra angariar recursos pra contratar milícia armada. E aquilo estava sendo tratado com tanta normalidade no estado, publicitado, então foi a primeira vez que nós fomos realmente pro embate judicial, em nome do Conselho Aty Guasu, do Conselho Terena, das organizações tradicionais do estado que fazem esse enfrentamento e conseguimos, de certa forma, dar uma visibilidade.

TopMídiaNews: O fato da Constituição prever a proteção e as disposições específicas aos indígenas já foi algo conquistado com muita pressão. Você diria que a tentativa de desmontá-la acontece desde então?

Eloy: Na verdade isso tem se intensificado agora, porque até então a leitura que a gente faz é que eles não tinham se dado conta do que eles mesmos aprovaram. Porque a constituição falou “são reconhecidas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”. Quer dizer, passou um texto e agora que eles foram cair em si o que é que eles tinham aprovado, quer dizer, o estado brasileiro reconheceu esse direito originário, que é um direito anterior a qualquer outro. E aí, diante das batalhas judiciais que a gente vem tendo no judiciário, que eles foram ter a ideia, a clareza do que é que tinha passado na constituição de 88, que até então eles não tinham se dado conta.

TopMídiaNews:  Parece que essa proteção é um dos últimos mecanismos legais que ficam na fronteira entre essa concepção de Brasil de proteção aos povos tradicionais e Brasil desenvolvimentista. Você acredita nisso?

Eloy: A gente costuma pegar a constituição como um marco divisor né. O Estatuto do Índio que está em vigor, mas é anterior à Constituição, a visão dele é justamente isso, de integrar à nossa sociedade moderna, de tecnologia, de desaparecer, na verdade, com os índios, e a Constituição veio rompendo com isso, e eles não se deram conta nem disso. Tanto é que tem um discurso, ainda, “mas não seria melhor integrar vocês?”, “vocês não querem isso, aquilo”. Mas a própria Constituição já deixou bem claro isso né, que os índios têm direito a sua cultura, sua língua, sua tradição.

TopMídiaNews: Muitas pessoas avaliam que os Terena são melhor colocados no Estado do que os Guarani e Kaiowá. Como é isso na prática?

Eloy: A questão cultural é bem diferente. Primeiro porque os Terenas, você vê eles muito nos espaços políticos e tudo mais até por conta do contato. Os terenas têm contato com a sociedade não índia há mais de 100 anos, é um contato mais antigo do que dos guarani kaiowá, que tiveram um contato recente. Tem um antropólogo que na década de 60 quando visitou os Terenas, ele até escreveu um livro depois, chamado Do Índio ao Bugre [Do índio ao bugre: o processo de assimilação dos Terêna, de Roberto Cardoso de Oliveira]. E aí naquele momento o auge era falar sobre os estudos de contato.  E os terenas, num determinado momento, foram tidos como exemplo, que a política integracionista do estado brasileiro estava dando certo, que os terenas estavam na cidade, estavam em perfeita harmonia com a cultura não índia.

Até no Relatório Figueiredo [relatório que trouxe as violações contra os povos indígenas durante a Ditadura Militar de 1964] é falado um pouco disso. Mas, uns dez anos depois esse antropólogo voltou atrás de tudo que ele tinha dito. Na verdade não tem nada a ver isso de que os Terenas estavam sendo integrados. Então, têm essa facilidade mesmo de transitar entre os outros, mas não deixar de lado essa origem, mas isso tem tudo a ver com o processo histórico. As primeiras escolas nas aldeias são já da década de 20, de 30 e em outros povos indígenas até hoje ainda não chegou escola.

Do ponto de vista da situação social, a situação mais gritante é dos guarani kaiowá. Porque os terenas, embora nós estejamos lutando pela demarcação dos nossos territórios, ainda temos as reservas que são espaços de terra que foram reservados, não são suficientes, mas tem esses espaços de terra, onde os índios estão aguardando demarcar, enquanto os guaranis não tem nem isso. Eles estão literalmente acampados.

TopMídiaNews:  Que concepção de indígena se tem na CPI, na Assembleia e no Estado?

Eloy: Na verdade eles têm dificuldade em definir porque eles estão distantes da questão indígena. Interessante que o estado concentra a segunda maior população indígena do país. Eles são legisladores do estado, não de um grupo político, pelo menos deveriam ser legisladores do estado, atender toda a população. Mas nota-se que eles são totalmente alienados da questão indígena, totalmente ignorantes e em algumas partes usam de má fé para, de alguma forma, constranger, tanto o indígena que está ali que já tem uma formação, que já tem uma universidade, quanto uma liderança mais tradicional, que é aquele ancião que está na aldeia e vem se prestar aos esclarecimentos. E eles não fazem nenhum tipo de distinção: pra eles indígena bom é o que fala o que eles querem. Esse é o indígena ideal pra eles, que fala o que eles querem ouvir. Porque na verdade, a CPI já tem uma sentença, antes mesmo de investigar já condenaram o Cimi. E a sociedade geral de Mato Grosso do Sul não é diferente. As pessoas têm um desconhecimento muito grande.

TopMídiaNews:  O que está por trás da CPI do Cimi?

Eloy: Primeiro é uma tentativa nítida de criminalizar os índios e seus aliados. Dos documentos que eles têm, um dossiê lá da ruralista, Rozeli Ruiz e da Luana Ruiz, que são documentos da década de 80 e 90 que já estão na mão da Polícia Federal, já está na mão do Ministério da Justiça há muito tempo e não se consegue comprovar nada contra o Cimi, porque não há o que comprovar. Aliás, o Cimi, nos últimos anos três anos, já tem sido investigado pela Polícia Federal, existem dois inquéritos. E nesses inquéritos já teve quebra de sigilo bancário, telefônico e nada foi encontrado. Então essa CPI vem mais no sentido de atender a demanda dos ruralistas, não vai se chegar a lugar nenhum, não passa de um palco político para deputados ligados ao agronegócio, atendendo seus interesses, mas que vai desaguar em possíveis procedimentos contra os índios, contra as principais lideranças que estão aí lutando pelos seus territórios.

TopMídiaNews: Você acredita que ocorreram excessos no trâmite da CPI?

Eloy: A CPI é um procedimento penal, então deve ser observado o código de processo penal. Os deputados enquanto integrantes dessa CPI, a Constituição fala que eles devem agir como se fossem juízes, autoridades judiciárias. Aliás, os mesmos princípios aplicados aos magistrados são aplicáveis aos deputados na condução dos trabalhos, dentre eles o princípio da imparcialidade, ali você vê que não tem imparcialidade nenhuma, eles registram um pré-julgamento, uma tendência a condenar o Cimi. Até no modo de tratar as pessoas, quando vem um missionário, um índio, é tratado de uma forma, quando vem um fazendeiro ou amigo de um fazendeiro é tratado de outra. Não existe um tratamento digno às partes de forma imparcial.

Por exemplo, eu soube que houve ofícios enviados, buscando informações a respeito da minha vida particular, da vida particular de lideranças indígenas, que não integram o Cimi né, se a CPI é pra investigar o Cimi como é que faz determinações no curso das investigações de pessoas que não tem nada a ver com o objeto da investigação. Isso é abuso de poder, desvio de finalidade. E várias outras questões. No meu caso, por exemplo, o Tribunal me desobrigou a depor a prestar esclarecimento a CPI, então no meu entendimento eu não precisava vir, se eu estou desobrigado, mas o entendimento deles foi outro. Foi de que eu deveria pelo menos comparecer. Então na sessão subsequente, eu enviei e meu advogado protocolou uma justificativa dizendo que meu entendimento não era esse, mas que eu estava acatando o entendimento deles e estava me colocando à disposição para comparecer. A presidente simplesmente ignorou a minha justificativa, não leu na sessão, e simplesmente disse “Ah o Eloy enviou um ofício dizendo que não vai vir”. E não é isso que eu falei, eu disse que estava acatando e que iria comparecer, e aí foi quando abriu espaço pra condução coercitiva e eles realizaram. Eu não estava na cidade, mas a polícia foi na minha casa, foi no escritório, na casa das minhas irmãs, atrás de mim, sendo que eu tinha me justificado falando que ia.

Foto: Geovanni Gomes/TopMídiaNews

Comments (3)

  1. Queria saber cm eu faço pra ser um advogado que defende causas indígena quero fazer direito e lutar pelos direitos indígenas ***

  2. Olá, Vera Lucia, tivemos problemas exatamente na noite do dia 29 e o blog esteve em manutenção até esta tarde. Estamos voltando agora. Você não perdeu nenhum boletim. E obrigada pela força!

  3. boa tarde!!!

    na verdade não quero fazer comentário a respeito da entrevista do eloy, pois já fiz
    anteriormente, aproveitei este espaço com meu nome ,para perguntar por que não
    estou mais recebendo por e-mail este site da tania ,recebi até o dia 29 de abril de 2016,
    o que tenho que fazer para voltar a receber,não tenho rede social ,não entro em rede
    social,por opção , como faço ,é uma pena deixar de receber,gosto muito.
    obrigada

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