Os Ka’apor e seus Guardiões da Floresta estão sob grande ameaça. Apoio a eles!

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Os Ka’apor da Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, devem ter visto com alívio a passagem deste fim de semana. Afinal, a invasão por madeireiros, fazendeiros, grileiros e seus jagunços não foi consumada, apesar das ameaças, intensificadas nos dias anteriores e que denunciamos sábado AQUI. Segundo informações que eles e parceiros receberam, chegou a haver reunião de bandidos (há outro nome para isso?) para escolher os alvos dos ataques: seriam aldeias localizadas nos municípios de Centro do Guilherme, Maranhãozinho, Nova Olinda do Maranhão e Zé Doca. Os Ka’apor confabularam, denunciaram, e o ataque afinal não aconteceu. E continua adiado, até este momento pelo menos.

Mas afinal o que fazem os Ka’apor para serem tão ameaçados? É simples: tomaram como sua a responsabilidade de fazer algo que órgãos públicos mantêm funcionários pagos para realizar, que é preservar o que resta da floresta Amazônica no seu território. Para buscar garantir a vida nos 530.524ha da TI Alto Turiaçu, eles criaram em 2013 um grupo ao qual chamam de Guardiões da Floresta. A esses indígenas cabe vigiar na medida do possível os caminhos, buscar acampamentos de madeireiros,  evitar os incêndios criminosos, guardar, enfim, como o nome diz, a mata.

Foi assim que em agosto de 2014 eles prenderam um grupo de madeireiros do interior da Terra Indígena. O momento foi documentado por Lunaé Parracho: madeireiros amarrados, maquinário queimado, acampamentos destruídos. Não feriram, não mataram; simplesmente apreenderam os criminosos para  entregar às autoridades. Expulsaram.

A decisão de autogerir e preservar o território só acirrou mais ódios, ameaças e violência. Os Ka’apor não diferem de outros povos indígenas de outras regiões do País ou de seus vizinhos parentes Awá e Guajajara, que também lutam pela sobrevivência no Maranhão. Têm a sua longa lista de mortos, que vem lá de 1500 e, nos últimos anos, passou a ter, como um referencial diferente, os nomes cuidadosamente anotados. Dentre os mais recentes, um destaque: Euzébio, liderança assassinada em 26 de abril de 2015. Neste País, ser Guardião da Floresta (na verdade, de qualquer floresta) é perigoso.

Na crise acirrada, em dezembro de 2015 os ‘jagunços’ fizeram uma emboscada contra um grupo de 28 guardas agroflorestais, que estavam apagando incêndios criminosos na mata. Dois indígenas foram feridos e capturados. Sob ameaça de morte e tortura, acabaram por revelar os planos, as ações e os indígenas envolvidos com a proteção da Terra Indígena. Isso, é claro, aumentou ainda mais os riscos para os Guardiões. Mas não só.

Dias mais tarde, em janeiro, os madeireiros espalharam boato de que os Ka’apor teriam matado uma pessoa que trabalhava para eles. Um mês depois, o pseudo defunto foi visto e fotografado pelos indígenas em um banco na sede do município de Zé Doca. Não deu certo, mas a experiência seria por eles renovada.

Os Ka’apor persistiram. Conseguiram informações certeiras sobre quais seriam os madeireiros que estavam retirando madeira da terra indígena, quem estaria ajudando sua entrada no território e quais as serrarias utilizadas para ‘esquentar’ a madeira. Repassaram tudo para o Ministério Público Federal, em São Luiz, que por sua vez acionou a Polícia Federal. Como resultado, a PF, a Polícia Rodoviária Federal e o Ibama realizaram investigação que levou à prisão de 11 madeireiros, em março, e ao fechamento de todas as serrarias da região. Desde então, a situação se tornou ainda mais grave.

Em represália à operação, ‘jagunços’ sequestraram uma adolescente Ka’apor de 14 anos, que até o momento não foi encontrada, e estão perseguindo lideranças. Indígenas que  moram em áreas de proteção Ka’apor (antigos ramais fechados por eles) estão sendo impedidos de sair e de usar a estrada fora da terra indígena. No final da semana passada, os madeireiros pararam um carro do Polo Base de Saúde Indígena Zé Doca, em uma estrada conhecida como “Da Conquista”, e impediram que um servidor e uma liderança indígena retornassem à cidade. As ameaças são constantes.

Finalmente, na última quinta-feira, 16 de junho, uma nova história de assassinato veio reviver a tentativa mal sucedida de dezembro. De acordo com os madeireiros, um corpo teria sido encontrado dentro da terra indígena. Seria alguém que os Ka’apor teriam assassinado.

O local onde eles afirmam ter encontrado o corpo é nos extremos do Território, entre duas aldeias pequenas e nos limites com uma fazenda. Uma área de poucos moradores, distante das aldeias, onde nem mesmo os guardas florestais costumam fazer vigilância. Lá moram apenas duas lideranças: um guardião florestal e um membro do Conselho de Gestão Ka’apor.

Não há sinal do corpo; não há nome do assassinado; não houve, sequer, qualquer registro do fato junto às autoridades competentes por parte denunciantes. De acordo com parceiros dos indígenas, há, na verdade, notícia de que os madeireiros teriam ordenado a execução das pessoas que revelaram para os indígenas as informações por eles repassadas ao Ministério Público Federal. Com ou sem corpo, tudo indica que o plano era juntar esse acerto de contas entre capangas à criminalização dos Ka’apor e, paralelamente, achar uma desculpa para novas violências.

É este o cenário, ao qual podemos ainda acrescentar, além da adolescente de 14 anos que continua desaparecida, o registro de cinco lideranças assassinadas, 14 indígenas agredidos (fisicamente e com balas de chumbo), duas aldeias invadidas, cerca de 8 lideranças e 12 guardas florestais ameaçados ou marcados para morrer, desde 2008.

Desde que deram início ao plano de autogestão, o Conselho de Gestão Ka’apor é responsável pelo fechamento de 24 ramais de madeireiros e pela criação de sete Áreas de Proteção, preservando 85% das florestas do território e recuperando os outros 15% que haviam sido devastados. Os Guardões são, inclusive, considerados “guardas agroflorestais”, pelo redimensionamento que vêm dando às áreas preservadas (ou áreas de proteção,  os ka’a usak ha). Deveriam ter seu trabalho reconhecido e apoiado, inclusive por órgãos públicos aos quais caberia fazer muito do que está sendo pelos Ka’apor realizado. Parece que não é exatamente o que vem acontecendo.

Ficam ainda algumas perguntas. O que aconteceu com os criminosos presos na operação da Polícia Federal e Ibama em março? O que foi feito em relação aos madeireiros da lista encaminhada ao MPF? É permitida a contratação e a livre circulação de jagunços armados, impedindo a locomoção de pessoas, indígenas e servidores, e ainda fazendo ameaças? E a Funai, finalmente, o que faz e o que diz? Que apoio está dando aos Ka’apor e que medidas vem tomando para garantir a sua segurança?

Cada vez mais me parece que há pessoas e órgãos públicos neste País para os quais a solução da chamada ‘questão indígena’ se resume a uma só palavra: extermínio. Ou genocídio.

As ameaças do fim de semana não se concretizaram, mas continuam presentes 24 horas por dia, na Terra Indígena Alto Turiaçu. E isso não pode continuar.

Todo apoio aos Ka’apor, ao seu Conselho de Gestão e aos Guardiões da Floresta.

Salve!

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*Com informações de apoiadores e parceiros dos Ka’apor.

Indígenas cercam homens que estavam em acampamento montado na Terra Indígena Alto Turiaçu, com a finalidade de desmatar a região. Foto: Lunaé Parracho /Reuters.

Leia também:

Urgente: madeireiros e fazendeiros ameaçam invadir esse final de semana a Terra Indígena Alto Turiaçu, Ka’apor

Comments (2)

  1. vamos precionar o supremo para homologar as terras indigenas e mandar proteção para os povos das florestas e das aguas.
    severino leite diniz peseverino.leite@
    hotmail.com

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